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2006-02-16
Você já parou pra pensar que para assar uma pizza em forno a lenha, é preciso lenha? E que lenha é madeira e madeira vem de árvore derrubada? Agora multiplique esta imagem pelas cerca de 10 mil pizzarias que funcionam em São Paulo e pense no que restou de Mata Atlântica no país.

Não, não precisa ficar culpado nem abrir mão deste prazer gastronômico. Para impedir que pizzarias, padarias, olarias, cerâmicas e outros negócios que dependem de lenha e carvão destruam de vez nossas florestas, a lei tem uma determinação simples e direta. Para cada árvore retirada, plante-se outra.

O princípio tem o nome oficial de “reposição florestal”. Transformar a lei em prática é que são elas. Agora sim, pode ficar preocupado.

Modelo paulista - Terra das pizzas, São Paulo pode se orgulhar de ser o estado que melhor cumpre esta obrigação do Código Florestal. Ou, melhor: o único que cumpre. E a reposição florestal por lá só começou a dar certo quando — adivinhe — a sociedade civil criou seus próprios mecanismos e substituiu o poder público na tarefa.

Até 1987, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), antecessor do Ibama, era responsável por repor as árvores extraídas para o consumo em São Paulo. Comerciantes e pequenos empresários que utilizam madeira como fonte de energia pagavam uma taxa para o órgão, que se comprometia a investi-la no plantio das espécies. “Mas eles nunca plantaram uma árvore neste país. O dinheiro era utilizado para outros fins”, diz José Catarino, presidente da Federação das Associações de Recuperação Florestal de São Paulo (Faresp).

As associações surgiram justamente para contrapor-se à ineficácia do estado em desempenhar o papel. “Elas recolhem uma quantia anual dos consumidores de madeira, produzem as mudas e as doam para pequenos e médios produtores rurais da região plantarem”, explica Catarino.

A prática garante aos consumidores a oferta de matéria-prima a uma distância viável. A madeira torna-se mais acessível e mais barata. Os agricultores que recebem as mudas, por sua vez, passam a dar valor à floresta de sua propriedade. À medida que as árvores atingem o ponto de corte, comercializam a madeira, enquanto plantam novas mudas.

A idéia parece perfeita. E seria, se o poder público se desse ao trabalho de, pelo menos, fiscalizar essas ações. A falta de controle leva os consumidores a declarar muito menos madeira do que utilizam de fato. “Nem 8% do que é consumido em São Paulo é pago. Como a declaração é espontânea, muitos nem a fazem”, comenta Catarino.

Floresta poupada – Outro que acompanha de perto o trabalho das associções de reposição florestal é Mário Mantovani. Antes de dirigir a maior ong ambientalista do país — a S.O.S. Mata Atlântica — ele criou em 1986 a Flora Tietê, primeira associação de São Paulo, inspirada em uma experiência catarinense. De lá para cá, outras 16 associações foram criadas e funcionam no estado. Mantovani é um entusiasta da idéia. “O modelo é um sucesso sob vários pontos de vista. Desde o ambiental até o social, porque ajuda os agricultores”.

Ele acredita que a subdeclaração de consumo é limitada pela existência de um padrão médio. Uma pizzaria não poderia declarar consumo cinco vezes menor que outra do mesmo porte, por exemplo. Mantovani não descarta a existência de irregularidades, mas garante que, graças ao trabalho das associações, a Mata Atlântica de São Paulo já não diminui mais. Parece exagero, mas em recente entrevista a O Eco o secretário de Meio Ambiente José Goldenberg também afirmou que o desmatamento no estado estancou. Mais: que a área florestada cresceu.

A descentralização da operação é saudada por João Carlos Nagamura, secretário-executivo da Ecoar Florestal, como seu grande mérito. “O sistema oxigena e pulveriza o mercado. Como trabalhamos com pequenos agricultores e consumidores, a movimentação de dinheiro neste círculo é maior”. Sua associação replanta aproximadamente 800 mil árvores por ano e atende a 800 estabelecimentos que utilizam madeira.

Cada instalação deve pagar às associações de reposição florestal 75 centavos por metro cúbico de lenha utilizada. Um metro cúbico de madeira é o equivalente a cinco árvores, o que significa que cada árvore replantada sai por 15 centavos. Quase nada, se compararmos ao valor pelo qual é vendida. “Hoje, 1 m³ de madeira custa, para o consumidor, em torno de 50 reais. Metade disso é lucro para os agricultores. O restante fica para cobrir as despesas das associações”, comenta o presidente da Faresp. “Hoje em dia, quem planta eucalipto ganha mais do que com soja ou milho”, reforça Mário Mantovani.

