Novas áreas de conservação no Pará podem brecar agronegócio
2006-02-16
A criação, na segunda-feira, de oito novas unidades de conservação no Pará, como parte do programa BR-163 Sustentável, foi um ato político para diminuir o assédio da atividade agropecuária sobre a floresta, avalia o Greenpeace. No mais, todos os setores – madeireiros, fazendeiros, mineradores e comunitários – se beneficiaram.
Em reunião na última segunda-feira com as ministras da Casa Civil e o do Meio Ambiente (MMA) para discutir o plano de contenção de desmatamento do governo, entidades do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente (FBOMS) foram surpreendidas, no final da tarde, com uma audiência com o presidente Lula e a assinatura de uma série de decretos que criam oito novas unidades de conservação (UCs) na região Oeste do Pará, num total de 6,4 milhões de hectares.
As medidas fazem parte do plano de proteção do entorno da rodovia BR-163, que liga as cidades de Santarém (PA) e Cuiabá (MT). Com o início do projeto de pavimentação da estrada, houve um aumento drástico de problemas fundiários como grilagem, desmatamento (que chegou a 500% por ano em algumas áreas, segundo o MMA) e conflitos agrários na região, o que levou o governo a decretar, em fevereiro de 2005 (após o assassinato da Irmã Dorothy Stang, em Anapu), uma limitação administrativa provisória de cerca de 8,2 milhões de hectares com vistas a medidas definitivas de proteção ambiental e mitigação dos problemas de violência e conflitos.
Segundo o MMA, o Plano BR-163 Sustentável, cuja finalização está prevista para março, deve implementar o ordenamento territorial e a gestão ambiental das Ucs, o fomento das atividades produtivas, a implantação de infra-estrutura e a inclusão social na região. “Com o Plano, o governo pretende, de um lado, ampliar a infra-estrutura local, favorecendo a integração econômica da região com o restante do País, e, de outro, garantir a conservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida da população. Foi com base no Plano, que o Ibama concedeu recentemente a licença ambiental para o asfaltamento da estrada”, afirma nota do ministério.
De acordo com a canetada ambiental dada pelo presidente nesta segunda-feira, foram criados dois Parques Nacionais - do Rio Novo, em Itaituba e Novo Progresso, com 537.757 hectares, e do Jamanxim, em Itaituba e Trairão, com 859.722 ha – e houve uma ampliação do Parque Nacional da Amazônia em Itaituba e Aveiro, com mais 167.863 hectares. Estas áreas são de proteção integral, e perfazem um total de 1,5 milhões de hectares de florestas intocáveis.
As outras Ucs criadas foram as Florestas Nacionais do Trairão, em Itaituba, Rurópolis e Trairão, com 257.482 ha, de Amaná, em Itaituba e Jacareacanga, com 540.417 ha, do Crepori, em Jacareacanga, com 740.661 ha, e do Jamanxim, em Novo Progresso, com 1.301.120 ha. Também foi criada a Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós, em Itaituba, Jacareacanga, Novo Progresso e Trairão, com 2.059.496 ha, perfazendo um total de 4,8 milhões de hectares de áreas com uso sustentável permitido.
Para o coordenador do Greenpeace Amazônia, Paulo Adário, a iniciativa do governo teve um forte viés político, não apenas como postura frente à questão ambiental na Amazônia, mas também frente à comunidade internacional que se reunirá em Curitiba mês que vem para a Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 8).
Do ponto de vista doméstico, o aspecto político da criação das Ucs está mais na indisponibilidade de amplas áreas de terra para a prática de grilagem e o avanço predatório da agropecuária expansiva, um dos principais agentes do desmatamento, avalia Adário.
Segundo ele, o desinteresse por essas terras é estimulado pela impossibilidade de venda e de solicitação de crédito para produção nestas áreas, e, no caso, o papel de barreira ambiental será desempenhado pelos dois novos Parques Nacionais e pela ampliação do Parque da Amazônia.
Já as áreas de uso sustentável não permitem desmatamento, mas atividades econômicas, como as madeireiras e de exploração dos recursos florestais dentro de normas legais, são aceitas. Segundo Adário, estas áreas deverão atrair os madeireiros para atividades legalizadas, com a nova lei de gestão de florestas públicas.
Por último, a APA do Tapajó, pela própria característica das APAs - que gozam de um nível baixo de proteção ambiental, já que seu objetivo é mais “disciplinar o processo de ocupação das terras e promover a proteção dos recursos abióticos e bióticos dentro de seus limites” – deve, segundo Adário, acomodar os conflitos sociais na região, uma vez que ordenará a existência de fazendeiros, mineradores e pequenos produtores rurais.
Em relação à imagem do País no exterior, a criação das Ucs há cerca de um mês da COP-8 também teria como objetivo estratégico melhorar a imagem do Brasil perante os outros signatários da Convenção sobre Diversidade Biológica, provando a boa vontade do governo brasileiro em cumprir o compromisso de criação de uma rede global de áreas protegidas para conter destruição do patrimônio ambiental do planeta, avalia Adário.
Já para Adilson Vieira, secretário-geral do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), em primeiro lugar a criação das Ucs foi uma resposta a um processo de pressão crescente da sociedade civil desde a limitação administrativa provisória da região em fevereiro do ano passado. Politicamente e como freio ao desmatamento, avalia Vieira, a iniciativa do governo é de grande importância, mas enquanto não se implementar de fato as Ucs, com criação de mecanismos de desenvolvimento e fiscalização das atividades, elas terão pouca efetividade enquanto mecanismo de controle da violência e da destruição ambiental.
(Folha do Amapá, 15/02/06)