Saneamento no litoral paranaense desencadeia guerra entre governador e jornal
2006-02-16
“O PMDB Adverte: Gazeta do Povo Mente”. Era um sábado, dia 4 de
fevereiro, quando Curitiba e algumas cidades litorâneas do Paraná
amanheceram com a novidade de 30 outdoors em que o partido do
governador Roberto Requião espinafrava um dos principais veículos de
comunicação locais.
Mais, os outdoors não diziam. Mas o motivo da ira do governador era
sabido. A Gazeta do Povo havia publicado com grande destaque
reportagem, em sua série especial de Verão, trazendo um índice
surpreendente e assustador: 81% das praias paranaenses que tiveram
suas condições avaliadas demonstraram-se impróprias para banho. O que
colocaria o litoral do estado entre os mais imundos do país, e
certamente o pior da região Sul. Para o turismo, a repercussão não
poderia ser mais negativa. Nem para o governo, acusado de “descaso”.
Publicada na segunda-feira, 30 de janeiro, a reportagem estava em cima
da mesa de Roberto Requião no dia seguinte, quando, como faz todas as
terças, reuniu em seu gabinete o secretariado, em encontro documentado
por jornais e TVs. Irritadíssimo, Requião desfiou dados e projetos do
governo para contestar o jornal. Falou da “operação verão” nas praias,
que inclui segurança pública, serviços de saúde, lanchas extras de
resgate, ações do bombeiros. Mas terminou sem mencionar a questão
essencial: saneamento básico.
O sábado chegou, com ele os outdoors, e a briga entre Requião e o
jornal tornou-se o assunto público da hora. Provável candidato à
reeleição, o governador viu seu destempero transformado em alvo
preferencial de adversários de tudo que é linha política. O Sindicato
dos Jornalistas considerou a agressão “lamentável”, a Gazeta do Povo
anunciou que pretende processar o governador, e a intrigalhada política
misturada à discussão sobre autoritarismo e liberdade de imprensa
atropelaram o que um dia foi uma intrigante questão ambiental. Afinal,
as praias do Paraná estão mesmo tão sujas assim?
Dados de governo – O mais curioso é que as informações nas
quais a Gazeta do Povo se baseou para tirar o governador do sério são
oficiais, produzidas pelo próprio governo. A avaliação de
balneabilidade das praias cabe ao Instituto Ambiental do Paraná (IAP),
órgão vinculado à Secretaria de Meio Ambiente. Tudo o que o jornal fez
foi tomar a proporção de pontos impróprios em relação ao total e
compará-la aos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e
Rio Grande do Sul. Com 81% de pontos impróprios para banho, o Paraná
de fato perde.
“A reportagem é sóbria”, reconhece o secretário de Meio Ambiente do
Paraná, Luiz Eduardo Cheida. O que irritou o governador, segundo ele,
foi a manchete bombástica, “como se o litoral do Paraná fosse o pior
do sul do Brasil”. Cheida garante que não é. O secretário argumenta
que o resultado indica, na verdade, a eficiência da mensuração.
“Paradoxalmente, é o litoral mais seguro: onde tem bandeira azul, está
liberado, pode tomar banho”. Ele explica que o Paraná avalia a
balneabilidade de suas águas duas vezes por semana, em 50 pontos onde
a contaminação por esgoto é mais provável, como em desembocaduras de
rios e canais. Santa Catarina só faz esse levantamento duas vezes ao
mês, e o Rio Grande do Sul, uma vez por mês. “Nunca se pesquisou tanto,
e fazemos divulgação maciça da informação, no site, em barracas nas
praias, colocamos fiscais”.
O “descaso” do governo também seria uma provocação gratuita do jornal.
Cheida informa que estão sendo construídos 240km de redes de esgoto e
oito estações de tratamento ao longo do litoral. Na semana retrasada,
foi inaugurada a primeira delas, em Guaratuba, que terá 48% de sua
água tratada. Parece pouco, e é. Mas em regiões conhecidas pela
exuberância da natureza, como a baía de Guaraqueçaba, a situação é
ainda mais calamitosa. Lá, o saneamento é simplesmente zero. Com a
nova estação de tratamento, a ser inaugurada dentro de três meses, vai
para 98%, promete Cheida. “Em Antonina, os três pontos pesquisados são
insidiosamente impróprios para banho, não conseguimos zerar isso”,
reconhece ainda o secretário, adicionando outra ameaça às águas: a
existência de lixões, cujos resíduos infiltram no lençol freático e
chegam ao mar. Ou seja, a situação é mesmo preocupante, ou, em suas
palavras, “sofrível”. “Mas nunca se investiu tanto”, reforça, inclusive
em aterros sanitários.
E volta a bater na tecla da eficiência da medição. A notificação de
dados de mortalidade infantil melhorou tanto que o índice no Paraná
está hoje entre os maiores do país. O que obviamente isso não
corresponde à realidade socioeconômica do estado, apenas revela uma
coleta mais apurada.
O diretor de Jornalismo da Gazeta do Povo, Nelson Souza Filho, explica
que o jornal está cobrindo a temporada de verão, e um dos focos é o
acompanhamento dos boletins de balneabilidade, que se mostraram
preocupantes. “A temporada de janeiro foi muito benéfica, com sol e
calor, e talvez o aumento da presença de veranistas tenha piorado a
situação”, pondera. “O que detonou a situação foi mesmo a manchete
sobre o descaso do governo”, reconhece, ressalvando que o jornal
também vem noticiando os investimentos feitos.
Em resumo: o litoral do Paraná não é um horror, mas o saneamento
precisa melhorar. O resto é política.
(Lorenzo Aldé, O Eco,
11/02/06)