Cadastro falho – Ao poder público caberia cuidar do cadastro das empresas e das informações sobre reposição. Segundo o Departamento de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN), da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, existem no estado cerca de 300 mil pequenos consumidores de madeira. Estabelecimentos que vendem carvão, como supermercados e açougues, não entram na soma, pois são contabilizados apenas os que processam a árvore.

Mas, sob o pretexto de ainda não existir uma lei regulamentada para o setor, o coordenador de Reposição Florestal, Ricardo D Ercole, titubeia: “Os dados não são 100% confiáveis. Elaboramos um software nos moldes do utilizado pela Secretaria de Fazenda para a arrecadação de impostos, que vai nos ajudar a cruzar as informações sobre o replantio. Enquanto o decreto não sai, ficamos de mãos atadas”.

Ele se refere à regulamentação de uma lei estadual aprovada em 2001 para otimizar as ações de reflorestamento. A legislação está na Consultoria Jurídica do Palácio dos Bandeirantes, ou seja, na reta final para entrar em vigor.

Se depender das expectativas do DEPRN, a reposição florestal tende a melhorar muito com a implementação da lei. De acordo com o coordenador Ricardo D’Ercole, 15% do que é declarado pelos consumidores serão destinados à fiscalização. O presidente da Faresp não parece estar tão certo disso. “Entre 2002 e 2004, já pagávamos essa porcentagem para um fundo que não existia. O dinheiro nunca foi repassado para a polícia ambiental. Até hoje a secretaria não nos prestou contas”, desabafa José Catarino.

No Rio, estaca zero – Capenga ou não, o sistema de São Paulo é um oásis no deserto da reposição florestal no Brasil. No final de janeiro, ambientalistas do Rio de Janeiro reuniram-se com o gerente-executivo do Ibama no estado, Rogério Rocco, para discutir a criação da primeira associação fluminense e o papel do órgão federal no tema. “Encontrei esta discussão bastante esvaziada no âmbito do Ibama”, reconheceu Rocco, que assumiu o cargo há três meses. Esvaziada significa o seguinte: “O Ibama do Rio de Janeiro não trabalha e aparentemente não tem proposta para trabalhar uma política de reposição florestal”, confessou. Rocco prometeu mudar o quadro e designou um responsável para criar um Grupo de Trabalho oficial sobre o assunto.

Na Assembléia Legislativa, tramita desde 2002 um projeto de lei regulamentando a reposição florestal no Rio de Janeiro. Apresentado pelo deputado André Corrêa (PSB), foi na verdade concebido pelo jornalista Vilmar Berna, editor do Jornal do Meio Ambiente e responsável por convocar a reunião entre ambientalistas e Ibama. O projeto já passou pela Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) e agora só falta ir a plenário. O que, segundo Berna, só acontece se a sociedade pressionar. “Todo mundo acha muito bonito falar em reflorestamento, mas na hora de agir não faz nada. Se a sociedade é amorfa e desinteressada, por que a Assembléia não seria?”, questiona. Exemplo prático foi o saldo da reunião que organizou. Muito discurso bem-intencionado e muita disposição de fazer nascer logo uma associação, mas Vilmar Berna criou um fórum na Internet para tratar de estatuto e outras medidas práticas, e... até agora ninguém se mexeu.

No setor de Cadastro do Ibama do Rio, perguntas simples como “Quantos empreendimentos usam madeira no estado?” não obtêm respostas. Pizzarias, casas de farinha, fábricas de tijolos e churrascarias com forno a lenha seguem consumindo madeira sem prestar contas. Afinal, prestar contas a quem?

Enquanto isso, nas terras degradadas pelo histórico de café e pecuária que quase acabou com a Mata Atlântica no Rio de Janeiro, projetos de reflorestamento com eucalipto esbarram em inexplicáveis exigências da Feema (Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente). Como a que impõe custosos “Estudos de Impacto Ambiental” até para o plantio em um pasto abandonado há décadas.

Não demora, as associações paulistas estarão exportando madeira para alimentar o consumo do desértico estado vizinho.
(Aline Ribeiro e Lorenzo Aldé, O Eco, 11/02/06)

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