Ampliação do PARNA de Brasília revela conflito entre Ibama e reserva particular
2006-02-16
O Senado aprovou, nesta terça-feira, dia 14, um projeto que altera as
feições do Parque Nacional de Brasília. O saldo é o seguinte: o Ibama
perde 123 hectares de terras semi-urbanas, invadidas e
descaracterizadas, e ganha 14 mil hectares de Cerrado bem preservado.
O negócio da China se deve à “Cidade Digital”, um pólo tecnológico a
ser implantado nos tais 123 hectares, que atualmente pertencem ao
Parque Nacional de Brasília. Pelo acordo, o Parque cresce em tamanho e
em riqueza natural.
Mas a boa notícia esconde um perigo. Foi aprovada uma emenda que
inclui, nos novos limites do Parque, uma única propriedade particular.
Não é uma propriedade qualquer. Trata-se da renomada Fazenda Dois
Irmãos, mais conhecida como Fazenda Imperial, reserva premiada várias
vezes pelo bem-sucedido projeto de turismo ecológico que promove na
região.
A Fazenda Imperial fica na Chapada da Contagem e tem 4 mil hectares,
95% dos quais integralmente preservados. O terreno nunca serviu à
exploração agropecuária, e há sete anos seus proprietários abriram os
portões aos turistas. Sábia decisão. Por 40 reais, os visitantes podem
escolher quais das 33 cachoeiras e poços d’água preferem conhecer.
Esportistas têm à disposição trilhas com três níveis de dificuldade, e
além das caminhadas há espaço para mountain bike, arvorismo, rapel e
passeios de jipe. O pacote inclui transporte interno, enfermaria de
primeiros socorros e almoço incluindo saladas orgânicas. Guias
equipados com rádio acompanham as atividades das 9h às 17h30. Eles
recebem treinamento em educação ambiental graças a uma parceria da
fazenda com a Universidade de Brasília (UnB), que também investe na
profissionalização dos moradores de uma vila que fica dentro da
propriedade. Sua qualidade de vida é importante para o bem-estar de
seus vizinhos de Cerrado: veados campeiros, tatus, lobos-guarás,
porcos-do-mato e onças.
Será que foi a riqueza natural que despertou a cobiça do Ibama pela
área? Segundo seus proprietários, as intenções do órgão federal não
são tão nobres. “A questão é que temos um empreendimento ambiental que
se tornou um bom negócio. O Ibama cresceu o olho e quer terceirizar os
serviços por licitação. Eles querem se beneficiar do que a gente
construiu, tomar posse”, ataca Márcio Imperial, que atende pela
propriedade ao lado do irmão, Marcelo.
Francisco Palhares, gerente-executivo do Ibama no Distrito Federal,
rechaça a acusação. “Não conheço esses dois, nunca vi, meus critérios
são meramente técnicos. Este assunto está encerrado para mim", diz ele,
que é provável candidato a deputado distrital nas eleições deste ano.
Boicote – Mas os irmãos Imperial não estão dispostos a se calar.
Queixam-se de boicote por parte do Ibama, que costumava soltar na
propriedade animais do Cerrado apreendidos em suas operações. “Existe
uma ordem expressa entre os funcionários do Ibama, dada pelo
gerente-executivo Francisco Palhares, de não realizar mais nenhuma
soltura de animais na propriedade”, afirma Márcio. “Ele tem o objetivo
claro de utilizar o lugar a seu favor. Por isso está sabotando a
fazenda, já que os animais são uma das atrações para quem vem”. A
Fazenda Imperial já recebeu até onça apreendida pelo Ibama.
Francisco Palhares negou-se a comentar o suposto boicote à soltura de
animais na fazenda, e usou um argumento surpreendente para contestar a
legitimidade do trabalho: “A propriedade é da União”. O que
transformaria os irmãos em grileiros. Marcelo Imperial garante que o
Tribunal Regional Federal (TRF) confirmou, em segunda instância, a
titularidade da fazenda. E a própria emenda aprovada no Congresso
considera a terra privada, uma vez que prevê sua desapropriação.
O deputado José Roberto Arruda (PFL) é um dos defensores da tese de
que a área está em boas mãos. “A Fazenda Imperial é um patrimônio do
Distrito Federal, graças ao esforço destes empresários que foram
felizes em suas ações, sem ajuda nenhuma de governo. Eles seguem todas
as normas e não podem ser punidos por terem preservado a área, por
terem realizado isso. Deixar o terreno em um parque cujo fiscalizador
é o Ibama, cujo aparelho está falido, é certamente entregar o projeto
à ruína. Aquilo é um corredor ecológico saudável de 4 mil hectares de
Cerrado”, ressalta Arruda, forte candidato ao governo do Distrito
Federal.
“Como é que o Ibama pretende manter o nível de qualidade ambiental que
hoje existe ali?”, pergunta Arruda. “Do mesmo jeito que se faz em todo
o país. Nosso parque é o mais bem conservado do Brasil”, responde
Francisco Palhares.
Com a aprovação do projeto pelo Senado, só falta a sanção de Lula para
Márcio e Marcelo perdem sua propriedade. Mas eles pretendem brigar até
o fim. “Nós vamos acionar a Justiça, entrar com mandado, fazer o
diabo”, avisa Márcio, sacando da manga mais acusações contra o Ibama.
Diz ele que em uma propriedade perto dali, pertencente à União, há uma
lavra de água mineral da marca Pura e Leve, que recebeu do Ibama
autorização para distribuição e venda comercial. “Os consumidores são
o próprio Ibama, Congresso Nacional, ministérios e autarquias. É a
Praça dos Três Poderes bebendo água da União, vendida irregularmente”,
acusa. Por sua assessoria, o Ibama respondeu que as terras pertencem à
Terracap, e não à União.
Não que seja esse o plano para as fartas águas da Imperial. Mas a
fazenda ecoturística parece ser um caso clássico de time que está
ganhando. Daqueles em que não se deveria mexer.
(Carolina Mourão, O Eco
11/02/2006)