Óleo de fritura poderia virar a gasolina do futuro
2006-02-15
Em busca de novos combustíveis, um número cada vez maior de americanos "enche o tanque" com gordura usada que pode ser encontrada nos fundos das cozinhas dos fast-foods, para fabricarem então bio-diesel, pouco poluente e barato.
É amarelo, bastante viscoso, e ninguém consegue chegar a um acordo para definir seu cheiro. "Alguns acham que isso tem cheiro de batatas fritas. Outros, de pipoca", diz Peter Bell, que o fabrica em Austin (Texas). "Isso cheira a vinagrete para a salada", corrige Dan Goodman, que possui um frasco do produto na mesa do seu escritório, na Universidade do Maryland.
O líquido em questão, o bio-diesel, é um bio-combustível de origem vegetal, um desses novos combustíveis com os quais os Estados Unidos contam para reduzir um dia sua dependência energética em relação ao Oriente Médio. Inexistente dez anos atrás, ele acaba de aparecer nas estatísticas do ministério da energia. A sua denominação: "gordura amarela". É óleo de cozinha, que é colocado dentro do motor.
O fenômeno adquiriu certa força no período de poucos anos. Em toda a América, diversos indivíduos empreenderam coletar gordura de batatas fritas junto a restaurantes e a fast-foods para transformá-la em bio-combustível. Para o diário "Star Tribune", de Minneapolis, esses novos "comerciantes de bricabraque" participam de uma "sub-cultura em expansão". Eles conseguem andar 1.000 quilômetros com um motor que não gera praticamente nenhuma poluição. E com um só tanque cheio de uma gordura que nada lhes custou.
A jazida de matéria-prima não é desprezível: 300 milhões de galões de óleos utilizados são produzidos a cada ano nas cozinhas americanas, ou seja, mais de 1 bilhão de litros (1 galão vale 3,79 litros). "Está havendo um fenômeno de moda", explica Josh Tickell, um dos pioneiros da disciplina. "As pessoas estão com vontade de fabricar bio-diesel. E a sua produção por meio de óleo de cozinha é um método acessível a todo mundo".
Basta misturar o óleo usado com álcool (metanol). Por meio de um kit de conversão, vendido na Internet, é possível garantir que o combustível não se torne espesso quando faz frio. Ainda assim, existe uma dificuldade: é preciso possuir um veículo a diesel, e, a este título, apenas 5% do parque automobilístico americano correspondem a esta característica.
Josh Tickell é o autor do livro intitulado "From The Frayer to The Fuel Tank" ("Da Frigideira ao Tanque de Diesel"). Ele circulou por todo o país durante dois anos com uma van "veggie", um mini-ônibus pintado de flores de girassol e alimentado exclusivamente com o óleo dos restaurantes cruzados no caminho. Em 6 de fevereiro, ele lançou seu segundo livro, "Biodiesel América", no mesmo dia em que foi aberta a Conferência Nacional sobre o Bio-diesel em San Diego (Califórnia), que atraiu 2.000 participantes, ou seja, duas vezes mais que em 2005.
"As pessoas estão despertando para a realidade. O país não poderá continuar importando combustíveis por muito tempo da Arábia Saudita", diz. "Assim como os franceses puderam perceber, os Estados Unidos tomam de vez em quando decisões perigosas, por causa das suas necessidades em petróleo".
A administração Bush deu um sério incentivo para a produção do bio-diesel no seu plano "Energia" de 2004, por meio de um sistema de crédito de impostos: de US$ 0,50 a US$ 1 por cada galão de bio-diesel misturado ao diesel clássico (ou petro-diesel). Esta vantagem fiscal permitiu triplicar a produção: 14 milhões de galões em 2003, 30 milhões em 2004 e cerca de 75 milhões em 2005. Atualmente, a maior parte do bio-diesel é feita a partir de soja, mais utilizada do que o óleo de cozinha. Mas ainda estamos longe da conta. "Mesmo se nós explorássemos todas as jazidas de gordura para batatas fritas", diz Josh Tickell, "nós conseguiríamos atender a 5% apenas das necessidades em diesel".
