Projeto de Lei sobre loteamentos urbanos pode esvaziar legislação ambiental
2006-02-21
A Câmara dos Deputados pode colocar em votação na próxima semana um
polêmico Projeto de Lei que trata de parcelamento e uso do solo. O PL
nº 3.057/2000, de autoria do deputado Bispo Wanderval (PL-SP) e que
tramita no Congresso desde 2000, busca solucionar um dos maiores
problemas urbanos do País - a criação de loteamentos e assentamentos
clandestinos. Para isso, estabelece novas regras para a ocupação
urbana, dando maior poder para os municípios na gestão de seu
território. Entretanto, por outro lado, o PL pode comprometer aspectos
importantes da legislação ambiental vigente no País e esvaziar seus
órgãos mais atuantes, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente
(Conama) e seus equivalentes nos estados. Entre seus pontos principais,
o PL inclui:
– Admissão de loteamentos em várzeas (terrenos alagadiços e sujeitos a
inundações), desde que o loteador providencie o "escoamento das águas";
– Previsão de que somente "leis" podem controlar a especulação
imobiliária com impacto ambiental, vedando que decretos ou resoluções
do Conama e de conselhos estaduais de Meio Ambiente possam estabelecer
critérios de proteção ambiental;
– Previsão da possibilidade de loteamentos e construções em “topo de
morros” (hoje considerados Áreas de Preservação Permanente pelo Código
Florestal) e penhascos com inclinação de até 45 graus;
– Dispensa o loteador de colocar iluminação pública e pavimentação no
loteamento, como se tais equipamentos fossem considerados de "luxo";
– Redução de Área de Preservação Permanente (APP) com mata ciliar de
30 para 15 metros, nos cursos d´água de até 2 metros em áreas urbanas
consolidadas;
– Dispensa de manutenção de quaisquer das APPs previstas no Código
Florestal, no caso de "regularização fundiária urbana" (favelas e
outras ocupações irregulares). As APPs passariam a ser estabelecidas
pelo poder municipal;
– Admissão de supressão de vegetação de APP, inclusive em Áreas de
Proteção de Mananciais, em área urbana consolidada, para fins de
regularização fundiária;
– Possibilidade de legalizar ocupações irregulares de praças e outras
áreas comuns do povo, pós 5 anos de ocupação;
– Legalização de "clubes de campo" localizados irregularmente às
margens de represas e lagos;
– Fim de licença ambiental para loteamentos; os aspectos ambientais
seriam apreciados em conjunto com os urbanísticos, em uma chamada
"licença-integrada";
– Previsão de que o licenciamento ambiental de loteamentos passa a
ser, como regra, do município, afastando-se o licenciamento estadual,
mesmo no caso de impactos ambientais supramunicipais;
– Vedação do poder de conselhos estaduais de Meio Ambiente em fixar
diretrizes gerais para loteamentos menores ou iguais a um hectare;
– Previsão de que o Conama só poderá disciplinar a proteção ambiental
em face da especulação imobiliária se o loteamento se localizar em
Unidade de Conservação ou houver desmatamento de espécie ameaçada de
extinção;
Diante das questões acima colocadas, as organizações ambientalistas
pedem que o projeto seja apreciado pela Comissão de Meio Ambiente da
Câmara – o PL tramitou apenas na Comissão de Constituição e Justiça e
de Cidadania -, discutido com o Ministério do Meio Ambiente e com a
sociedade civil. O advogado do ISA, André Lima, lembra que a aprovação
do projeto pode legitimar uma estratégia muito comum e utilizada por
gestores municipais interessados em aumentar a arrecadação de impostos,
como o IPTU, e engordar seus redutos eleitorais com a criação de
bairros inteiros, da noite para o dia. “Isso acontece todos os anos,
seja no Distrito Federal seja nas áreas de mananciais da Grande São
Paulo”, aponta Lima. “Com o PL aprovado, bastaria uma lei municipal
para criar áreas de expansão urbana sem levar em conta a legislação
ambiental e florestal”. Por embutir estes riscos, Lima apelida o
projeto de “parcelamento do Meio Ambiente”.
O PL recebeu ao todo 136 emendas e poderá ser votado na próxima
quinta-feira, 23 de fevereiro, sem ter que passar pelo plenário da
Câmara, sendo encaminhado diretamente ao Senado. Isso porque o governo
federal considera sua aprovação prioritária para acontecer antes das
eleições. Por isso, é suficiente que o PL passe pelas comissões da
Câmara, apenas. O advogado Rodrigo Agostinho, da ONG Vidágua, afirma
que a discussão do projeto não passou por órgãos ambientais e que o
debate foi conduzido por setores imobiliários. "Enquanto o movimento
ambientalista trabalhava pela aprovação do PL de Gestão de Florestas e
do PL da Mata Atlântica a tramitação final sobre parcelamento e uso do
solo foi muito rápida", diz. Rodrigo ogado afirma que a atual
legislação sobre loteamento urbano tem de fato de ser revista, mas que
o novo marco legal não pode atropelar a legislação ambiental.
(ISA,
20/02/06).