Retorna a discussão dos pneus
2006-02-21
O mercado de reposição de pneus entrou em ebulição na semana passada
com o aprofundamento das discordâncias entre fabricantes e
reformadores. A situação não é simples de explicar porque envolve
grandes interesses comerciais e de proteção ao meio ambiente,
inclusive no exterior. Ao consumidor restam dúvidas se poderá
continuar a comprar pneus de reposição baratos, à custa de falhas da
legislação e por concorrência desleal. Unidades recauchutadas, em que
a banda de rodagem e parte dos ombros são substituídas, sempre
existiram para automóveis, caminhões e ônibus. No primeiro caso, sem
muita vantagem no preço, mas nos segundos de grande importância
econômica, pois os pneus já foram projetados para serem recapados
várias vezes.
Com os países se preocupando cada vez mais em gerenciar o descarte de
bilhões de pneus usados em todo o mundo, a confusão se formou. O Brasil
possui uma das mais rigorosas legislações de recolhimento e destinação
dos inservíveis. Mas proibiu apenas por frágeis portarias e não por
lei a importação de unidades usadas para evitar que nos
transformássemos em lixo do mundo. Mais recentemente, começou aqui a
indústria de pneus remoldados que troca toda a borracha dos pneus, de
talão a talão. Ela alegou não encontrar unidades em bom estado no País
e a necessidade de importar carcaças usadas. Resultado: sob abrigo de
liminares, entrou o volume recorde de mais de 10 milhões de pneus
usados em 2005 ou 40% do teórico mercado nacional de reposição.
Suspeita-se de que mais de 2 milhões, no mínimo, foram desviados para
venda como unidades meia-vida, aumentando o passivo ambiental.
Os remoldados beneficiam-se de uma carga fiscal menor e seus
produtores tentam passar ao consumidor que se trata de uma unidade
nova. Carcaças européias são menos reforçadas que as produzidas aqui,
mas quem compra desconhece. Pneus usados para teoricamente servir de
matéria-prima são importados a preço simbólico. Desconfia-se que se
forem, em parte, também revendidos como meia-vida, geram um grande
lucro, capaz de sustentar a atividade de remoldagem com preços
imbatíveis. Segundo Chris Corcoran, presidente da Goodyear do Brasil,
a importação de pneus usados pode ameaçar novos investimentos e a
criação de empregos.
Há dois projetos de lei em discussão no Congresso sobre o assunto. O
governo está meio perdido e ainda enfrenta pressões da União Européia,
que quer continuar a exportar pneus usados, pois a partir desse ano a
lei também ficou mais dura por lá. Não será possível só picar pneus
velhos e jogar em aterros.
Em outra frente, uma liminar de 2 de fevereiro voltou a permitir o uso
de pneus reformados em motocicletas, recém-proibidos pelo Contran. O
problema aí é maior, pois não existe previsão técnica para isso. O
Sindicato dos Engenheiros de São Paulo divulgou um relatório, em
dezembro último, condenando a prática com veemência. Todos os aspectos
de segurança foram desconsiderados pela juíza em Brasília, que se
ateve a firulas sociais e elementos formais em demasia, ao invés de
inverter o ônus da prova, ou seja, os reformadores deveriam demonstrar
que produzem algo seguro. Infelizmente, vidas humanas parecem ter pouco
valor.
Por Fernando Calmon, colunista da Gazeta Mercantil
(GM, 21/02/06)