MMA negocia saída honrosa para questão do carvão ilegal no Pará e Maranhão
2006-02-20
Há duas semanas produtores de ferro-gusa do Pará e Maranhão se reúnem com representantes do Ministério do Meio Ambiente para negociar uma saída honrosa para uma situação irregular. Uma investigação do Ibama, concluída em setembro passado, mostrou que pelo menos 8 das 13 empresas existentes na região consomem carvão vegetal de procedência ilegal e sonegam a origem. Pressionados, os empresários sentaram para discutir um Termo de Ajuste de Conduta (TAC).
O governo deu até março para cada empresa apresentar um plano de abastecimento. A partir de 2014 elas devem ser auto-sustentáveis, plantar o que consumirem. Mas até lá, têm que queimar carvão produzido de acordo com as leis ambientais. “A gente sabe que não dá para se tornar sustentável este ano, mas legal dá.”, diz Tasso Azevedo diretor de Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Luiz Correia, secretário executivo da associação dos produtores de Ferro Gusa de Carajás (ASICA), concorda, mas afirma que isso já acontece. “Os números do Ibama não correspondem à realidade. Vamos provar que a origem do nosso carvão é legal”, diz. Mas para o governo isso é perda de tempo. Foi através de dados fornecidos pelas próprias siderúrgicas que o Ibama descobriu que para atingir a produção anual era necessário consumir muito mais carvão do que o declarado. “Se resolverem provar que os números estão errados e não mostrarem como vão fazer daqui para frente, vão cair do cavalo”, garantiu um integrante do governo que acompanha o caso.
Vale Florestar - Uma solução para o impasse é plantar eucalipto e transformá-lo posteriormente em carvão. A Companhia Vale do Rio Doce já anunciou que está disposta a investir 250 milhões de dólares na idéia. O que é quase um trocado para uma empresa que pretende exportar 10 bilhões de dólares este ano e pode ter a imagem no exterior manchada por fornecer ferro para siderúrgicas que usam carvão procedente de madeira ilegal em plena Amazônia.
A proposta da Vale do Rio Doce é incentivar o plantio de 150 mil hectares de eucalipto em áreas degradadas no Complexo Mineral de Carajás e recuperar 50 mil hectares de mata nativa. A Vale não pretende comprar área e plantar, mas convencer proprietários de terra a investirem em reflorestamento como negócio. Ela fornece mudas, tecnologia e se compromete a comprar a produção - como já fazem indústrias de celulose no Sul e Sudeste do Brasil.
O desafio é convencer os proprietários a plantarem árvores no lugar de soja e braquiária. A Vale apresentou ao governo federal um plano de zoneamento econômico e ecológico para a região onde assinala áreas propícias para eucalipto, gado e agricultura. Mas em contrapartida pede mudanças na lei de Reserva Legal, que obriga propriedades na Amazônia a preservarem 80% de suas terras.
“Uma parcela importante da Amazônia , principalmente a parte Sul, conhecida como arco do desmatamento, já está desflorestada. São 80% de uma área que hoje produz, que já estão desmatados”, argumenta Maurício Reis, diretor de gestão ambiental e territorial da Vale. A proposta da empresa é utilizar áreas desmatadas antes de dezembro de 2002 – uma forma de evitar suspeita de derrubadas propositais - para determinadas finalidades produtivas. Entre elas a plantação de eucalipto, que diminuiria a pressão para corte de espécies nativas.
Paulo Barreto, pesquisador do Imazon , confirma que na região são raras as reservas legais que se mantiveram na marca dos 80%. “Quem respeitou a lei, preservou 50% da propriedade”, diz. Por lei, os donos das terras têm que reflorestar os 30% degradados, o que pode encarecer o projeto Vale Florestar. Como a empresa não pode negociar com pessoas em situação irregular, ela teria que convencer fazendeiros a plantarem eucalipto em 20% da terra e reflorestar os outros trinta. “O problema é saber quanto eles vão ter que pagar para o arrendamento da terra”, explica Barreto.
Fora de questão - Mas segundo Tasso Azevedo, o governo não cogita mudar a lei. “Reserva Legal é área de produção”, diz. E lembra que uma solução para o carvão vegetal é fazer plantio comercial com mata nativa. Como exemplo cita o caso de João Batista, um fazendeiro do Piauí que teve aprovado na última segunda-feira o primeiro plano de manejo em larga escala para carvão no Brasil. Ele é dono de uma propriedade de 114 mil hectares de cerrado e caatinga em bom estado de conservação na divisa do Piauí com a Bahia. Estava decidido a desmatar 80 mil hectares, vender a madeira para carvoarias e plantar soja no lugar do mato. Mas desistiu. Ano passado, ao pisar numa feira de usineiros em Belo Horizonte atrás de possíveis compradores para a lenha, foi persuadido por funcionários do Ministério do Meio Ambiente a manter a mata e explorá-la de forma manejada. João Batista pretende começar a cortar a mata em abril e carbonizar a madeira em junho. “Vou produzir 1 milhão de metros cúbicos por ano e direto, já que a mata não vai acabar. Vou dividi-la em 13 partes. Daqui a 14 anos volto a explorar a que cortarei em abril”. Batista já tem uma fazenda de 30 mil hectares de soja no Piauí e acredita que vai ganhar mais dinheiro com carvão.
Outra saída apontada pelo MMA que descarta a mudança na lei é facilitar a compra e venda de reservas legais. Um proprietário com “déficit” de reservas pode comprar floresta conservada de quem a tem em excesso, desde que seja na mesma bacia hidrográfica e no mesmo estado. O Ministério estuda maneiras de simplificar esse processo para incentivar projetos de reflorestamento na região.
A Asica chegou a criar recentemente o Fundo Florestal Carajás, para o qual cada empresa associada vai depositar 3 dólares por tonelada de ferro-gusa exportada com o objetivo de financiar o plantio de florestas de rápido crescimento perto das usinas. Segundo Luiz Correa, serão necessários reflorestar 300 mil hectares para abastecer as usinas. Uma parte já começou a ser plantada em Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará, mas um dos maiores obstáculos do projeto seria respeitar as restrições impostas pela Reserva Legal. “A lei exige proteção de mata fechada, coisa que não existe mais”, argumenta.
Luiz também afirma que não há um acordo, nem foi feita uma proposta por parte da Vale, para as siderúrgicas investigadas por consumo de carvão ilegal participarem do programa Vale Florestar. Segundo ele, a parceria é desnecessária porque a própria associação pretende ter a sua floresta comercial, que se plantada hoje só poderá ser utilizada daqui a 7 anos. Exatamente em 2014, data limite para o abastecimento auto-sustentável.
Para a Vale, encontrar uso para 200 mil hectares de florestas exóticas e nativas não vai ser difícil. Enquanto as árvores crescem, seqüestram carbono. Maduras, têm valor comercial. E a companhia pretende construir uma siderúrgica no Maranhão com capacidade de produção de até 7,5 milhões de toneladas anuais de placas de aço. Mas por enquanto tudo está na mesa de negociação. Tanto a transformação do Arco do Desmatamento num pólo de floresta industrial quanto o fim do uso de carvão vegetal ilegal na produção de ferro-gusa.
(O Eco, 18/02/06)