Dito isso, com o aumento do preço dos combustíveis, o bio-diesel tornou-se competitivo. Ele conquistou o US Postal Service (os correios), o exército, a marinha --os quais decidiram que todos os veículos que não são destinados ao combate utilizariam o bio-diesel--, e os ônibus amarelos de uma centena de distritos escolares. 600 bombas de bio-diesel já existem em todo o país. Enquanto existem atualmente menos de 20 produtores (para 84 de etanol), 12 novas instalações estão em fase de construção.
Em 2004, Willie Nelson, uma lenda da música country, resolveu investir neste mercado. Ele criou sua marca de combustível, o "Bio-Willie". O cantor e guitarrista, que divide seu tempo entre Austin e o Havaí, comprou uma Mercedes diesel, e, desde então, o cheiro de batatas fritas, "ou de doughnuts [rosquinhas de massa frita em banha de porco]", conforme brinca o seu empresário, o acompanha nas suas turnês.
O "Bio-Willie" é uma mistura de 80% de petro-diesel com 20% de bio-diesel fabricado a partir de óleo de soja. Em agosto de 2005, ele passou a ser comercializado no posto de gasolina fetiche dos caminhoneiros do Texas, o Carl s Corner, ao sul de Dallas, onde Willie Nelson costuma se apresentar com freqüência. Hoje, este posto abastece de 30 a 40 caminhões por dia.
Com o petróleo a cerca de US$ 70 o barril, o preço é o mesmo que o do diesel ordinário, sublinha Peter Bell, o responsável pela distribuição. "Nós estamos registrando um crescimento de 35% por mês", afirma. Segundo ele, os consumidores compram "bio" por diversas razões: "Alguns querem apoiar os fazendeiros americanos, enquanto outros não querem mais ouvir falar na Arábia Saudita".
O bio-diesel não atrai o interesse apenas dos sonhadores e dos ecologistas. Dan Goodman, um especialista em criação de empresa, na universidade do Maryland, está montando a sua própria "refinaria" de bio-diesel. No início, ele estava preocupado, sobretudo, com o papel exercido pelos ônibus escolares, muito poluentes, no desenvolvimento da asma entre as crianças. Ele começou a coletar óleos usados e agora fornece os cinco ônibus da escola do seu bairro.
Uma vez por semana, ele envia Matt Geiger, um apaixonado por mecânica, para fazer a turnê de coleta dos óleos nos restaurantes de College Park, no Maryland. Munido de um pequeno reboque sobre o qual ele montou uma bomba, Matt estaciona nos fundos das cozinhas e, sem um momento de hesitação sequer, começa a esvaziar o reservatório de gordura. O líquido é amarelado, espesso. De vez em quando, ele encontra um pedaço de carcaça mergulhado dentro dele. O mecânico bombeia um tonel de 55 galões em trinta segundos.
Durante a sua turnê, ele não deixa de visitar o setor de lanchonetes da universidade - três fast-foods de uma só vez! -, e ele passa então pelo Sakura, o restaurante japonês, e o California Tortilla, de comida mexicana. Em geral, ele recolhe 300 galões por semana. Antes disso, os restaurantes eram obrigados a pagar para empresas retirarem suas gorduras usadas. Hoje, até que eles estão satisfeitos por ver alguém livrá-los desses restos gratuitamente.
Matt Geiger se descreve como um "petroleiro de um tipo um pouco diferente". Ele sempre esteve interessado nas experiências de Rudolf Diesel, o inventor alemão que colocou óleo de amendoim no seu motor. Ele acredita numa nova revolução energética: "Em 1859, a indústria de óleo de baleia foi literalmente abandonada quando se descobriu petróleo em Pensilvânia. É exatamente o que vai acontecer em breve com os combustíveis clássicos. O petróleo vai se tornar totalmente ultrapassado".
(Le Monde, 13/02/06)