Fábricas de celulose no Uruguai opõem verdes e sindicalistas
2006-02-21
O freqüente antagonismo entre proteção ambiental e geração de empregos se expressa com crueza na construção de duas fábricas de celulose às margens uruguaias do Rio Uruguai, fronteiriço com a Argentina, que, além de afetar as relações bilaterais, coloca frente a frente verdes e sindicalistas. As fábricas - que estão sendo construídas pela Empresa Nacional de Celulose da Espanha (Ence) e pela finlandesa Botnia e devem estar funcionando em 2007 - geram importantes expectativas trabalhistas, ao mesmo tempo em que despertam temores por futuros prejuízos ao hábitat e à saúde humana.
Transportadores, técnicos e centenas de trabalhadores metalúrgicos e da construção, que poderiam se beneficiar com novas fontes de trabalho, cerram fileiras contra grupos ambientalistas que chegaram à ação direta, com a invasão do local onde as fábricas estão sendo erguidas, no departamento uruguaio de Rio Negro. Os ecologistas também mantêm a interrupção quase constante do tráfego, desde o início de janeiro, em estradas argentinas de acesso a pontes sobre o rio fronteiriço. “Prefiro morrer contaminado dentro de 20 anos a morrer de fome agora por falta de trabalho”, dizem potenciais trabalhadores das fábricas, cujo investimento chega a US$ 1,8 bilhão, recorde nessa área no Uruguai.
“São cinco mil postos de trabalho por três anos e depois cerca de 700 empregos diretos ficariam estáveis, além de quase dois mil indiretos
referentes à fábrica, bem como de outros serviços relacionados com outros três mil”, disse Omar Díaz, representante da Federação de Trabalhadores Papeleiros na direção da central sindical única uruguaia PIT-CNT. Isto sem contar a quase certa instalação de fábricas de papel, que ocupam um número maior de pessoas. Em toda parte onde as fábricas de celulose produzem 1,5 milhão de toneladas ao ano, como acontecerá com a produção conjunta das duas fábricas, o complemento industrial é um fato, acrescentou.
Por outro lado, os ambientalistas de Gualeguaychú, cidade argentina localizada a 25 quilômetros do complexo industrial em questão, temem por sua saúde e de seu meio ambiente, além de acreditarem que perderão
igual ou maior quantidade de empregos. Este conceito é reafirmado por Ricardo Carrere, da organização ambientalista uruguaia Grupo Guayubira, que disse que “em troca de 600 empregos pode-se perder um número igual ou maior no setor turístico”, importante no Rio Negro e que emprega milhares de pessoas, além de afetar a apicultura, a pesca e a agricultura orgânica.
A tensão entre trabalhadores e ecologistas está em alta, sobretudo a partir dos bloqueios que impedem que se cruze o rio limítrofe entre Argentina e Uruguai, dois países que se orgulham de superar o colapso
econômico sofrido há pouco mais de três anos. Porta-vozes do governo uruguaio confirmaram ao Terramérica que são mais de 200 os caminhões, de Argentina, Chile e Uruguai carregados com material para as fábricas,
parados por ambientalistas locais e internacionais. Alguns destes transportadores ameaçam romper à força o bloqueio. Também foi tensa a situação criada entre os operários que constróem as grandes estruturas das fábricas e os ativistas do Greenpeace, que no final de janeiro chegaram em duas lanchas ao porto de uma das unidades e se acorrentaram por alguns minutos às colunas de concreto.
Na produção e branqueamento de celulose, insumo fundamental para a fabricação de papel, são usadas grandes quantidades de água e substâncias químicas, como cloro ou dióxido de cloro, soda cáustica,
oxigênio ou peróxido de oxigênio, e hipoclorito de sódio. Esses elementos geram compostos organoclorados muito tóxicos, persistentes e com capacidade de se acumular em organismos animais. A pressão de
populações afetadas, ativistas e dos próprios trabalhadores do setor levou a uma busca de melhorias técnicas para reduzir ou eliminar a contaminação, e, com isso, o risco de se contrair câncer, transtornos
hormonais e neurológicos, infertilidade, diabetes ou enfraquecimento do sistema imunológico.
Assim, chegou a ser desenvolvido o sistema de branqueamento Totalmente Livre de Cloro (TCF) e o antecessor Livre de Cloro Elementar (ECF), o
mais utilizado hoje e aplicado no Uruguai tanto pela Ence quanto pela Botnia. “Os sindicatos finlandeses do setor nos asseguram que as fábricas não causarão contaminação, isto é, as emissões não serão
prejudiciais para a população da área nem ao meio ambiente”, afirmou Díaz.
O sindicato uruguaio, que mantém contato permanente com seus pares da Finlândia, explicou que o desenvolvimento de mais de 30 anos de funcionamento deste tipo de fábrica permitiu a esses trabalhadores
comprová-lo, ao mesmo tempo em que afirmam que a Botnia utilizará uma tecnologia inclusive ainda mais moderna do que a usada hoje em seu país
de origem. “Eles não concordam com o fato de os investimentos deste setor serem feitos no exterior, porque perdem postos de trabalho, com renda mensal média para operários qualificados não inferiores a quatro mil euros (US$ 1,8 mil)”, e não por questão ambiental, ressaltou.
Díaz não pensa que os interesses de sindicalistas e ecologistas sejam antagônicos, e cita o caso dos trabalhadores finlandeses, que trabalharam conjuntamente com os ativistas e assim melhoraram a
tecnologia de produção de celulose e papel para reduzir ao mínimo a contaminação. “A posição ambientalista exige que os investidores
melhorem suas instalações, e isso é um interesse totalmente em comum com os trabalhadores”, acrescentou. Díaz reclama “a criação de uma
aliança entre sindicatos e ambientalistas que ajude a controlar outras fábricas em funcionamento que hoje poluem no Uruguai”, considerando um erro político dessas ongs o fato de se preocuparem muito com as
fábricas que serão instaladas e pouco com as existentes.
(IPS, 20/02/06)