Brasil não conhece mínimo de suas espécies vegetais
2006-02-22
Chocante. O termo é usado por George Shepherd, do Departamento de
Botânica do Instituto de Biociências da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), para fazer referência ao fato de que o Brasil não
conhece o número de espécies vegetais que possui.
“Qualquer número usado é praticamente uma questão de chute”, explica o
pesquisador à Agência FAPESP. Apesar de Shepherd estimar que devam
existir no país entre 45 mil e 50 mil espécies de plantas, alguns
estudos falam em 35 mil e outros em até 75 mil. Ou seja, as variações
são consideráveis.
“Temos ainda uma profunda ignorância sobre a nossa flora, apesar de a
situação ter melhorado nos últimos anos”, afirma o experiente botânico,
para quem a questão tem mais a ver com a quantidade do que com a
qualidade dos taxonomistas.
A importância de classificar as plantas, e não somente elas, mas todos
os seres vivos do planeta, estará em debate em Curitiba, em março,
durante a 8ª Reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre
Diversidade Biológica (COP 8). Em estudo preparado em 2003 para o
Ministério do Meio Ambiente, sobre a biodiversidade brasileira em
relação às plantas terrestres, o pesquisador da Unicamp procurou
mapear o conhecimento atual – e o desejado – da flora nacional.
Os números foram apresentados para os quatro grandes grupos vegetais:
briófitas, pteridófitas, gimnospermas e angiospermas. No caso do grupos
dos pinheiros (gimnospermas) a situação, segundo Sheperd, está sob
controle, pois existem apenas entre 14 e 16 espécies dessa categoria
taxonômica no Brasil, todas já conhecidas.
“Nos três grupos restantes, o cenário é outro: há poucos pesquisadores
para muito desconhecimento”, diz. No caso das plantas com flores
(angiospermas), o Brasil tem quase 50 mil espécies, o que representa
de 16% a 20% do total mundial. “E temos apenas cerca de 200 sistematas
[pesquisadores que estudam os grupos, no caso, vegetais] voltados para
esse grupo”. Apesar do pequeno número, é a categoria taxonômica mais
estudada no país.
Entre as briófitas e as pteridófitas, a situação é ainda pior. No
primeiro caso, as espécies delicadas e pequenas desse grupo somam
menos de 3 mil. As pteridófitas, que preferem ambientes úmidos como a
Mata Atlântica e a Floresta Amazônica, estão em torno de 1,4 mil
espécies. Segundo Shepherd, o número de pesquisadores exclusivamente
dedicados a essas pequenas plantas não ultrapassa os dez. “Nos últimos
anos foram publicados, pelo Jardim Botânico de Nova York, dois
importantes livros sobre as briófitas brasileiras”, lembra o botânico
da Unicamp. No Brasil, não foram produzidos trabalhos com a mesma
importância no período.
Colaboração internacional
Além da falta de especialistas em plantas brasileiras, aqueles que
estudam precisam vencer uma série de obstáculos logísticos. Um deles é
o fato de que as principais coleções antigas sobre a fauna brasileira
estão no exterior, principalmente na Europa e, em alguns casos, nos
Estados Unidos.
“Isso realmente ocorre. Nos últimos tempos, algumas instituições
colocaram os desenhos de plantas na internet, para consulta online.
Isso ajuda muito, apesar de não resolver por completo o problema dos
que precisam estudar com detalhe as chamadas espécies tipos [usadas na
descrição inicial daquela espécie]”, explica Shepherd.
Para o pesquisador, escocês radicado no Brasil, a cooperação com
outros países é a saída para que esse obstáculo geográfico possa ser
transposto. “Os herbários internacionais estão cada vez menos
emprestando material antigo, mas por terem medo de que se percam por
completo, não por que não querem auxiliar ou divulgar a informação”,
diz.
Como forma de solucionar as lacunas do conhecimento científico no
campo da botânica, Shepherd conclama para que seja feito um grande
esforço para aquilo que realmente importe para o Brasil e para os
demais países da América do Sul, que também apresentam floras
semelhantes a brasileira.
“Não tem como falar em preservação, antes de se conhecer o que se vai
preservar. E, além disso, precisamos fazer um grande esforço para que
as nossas coleções, em termos nacionais, sejam cada vez menos
deficientes”, afirma Shepherd.
(Agência Fapesp, 21/02/06)