Pelotas: mexilhão pode impedir obras do Sanep
2006-02-15
O trabalho da Divisão de Assessoramento Técnico do Ministério Público (MP) confirmou a recomendação feita em 29 de dezembro: o Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas (Sanep) não deve realizar a transposição de água do arroio Pelotas à barragem Santa Bárbara sem licença ou autorização da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).
O laudo encaminhado ontem à tarde à direção da autarquia comprova a presença do mexilhão dourado no arroio e serve de alerta ao Sanep, que se fizer a obra sem o aval da Fepam - como ocorreu em agosto de 2005 - incidirá em crime ambiental e estará sujeito às conseqüências legais.
O promotor de Justiça, Paulo Charqueiro, garante que o Ministério Público é sensível às argumentações de que o abastecimento de água à população não pode ficar comprometido, mas impossível desconsiderar o laudo e ainda permitir o desrespeito à legislação, explica. “O administrador público deve ser o primeiro a dar o exemplo”, enfatiza.
Se a transposição for imprescindível - na ótica do Sanep - a direção deve solicitar encontro com representantes da Fepam e do MP para apresentar seus dados, sugere Charqueiro. “Os órgãos ambientais precisam ser no mínimo comunicados para que acompanhem o trabalho.” E se considerar necessário, o Ministério Público pode entrar em ação de duas formas. Na área civil é possível impedir o prosseguimento da obra e a avaliação de eventuais danos ambientais. Na área criminal tanto quem ordenou, quanto quem executa o trabalho podem ser responsabilizados.
“As orações vão ter que se ampliar.” Essa foi uma das declarações do diretor-presidente do Sanep, Gilberto Cunha, num misto de irritação e ironia que o dividia ontem à tarde, após receber o documento encaminhado pelo MP. “Esse laudo me isenta da responsabilidade”, resume. “Quando faltar água, vou mandar as pessoas procurarem o Ministério Público, que com certeza terá uma solução”, reitera.
O nível da barragem Santa Bárbara mantém a queda diária de dois centímetros e ontem já atingia o 1,86 metro negativo. A idéia dos técnicos do Sanep era de dar início à transposição tão logo a marca chegasse aos dois metros abaixo do vertedouro. Com o laudo entregue à autarquia, a equipe precisará se reunir novamente, já que a análise obtida pelo Sanep em agosto do ano passado - numa parceria com as universidades Católica e Federal de Pelotas - não apontara a presença do mexilhão dourado.
Gilberto Cunha admitiu ter realizado a obra sem autorização da Fepam, mas garantiu que a decisão ocorreu em defesa da população. O diretor-presidente fez questão de também enfatizar que há cerca de seis meses aguarda retorno do órgão para liberação solicitada - com atraso - em setembro. “Será que precisaria encaminhar novo pedido para fazer a mesma obra, se até hoje não tive resposta?”, reclama.
A direção da autarquia não descarta levar a discussão à Justiça. A barragem Santa Bárbara abastece mais de 200 mil moradores e a transposição do arroio Pelotas em breve evitaria o agravamento do quadro, argumenta Cunha. Em 2005, na época da adução, o reservatório passava dos 3,15 metros negativos, mas os resultados coincidiram com as chuvas. Por isso é difícil precisar o quanto a transposição ajudou - sozinha - na recuperação do nível.
Agora, se a Santa Bárbara mantiver o declínio, enquanto ambientalistas e autoridades debatem a viabilidade da obra, um racionamento entrará nos planos quando a marca da barragem beirar os três metros negativos. A transposição do arroio Pelotas seria a única alternativa técnica viável economicamente no momento. Como o trabalho já foi realizado e parte da estrutura será aproveitada, estima-se o gasto de aproximadamente R$ 8 mil. Para transpor água do canal São Gonçalo - o investimento ideal - acima da Barragem Eclusa, os valores ultrapassam os R$ 30 milhões.
Segundo o artigo 60 da Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), é crime
"construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes", sendo a pena a detenção de um a seis meses ou multa ou ambas as penas cumulativamente.
(Michele Ferreira/Diário Popular, 15/02/06)