Uruguai quer discutir crise com Argentina
2006-02-16
O presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, pediu uma reunião extraordinária do Mercosul para tentar liberar o trânsito numa das três principais pontes de acesso ao país, bloqueada por manifestantes argentinos há mais de dez dias.
Uma nova manifestação, em outra ponte de acesso ao Uruguai, foi marcada para esta quinta-feira (16/02), também com o objetivo de parar a construção de duas fábricas de pasta de celulose em Fray Bentos, às margens do Rio Uruguai, em frente à cidade argentina de Gualeguaychu.
Mais duas fábricas do setor também estariam prestes a ser erguidas na região, uma no Uruguai e outra em São Borja, no Rio Grande do Sul, segundo assessores dos dois governos. Em três dos quatro projetos, as fábricas estarão às margens do rio Uruguai, que une Argentina, Uruguai e Brasil, e no quarto caso, nas proximidades do rio Negro, que também deságua no rio Uruguai.
As construções viraram pivô de uma disputa entre os governos do Uruguai e da Argentina e chamaram atenção dos ambientalistas para o interesse desta indústria pela região.
Nos últimos dias, as fábricas Botnia (finlandesa) e Ence (espanhola) transformaram-se no motivo de uma queda de braço entre os presidentes Tabaré Vázquez e Nestor Kirchner, da Argentina. As outras duas fábricas seriam a sueco-finlandesa Stora-Enso e a brasileira Aracruz Celulose.
Kirchner mandou projeto de lei ao Congresso Nacional, pedindo respaldo dos parlamentares para apelar ao Tribunal Internacional de Haia contra as construções no Uruguai. Vázquez, por sua vez, conseguiu apoio de todos os partidos políticos do seu país – Blanco, Colorado e Frente Amplo, que é sua base de apoio – e disse, mais de uma vez, através de seus ministros, que não desistirá das obras.
Elas representam, segundo o governo uruguaio, os maiores investimentos já feitos no país (US$ 1,7 bilhão, ou cerca de 11% do Produto Interno Bruto nacional).
Ambientalistas argentinos e uruguaios, como a argentina Paula Brusman, do Greenpeace, em Buenos Aires, e o uruguaio Ricardo Carrere, do grupo Guayubira, em Montevidéu, condenam as construções, alegando que poluirão o ar, prejudicarão o turismo e a pesca.
Ricardo Carrere argumenta que empresas estrangeiras procuram o Cone Sul por pelo menos dois motivos: terra e mão-de-obra mais baratas que em outros continentes e a força e rapidez com que os eucaliptos crescem na região.
“Está comprovado. Os eucaliptos demoram 80 anos para crescer na Finlândia, por exemplo, e apenas sete anos no Brasil ou no Uruguai”, disse ele. Segundo Carrere, o Uruguai está se preparando para ser um “pólo de fábricas de celulose”, já que há anos estimula a plantação de eucaliptos, em detrimento de outros cultivos.
A proprietária de um pequeno hotel na cidade argentina de Colon, em frente a uruguaia Paysandú, onde começa o protesto desta quinta-feira, também se disse preocupada com o impacto no turismo e na economia locais.
“As fábricas vão afetar também a produção de mel, nosso produto mais exportado para a União Européia. Sem contar o cheiro de podre que vai espantar os turistas”, criticou Lilia Moyano.
Assessores do ministro do Meio Ambiente do Uruguai, Mariano Arana, afirmaram que o governo propôs à Argentina o “controle conjunto”, com participação da sociedade civil, das construções das fábricas, mas que não teve resposta.
Num depoimento no Congresso Nacional, terça-feira, o ministro das Relações Exteriores da Argentina, Jorge Taiana, acusou o Uruguai, ao vivo, diante das câmeras de televisão, de “desrespeitar” o acordo bilateral, dos anos 70, sobre o uso e proteção do rio que liga os dois países.
Taiana também acusou o Uruguai de não fornecer todas as informações necessárias sobre os riscos de contaminação do meio ambiente. Em meio à queda de braço, que há dias é o principal assunto nos dois sócios do Mercosul, Vázquez mandou uma carta a Kirchner, presidente temporário do bloco, sugerindo que os dois países encontrem uma saída através do diálogo.
Tanto no governo uruguaio como no argentino, comentou-se que o Brasil poderia ser chamado para ser “mediador” nesta disputa. Quando consultado pela imprensa argentina, o assessor internacional do governo Lula, Marco Aurélio Garcia, afirmou que melhor seria um entendimento bilateral ou no Mercosul, longe do tribunal de Haia.
Mas, como se admite dos dois lados do rio Uruguai (e também do rio da Prata), ainda não se sabe como esta crise terminará.
(BBC Brasil, 16/02)