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2006-02-22
Não bastassem os incalculáveis passivos ambientais provocados pela alta concentração de indústrias pesadas nos arredores de Itaguaí, na região metropolitana do Rio de Janeiro, os moradores são obrigados a viver com uma suspeita a mais de poluição. Ela está nas ruas, orgulhosamente pavimentadas pela prefeitura. E em forma de uma poeira escura que sobe nos dias mais abafados. Atende pelo nome de escória de aciaria, um resíduo da produção de aço das siderúrgicas, comprado pelo município para tapar buracos.

Associações de moradores e ambientalistas pediram explicações à prefeitura sobre as características e os riscos de contaminação desse material à saúde e ao meio ambiente. E iniciaram uma verdadeira saga só para descobrir o que foi colocado debaixo de seus pés. Como não obtiveram respostas, o ativista Sergio Ricardo de Lima, do Fórum de Meio Ambiente e Qualidade de Vida da Zona Oeste e da Baía de Sepetiba, denunciou o caso ao Ministério Público Estadual (MPE) de Nova Iguaçu, onde foi aberto um inquérito civil. Mas as investigações estão paradas porque o promotor ainda não recebeu um parecer técnico da Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente do Rio de Janeiro (Feema) sobre os riscos do uso da escória espalhada no solo.

As denúncias de Sergio Ricardo chegaram no início de 2005 ao MPE. Desde junho, o promotor já emitiu quatro ofícios pedindo explicações à Feema. Agora ele promete enviar as cópias das solicitações a um outro promotor, que avaliará a responsabilidade criminal do órgão ambiental por não responder. Segundo o MPE, a Feema mandou um fax pedindo mais tempo para se posicionar, alegando falta de condições para atender a todas as solicitações que recebe normalmente.

Escória para todos
Enquanto isso, as reclamações continuam. Segundo Maria Aparecida Ambrozino, presidente da Associação de Moradores do bairro Jardim América, em Itaguaí, a prefeitura tem colocado escórias para cobrir ruas com problemas de calçamento desde julho de 2004, sempre em períodos de campanhas eleitorais. No entanto, a qualidade do pavimento permanece ruim. “Em ruas onde sequer há rede de esgoto, tem escória”, denuncia. E embora não possa provar o perigo que o material oferece, Aparecida tem certeza que “essa poeira preta de ferro” não pode fazer bem. “Será que não tem solução melhor para tapar os buracos? Tem que usar ferro moído?”. Ela conta que alguns moradores têm receio de prejudicar os pneus de carros e bicicletas ao passarem por certos lugares.

Procurada por mais de um mês pela reportagem de O Eco, a prefeitura de Itaguaí também silencia. Não quis responder quantas ruas foram pavimentadas com escória, a origem do material, se dispõe de licença ambiental para realizar as obras e se o produto oferece riscos. Para o ambientalista Sergio Ricardo, todas as ruas têm escória, seja misturada ao asfalto ou cobrindo as primeiras camadas de pavimentação. “As leis ambientais nos dão o direito da precaução. Se o material é tóxico, por mais que os testes não tenham sido concluídos, não precisamos expor as pessoas e o meio ambiente desse jeito”, diz.

De acordo com ele, as siderúrgicas da empresa Gerdau se livram de 200 toneladas por mês de escória vendendo esse rejeito para a prefeitura de Itaguaí. A Gerdau se defende. Diz que repassa a escória para a empresa Multiserv Ltda., que por sua vez vende o material para a prefeitura, com a devida licença ambiental emitida pela Feema. Em nota, a Gerdau informa que um estudo minucioso realizado nos Estados Unidos comprovou que os metais contidos na escória não são carregados para águas subterrâneas ou superficiais e não causam impacto à qualidade da água potável, fauna e flora. Ainda segundo a companhia, não existem restrições quanto ao uso da escória como sub-base, base ou componente de revestimento de estradas ou ruas, sendo essa uma prática consagrada mundialmente e adequada às leis brasileiras.

Não é tão simples assim. No Brasil existe uma norma técnica do antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), de 1994, fixando condições exigíveis para o uso de escória de aciaria em pavimentação. Mas o engenheiro Jabour Chequer, diretor do Instituto de Pesquisas Rodoviárias (IPR) do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit), esclarece que a norma do DNER não pode servir de parâmetro. Segundo Chequer, ela trata da escória de maneira muito restrita, omitindo informações sobre suas características físico-químicas. Ele ressalta que o fato de a norma ainda existir não pressupõe que o material possa ser usado em pavimentos. “Estamos fazendo testes e um acompanhamento ambiental em parceria com a Companhia Siderúrgica de Tubarão para que, no final, os resultados das pesquisas gerem uma especificação competente”. De posse das novas informações, cada siderúrgica terá que seguir uma norma específica, pois cada uma produz um tipo diferente de escória.

Os estudos devem levar mais de um ano para ficarem prontos. Até lá, Chequer se abstém de fazer qualquer comentário sobre o uso da escória nas ruas. “Sei que algumas cidades já usaram esse material na pavimentação, mas fizeram por sua conta e risco”.

Risco à saúde
“Risco? É claro que existe”, atesta Maria de Fátima Ramos Moreira, engenheira química da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A poeira preta que sobe nas ruas de Itaguaí pode conter partículas de ferro, silício, manganês, titânio, alumínio e uma série de outros elementos danosos à saúde, dependendo do tipo de escória. “Essas partículas ficam agarradas no pulmão e endurecem o órgão. Podem levar à morte”, explica. Segundo ela, o vento e a chuva podem infiltrar o material no solo, contaminando água e alimentos. “A pessoa tem duas chances de ser atingida: pelo ar ou por ingestão”.

Maria de Fátima reconhece que a intenção de aproveitar os resíduos das siderúrgicas pode até ser boa, mas muitas vezes causa outros prejuízos. Dependendo do organismo de cada pessoa, os efeitos demoram mais ou menos para surgir. Mas eles sempre aparecem. “Escória é escória. É aquilo que não presta para alguém”. Enquanto não são feitos estudos mais específicos sobre a escória usada em Itaguaí e a Feema continua calada, à população resta conviver com a indesejável sobra industrial, fazendo jus ao título que a cidade ganhou: zona de sacrifício do estado do Rio.
(Andreia Fanzeres, O Eco, 18/02/06)
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