Soja muda de endereço
2006-02-16
A safra 2005/2006 traz aparente boa notícia sobre a situação da soja
no Brasil. A colheita deve aumentar em 7 milhões de toneladas, e o que
é melhor: ocupando 5% menos terras do que no ano passado. Trocando em
medidas, isso significa 1,15 milhão de hectares que deixaram de receber
o grão, sem prejuízo da produção. Seria uma trégua para as florestas
sacrificadas ano após ano pela expansão da fronteira agrícola?
Na verdade, não. Nenhuma tecnologia de otimização de produção foi
implantada. E se as lavouras minguaram de um lado, continuam a se
espalhar sobre a Amazônia e o Cerrado. Agora, rumo ao Nordeste. "A
perspectiva de aumento de safra é por causa das chuvas. Se chove bem,
até com baixa tecnologia se produz", esclarece o pesquisador Amélio
Dall Agnol, coordenador de Transferências Tecnológicas da Embrapa Soja,
centro nacional de pesquisas sediado em Londrina (PR). O mérito,
portanto, é de São Pedro, que regou as plantações depois de frustrar
dois anos consecutivos de colheita. Em 2004/2005, foram 51,5 milhões
de toneladas. Agora, devem chegar a 58,17 milhões.
De olho no céu, o analista de soja Flávio Roberto de França Júnior, da
consultoria porto-alegrense Safras & Mercado, calcula que o mau tempo,
que neste ano provocou estragos em parte do Paraná e Santa Catarina,
pode até puxar os números para baixo. Mas a safra não será menor do que
56 milhões de toneladas.
Depois de muito se expandir, o plantio recuou. "Foram seis anos de
crescimento consecutivo de área plantada. Muitas lavouras em áreas
novas. Isso diminuiu drasticamente nesta safra", afirma. Ele estima
que a redução é até maior do que os 5% calculados pelo governo,
chegando a 1,5 milhão de hectares, distribuídos de forma mais ou menos
homogênea por todos os estados produtores.
No lugar da soja, entram outros cultivos, como milho e algodão, ou
pastagens. Em algumas terras não se planta nada. O que não significa
deixar a floresta retomar seu lugar. Entre os agricultores há o temor
dos prejuízos causados pelo clima e também pela valorização do real,
desfavorável às exportações. E quem perdeu muito dinheiro na última
safra não tem condições de investir pesado nesta. São as mudanças
sazonais nas apostas dos agricultores, regidas também pelos humores do
mercado.
Nova fronteira – As lavouras encolhem de um lado e espicham de
outro. A nova fronteira agrícola, capitaneada pela soja, devora o
Cerrado da região Nordeste. O mapa da soja hoje está desenhado no
extremo sul do Maranhão (do município de Balsas para baixo),
centro-leste de Tocantins (ao redor de Pedro Afonso) e no eixo Bom
Jesus-Uruçui, no sudoeste do Piauí. Flávio de França diz que a soja
está plantada em 950 mil hectares nos três estados. Já são mais de 4%
da área total das lavouras do grão no país. A nova fronteira teve
forte expansão a partir de 1999/2000, quando tinha 270 mil hectares.
Em dois anos, passou para 430 mil hectares.
A expansão da soja continua intimamente ligada ao desmatamento. "São
abandonadas áreas de um lado e se avança de outro, destruindo regiões
onde as terras são mais baratas", afirma Maurício Galinkin,
coordenador da Articulação Soja-Brasil, uma rede com mais de 500 ONGs
que inclui o Greenpeace e pretende ganhar força com campanhas de
alerta aos consumidores. Os ambientalistas pretendem influenciar
inclusive a decisão de grandes compradores de soja no exterior. Querem
ter poder de barganha para negociar com agricultores a adoção de
critérios que garantam um menor impacto ambiental dos cultivos.
Diversas iniciativas serão deslanchadas a partir dos encontros
internacionais marcados para março, em Curitiba: a 8ª Conferência das
Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-8) e a 3ª Reunião
das Partes do Protocolo de Cartagena (MOP-3). Os ambientalistas
guardam segredo sobre os detalhes, mas já se sabe que o Greenpeace
prepara, para os eventos, uma campanha contra o desmatamento. O
objetivo é mostrar ao mundo que a produção agrícola também é uma ameaça
à Amazônia. A ong defende a criação de áreas de proteção ambiental
para conter a pressão das lavouras.
"Não nos posicionamos contra a soja, que é um bom produto. Mas os
problemas surgem com o imenso desmatamento do Cerrado e da Amazônia",
diz Galinkin. Ele acrescenta que as grandes lavouras de soja
desequilibram os ecossistemas, provocando o aparecimento de pragas,
erosão, assoreamento dos rios e poluição das águas por agrotóxicos,
que atingem quem mora na vizinhança.
Os ambientalistas não pedem muito. "Queremos que se cumpram as leis",
resume Galinkin. Ou seja, que se respeite a reserva obrigatória de
floresta em cada propriedade e as áreas de preservação permanente
(APPs), como margens de rios.
No Maranhão, o Ibama expediu 34 autos de infração contra sojicultores
nos últimos seis meses. Algumas multas ultrapassaram R$ 1 milhão. Além
do extremo sul, também se destacam regiões ao leste do estado onde os
agricultores arrastam correntes com tratores e colocam o Cerrado
abaixo. O ritmo do desmatamento no Baixo Parnaíba aumentou com a
chegada da soja. Nos últimos cinco anos, foram derrubados mais de 20
mil hectares só nos municípios de Chapadinha, Anapurus e Brejo -
região a 250 quilômetros do porto de Itaqui.
Mesmo árvores imunes ao corte por determinação legal, como os
pequizeiros e bacurizeiros, são arrancadas com raiz e tudo.
Sem limite – Jorge Rodrigues, presidente da Comissão de Grãos
da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), tem uma
explicação para o novo rumo que aponta a bússola dos agricultores.
"Nos estados do Nordeste, a soja às vezes alcança preço em torno de 8%
a 10% superior ao do Sul por causa da proximidade dos portos".
Segundo ele, o porto de São Luiz vem se destacando nas exportações. E
já compete com os de Paranaguá (PR) e Rio Grande (RS). "O caminho se
encurta significativamente", exclama. Rodrigues é pecuarista em Mato
Grosso e já teve lavouras de grãos no estado.
"A soja alavancou a agricultura brasileira e valorizou os solos do Rio
Grande do Sul. As terras gaúchas pobres em nutrientes se tornaram
férteis com as novas tecnologias e quadruplicaram o valor", defende.
Ele lembra que o mesmo aconteceu no Mato Grosso do Sul, primeiro estado
a adotar cultivo de soja depois da região Sul. "Nos anos 80, com 1
hectare no Rio Grande do Sul se comprava de 8 a 10 lá. Hoje, em
municípios como Chapada do Sul e Dourados, o valor às vezes supera o
das nossas terras".
E se alguém pensa que a última fronteira está perto, ele contesta:
"Respeitados os limites ambientais, não abrimos nem um terço das áreas
agricultáveis do país". (Cristina Ávila, O Eco, 11/02/06)