Gasodutos do Norte se transformam em novelas
2006-02-21
Por Humberto Viana Guimarães*
Demora em construí-los traz enormes prejuízos. No mês passado,
conversando com um morador da região amazônica a respeito do
transporte do gás natural da Bacia de Urucu, ouvi: "Acho que nem meus
netos verão estes gasodutos concluídos". Há uma certa descrença da
população em relação a essas obras; também pudera, o assunto arrasta-se
há anos como se fosse uma novela sem fim. Pasmem, já houve até um
ex-governador da região que queria transportar o gás natural em
barcaças em pleno século XXI.
Basicamente temos três gasodutos na região: 1) Porto Velho (RO)/Rio
Branco (AC), que ainda está em estudo e sem previsão de início. 2) O
gasoduto Urucu/Porto Velho (RO), 520 quilômetros, 14" de diâmetro, 2,5
milhões de m³/dia e custo estimado em US$ 250 milhões
(US$ 34,61/m/polegada), já liberado pela Aut. ANP n 385, de 7/10/05, e
que será construído pela TNG Participações (Consórcio da Gaspetro e a
Dutonorte). 3) O gasoduto Coari-Manaus, com 420 quilômetros de
extensão, 20" de diâmetro e 5,5 milhões/m³/dia (Aut. ANP n 402, de
29/11/04), está paralisado. Por quê? Segundo a Petrobras, devido ao
custo das obras.
Conforme matéria publicada pela Gazeta Mercantil, edição de 18/1/06,
página C-4, sob o título "Petrobras quer rapidez na licitação de
Coari-Manaus", "(...) A estatal cancelou a licitação para a obra
porque as construtoras cobraram cerca de 40% acima do esperado – o
mercado estimava cerca de US$ 500 milhões (...)". A alegação para tal
acréscimo: "(...) As chuvas atrapalham e oneram o custo dos trabalhos
(...)". A prevalecer esse raciocínio, o gasoduto custaria US$ 700
milhões ou US$ 83,33/m/polegada, um preço exorbitante – diante disso,
a constatação: a Petrobras agiu de forma correta ao cancelar a
licitação.
Façamos uma pequena comparação. As tubulações do The North-European
Gas Pipeline (NEGP), que levará gás da Rússia diretamente para a
Alemanha, e que terá 1.689 quilômetros, sendo 500 quilômetros em terra
e 1.189 quilômetros totalmente submersos no Mar Báltico até Greifswald,
na Alemanha, com diâmetro de 48", terá um custo de 4 bilhões de euros
– o que equivale a dizer que teremos um custo de US$ 59,28/m/pol
(cotação de venda BC de 03/02/06), ou seja, 40,57% mais barato do que
o Coari-Manaus. É notória a dificuldade de trabalhar na região
amazônica, independentemente de ser período seco ou chuvoso; a
logística é complicada, pois os acessos são difíceis. Mas nada se
compara com as dificuldades de trabalhar no mar Báltico com suas
correntes, ondas, frio siberiano, além do difícil manuseio da
tubulação.
Interessante observar que, da mesma forma que o trecho Coari-Manaus, o
gasoduto Urucu/Porto Velho também está localizado em plena região
amazônica e seu preço é 140,77% mais baixo que o primeiro trecho
citado (US$ 83,33/m/polegada/US$ 34,61/m/polegada).
Enquanto a novela se desenrola e não se constroem gasodutos tão
necessários, milhões de m³ de GN são reinjetados ou queimados
diariamente e o consumidor brasileiro é obrigado a continuar pagando,
através de sua conta de energia, a conta de consumo de combustíveis
(CCC) – Lei n 8.631, de 4/3/1993 –, que é um subsídio para as
termelétricas da região que consomem óleo combustível, como, por
exemplo, a Termonorte I e II.
Os números da CCC fazem ruborizar qualquer pessoa de bom senso! Entre
2001 e 2005, inclusive (dados da Aneel), foram pagos R$
14.179.307.068,34. É necessário somar a este valor o previsto para
2006, que alcança R$ 4,525 bilhões
(Aneel, Informativo n 207, 8/2/2006). Dessa forma, entre o período
compreendido de 2001 e 2006, inclusive, teremos pago, de CCC, a
impressionante quantia de R$ 18.704.307.068,34, equivalente a US$
8.132.307.421,01 (1 US$ = R$ 2,30), recurso suficiente para construir
quatro gasodutos do porte do Gasene (940 quilômetros, US$ 2 bilhões),
que ligará Cacimbas (ES) a Catu (BA), ou três refinarias do porte da
de Abreu e Lima, a ser construída em Pernambuco (US$ 2,5 bilhões).
* Humberto Viana Guimarães é engenheiro civil e consultor de geração
de energia e concreto
(GM, 21/02/06)