Pesquisador do INPE acredita que novos incêndios florestais devem acontecer
2006-02-16
Há quase três décadas atuando como pesquisador pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE, Alberto Setzer é enfático em afirmar que 92% da contribuição brasileira para a poluição mundial são provenientes das queimadas. As previsões feitas pelo pesquisador são catastróficas, os incêndios florestais vão voltar a ocorrer. Segundo Setzer, somente aliando medidas educativas, de conscientização, de fiscalização e punitivas será possível mudar esta realidade.
Setzer é um dos palestrantes do seminário "As queimadas no Acre: avaliação, combate, alternativas e propostas futuras", que teve início na segunda-feira, no auditório da Federação da Indústria - FIEAC. O evento é promovido pelo Comitê de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais, presidido pelo Instituto de Meio Ambiente do Acre - IMAC. Em entrevista exclusiva ao jornal A GAZETA, o pesquisador parabenizou o Estado pela iniciativa e disse acreditar que ações como esta devem servir de exemplo para o restante do país.
Leia a seguir alguns trechos da conversa:
A GAZETA - O mundo tem parado para discutir a poluição ambiental e os riscos para a continuação da vida no planeta. O protocolo de Quioto é uma prova de toda essa preocupação mundial. Qual é a parcela de contribuição do Brasil de fato para o efeito estufa?
Alberto Setzer - A principal contribuição do Brasil para essas mudanças climáticas está nas nossas queimadas e não nas emissões de natureza industrial e automotivas
A GAZETA - Então a principal área a se preservar, a se monitorar, é a Amazônia e não os grandes centros, como se imaginava?
Alberto Setzer - No Brasil hoje está muito mais se queimando na Amazônia do que em outras partes, por conta da expansão da fronteira agrícola na região. Como é nessa área que está acontecendo a maior concentração de queimadas é nessa área que deve haver maior controle para diminuir a emissão de poluentes.
A GAZETA - O mundo tem visto uma série de catástrofes naturais acontecendo. São enchentes, secas.... Na sua opinião, qual a parcela de contribuição da região Amazônica?
Alberto Setzer - Eu prefiro separar estes dois exemplos. Esses extremos climáticos sempre aconteceram na história da humanidade, infelizmente. Estão acontecendo independentemente da nossa atuação no planeta. Por outro lado, a atuação do homem tem causado grandes estragos no planeta e aqui na Amazônia. Na minha opinião estas duas coisas podem ser trabalhadas separadamente. Nós temos que cuidar do nosso meio ambiente e ponto final, isso independente do comportamento climático está mudando ou não. Possivelmente essas alterações que estamos fazendo está ajudando a tornar estas mudanças um pouco mais graves, mas nós temos que cuidar do nosso meio ambiente porque é o nosso meio ambiente, é onde nós vivemos. Temos que fazer isso sem nos preocupar se isso está destruindo ou não o planeta. É uma questão de manter a nossa casa limpa, em bom estado.
A GAZETA - Muito se falou sobre 2005. Que era um ano atípico. Mas o que de fato aconteceu no ano passado?
Alberto Setzer - O que aconteceu em 2005 não é diferente do que aconteceu em março de 1998, em Roraima, onde queimou mais de 12 mil quilômetros quadrados de floresta; não é diferente do que aconteceu em agosto, setembro de 97, quando no sul da Amazônia o número de queimadas foi muito grande e o descontrole na propagação do fogo foi muito grande; não foi diferente de 95, quando tivemos o maior valor de desmatamento e de queimadas no Brasil, quase trinta mil quilômetros quadrados; não é diferente de 85, 87, quando sob o efeito do El Niño as queimadas foram muito grandes. No futuro nós teremos outras situações dessa com estiagem, inundações, eventos climáticos graves nessa região da Amazônia. A idéia é que a gente esteja preparado para enfrentar o uso do fogo descontrolado na floresta. Porque que eles vão ocorrer.
A GAZETA - Então na sua opinião, as correntes do Atlântico não tiveram participação da estiagem?
Alberto Setzer - Olha a seca no Acre, na Amazônia não foi prevista por nenhum meteorologista. Depois que aconteceu o fenômeno foram procurar explicações, acharam alguma coisa em termo de aquecimento de águas na região do Caribe. Essa por enquanto é uma hipótese, uma proposta que talvez venha a ser confirmada. Por enquanto é só uma possibilidade. É uma anomalia que foi observada no mesmo tempo que houve a queimada no Acre.
A GAZETA - Se fala muito que o Acre está numa região onde o vento faz a curva. O que tem de científico nisso?
Alberto Setzer - Olha, isso acontece não só no Acre, mas em outras regiões da América do Sul também. Eu tenho fotos da fumaça vindo da Bolívia em 2004 direto para o Acre e açoitando o Acre de uma maneira muito grave. Inclusive fechando aeroportos e trazendo sérios problemas de saúde para a população. Assim como eu tenho outras situações mostrando o Acre exportando a fumaça. A fumaça não está sempre numa mesma direção.
A GAZETA - Mas em 2005, o Acre foi prejudicado pela fumaça de outras regiões?
Alberto Setzer - O Acre em 2005 teve um aumento muito grande de focos no número de queima. Cerca de 4, 5 vezes mais que em outros anos. Para o Acre isso foi uma comoção, um problema, um sofrimento muito grande. Entretanto, se você compara com o que acontece em outros Estados da Amazônia, o Acre tem um papel pequeno comparado com o que acontece em outras regiões da Amazônia, como: Mato Grosso, Pará, Rondônia, onde a devastação é ordem de magnitude acima do que acontece no Acre.
A GAZETA - Na sua opinião, o que é preciso para acabar com este problema cultural que é a utilização da queima?
Alberto Setzer - Você tem que ter de um lado a educação, o treinamento das pessoas e do outro a parte de fiscalização e controle. As duas coisas tem que andar juntas. Todo mundo sabe que é errado queimar, prejudica a si próprio, aos outros e ao planeta, mas só que as pessoas só vão parar de queimar quando sofrerem pressão, de preferência no bolso delas.
A GAZETA - Qual a mensagem que o senhor deixaria para o povo acreano, vítima das queimadas no ano passado?
Alberto Setzer - O que aconteceu no Acre é parte de um processo que nós estamos vivendo de controlar o uso do fogo indiscriminado no país. Eu espero que a experiência do Acre possa servir, como está servindo com este seminário, como exemplo do que precisa ser feito em outras partes do país, de organizar a sociedade, de estruturar um modo de reduzir as queimadas e o uso indiscriminado do fogo. Portanto, vocês estão de parabéns pela iniciativa e eu espero que ela resulte em alguma coisa concreta para o Acre e para o restante do país.
(A Gazeta – AC, 15/02/06)