Faltam especialistas para estudar a megabiodiversidade brasileira
2006-02-21
Mesmo os cientistas mais conservadores concordam que o mundo está
assistindo, por causa do homem, a uma incrível crise de perda de
biodiversidade. Paralelamente ao processo de destruição ambiental, há
outro problema: o Brasil conhece apenas 6,67% de todas as suas espécies
animais.
Por causa dessa falta de conhecimento, a 8ª Conferência da Convenção
sobre Diversidade Biológica das Partes, que será realizada em março,
em Curitiba, será de fundamental importância.
A Agência Fapesp preparou uma série de reportagens sobre a
biodiversidade brasileira, com o objetivo de colaborar com esse debate
que terá seu ponto alto a partir do dia 20 de março, quando começa o
evento na capital paranaense. Neste primeiro texto, o assunto é a
taxonomia zoológica, ciência responsável pela identificação dos
animais.
O quadro é ainda mais complicado do que o apresentando acima. Existem
hoje, em todo o território nacional, apenas 542 pesquisadores que se
autodenominam sistematas dentro da zoologia. São essas pessoas que têm
o papel de estudar os grupos animais e definir em qual parte da árvore
evolutiva eles devem ser colocados. Ou seja, os recursos humanos são
absolutamente ínfimos diante da quantidade de grupos ainda
desconhecidos.
“Nessa área da taxonomia há inequivocamente uma grande deficiência,
que é a falta de profissionais. Há grupos biológicos inteiros que não
contam sequer com uma pessoa que possa trabalhar com eles”, disse
Antônio Carlos Marques, pesquisador do Instituto de Biociências da
Universidade de São Paulo (USP), à Agência Fapesp.
Marques, ao lado de Carlos Lamas, do Museu de Zoologia da USP, é autor
do trabalho ainda inédito – o texto deverá ser divulgado na reunião em
Curitiba pelo Ministério do Meio Ambiente – Sistemática zoológica no
Brasil: Estado da arte, expectativa e sugestões de ações futuras.
“Apesar da falta de pesquisadores, podemos dizer que os poucos grupos
que têm bases de dados um pouco maiores estão sendo preservados e
conservados de alguma forma”, aponta Marques.
Um dos grupos no conjunto dos quase desconhecidos é o dos nematóides
(vermes) marinhos, explica o pesquisador. Estima-se que, apenas no
Brasil, existam 1,5 milhão de espécies desse grupo. “Esse
desconhecimento é o mesmo para praticamente todos os outros táxons
[grupo] animais”, afirma o cientista.
Faltam especialistas
O estudo preparado por Marques e Lamas mostra que, dos 542
pesquisadores que se autodenominam taxonomistas ou sistematas, 86 são
doutores ainda sem vínculo empregatício e outros 39 estão aposentados.
Dois outros estão em grupos com nenhum ou apenas um único doutor. A
idade média está entre 45 e 50 anos.
“De maneira geral, nenhum grupo animal apresenta excesso de sistematas
em nosso país. Na realidade, diversos táxons de menor riqueza de
espécies não possuem sequer um sistemata, nem mesmo em formação”, diz
Marques. Essa lista é formada por dezenas de grupos, entre eles
Amblypygi (aracnídeos), Chaetognatha (pequenos animais
marinhos planctônicos) e Echiura (invertebrados marinhos
bentônicos).
Do lado dos grupos bem conhecidos aparecem os peixes (com 53 cientistas
voltados exclusivamente para esse grupo), os crustáceos (39) e os
dípteros (28). “O nível de conhecimento de nossa fauna está longe do
ideal. O número de novas espécies brasileiras, descritas anualmente,
corrobora a idéia de que ainda temos muito para conhecer de nossa
fauna”, dizem os cientistas no texto que será divulgado em Curitiba.
Como exemplo, apenas nas revistas indexadas no ISI (base de dados que
inclui um número relativamente pequeno de periódicos que publicam
novas espécies brasileiras) foram descritas 400 novas espécies entre
janeiro de 2000 e março de 2005, propostos diversos grupos
supra-específicos e inúmeras novas ocorrências. “O desconhecimento
ocorre em todos os táxons e em todos os biomas, inclusive nos que estão
bem amostrados em coleções.”
Para que o quadro do desconhecimento seja alterado, Marques e Lamas
propõem uma série de ações e metas. Para os próximos três anos, por
exemplo, seria ideal que o Brasil formasse pelo menos cem sistematas e
que fossem instalados 30 novos docentes em áreas da sistemática nas
quais o país é carente.
Todas as metas, tanto em nível de infra-estrutura, como organizacional
e de recursos humanos, foram apresentadas, também para os próximos
cinco e dez anos. Para 2016, o ideal é que o país tenha 300 novos
sistematas, segundo os autores do estudo. Outro ponto importante para
estimular a produção científica e a divulgação desses conhecimentos
seria a criação de novas revistas científicas. O ideal seria que o
Brasil tivesse 10 periódicos da área zoológica indexados nas
principais bases internacionais.
“A responsabilidade brasileira aumenta na proporção de sua
biodiversidade, a maior do mundo. O Brasil tem condições de ser um dos
expoentes e modelo em estudos de biodiversidade, aproveitando-se,
inclusive, dos benefícios que isso significa. Atualmente, há
capacitação técnica e uma base logística razoável para se iniciar o
desafio. É essencial que haja a implementação de novos programas, e
que esta seja dinâmica e bem planejada”, dizem os autores.
(Agência Fapesp, 18/02/06)