MP carioca pede demolição de 12 mansões
2006-02-15
O empresário e piloto de stock car Alexandre Negrão, dono de uma casa de praia com 2,5 mil metros quadrados de área construída, não está sozinho no Saco do Mamanguá, em Paraty, litoral sul do Rio. O Ministério Público do Estado pediu à Justiça a demolição de mais 11 mansões, além da sua, e prepara ação civil pública com o mesmo fim contra os donos de outras cinco erguidas nas praias do único fiorde tropical brasileiro, protegido pela Área de Proteção Ambiental (APA) do Cairuçu, desde 1983, e pela Reserva Ecológica da Juatinga, desde 1992. Todos os proprietários são de São Paulo.
"Quem não recebeu a intimação receberá nos próximos dias", afirmou a promotora de Justiça Patrícia Gabai Venancio. O título das ações deixa claro seu objetivo: "reprimir os danos ambientais perpetrados no Saco do Mamanguá". Além da demolição, a promotora pede a recuperação ambiental.
Na semana passada, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) fez uma operação em Paraty e Angra dos Reis, região com a maior cobertura de mata atlântica do Rio, para coibir crimes ambientais, com ajuda das Forças Armadas e das Polícias Federal e Militar. A casa de Negrão foi um dos alvos. A operação, encerrada ontem, custou R$ 100 mil.
ACADEMIA DE GINÁSTICA
Só se chega às casas de barco ou helicóptero. "A praia é o refúgio do pescador, mas no Mamanguá algumas têm cerca, cachorro e vigia armado. Se entrar, eles atiram. Aqui, quem pode mais chora menos", disse o pescador Delso da Cruz. Nos últimos dez anos, cerca de mil construções irregulares foram autuadas pelo Ibama na região. Mas o próprio instituto também deu vários pareceres favoráveis à irregularidade.
O Estado teve acesso a um desses documentos, no qual o Ibama autoriza a construção da casa de um cirurgião plástico "considerando que não há no local cobertura de mata atlântica", apesar de se tratar de uma reserva justamente de mata atlântica. O mesmo empreendimento recebeu dois alvarás da prefeitura e autorização do Instituto Estadual de Florestas (IEF), todos contrariando a legislação ambiental.
Há três meses no cargo, o gerente-executivo do Ibama no Rio, Rogério Rocco, anulou documento interno de 2004 que cancelara autos de infração e multas no valor de R$ 800 mil aplicadas contra Negrão, em troca do plantio de 1.500 mudas. Sobre a possibilidade de corrupção, ele disse que está apurando a "motivação" de quem assinou o ato administrativo. "Meu perfil de trabalho é diferente do de gestões anteriores", disse Rocco.
As multas revalidadas e com valores atualizados somam R$ 1,3 milhão. O Ibama acaba de determinar a demolição da casa, que tem seis bangalôs, heliponto, academia de ginástica e uma piscina montada na areia sobre um rio cujo curso foi desviado.
Para o secretário de Meio Ambiente de Paraty, Marco Antônio de Paula Silva, a cidade não estava preparada para o "progresso" que chegou com a abertura da estrada Rio-Santos, no fim dos anos 70. "Primeiro o centro histórico foi afetado; depois, viram que o nosso litoral é melhor ainda."
"Hotéis, pousadas, restaurantes, barcos grandes de passeio, todos são de empresários paulistas. Boa parte do turismo não contribui para a renda per capita do município. O dinheiro vem de São Paulo e volta para lá. Isso gera pobreza", diz.
O orçamento municipal em 2005 foi de R$ 26 milhões. A cidade tem 29 mil habitantes, segundo o último censo, mas a prefeitura acredita em 40 mil. "Segurar a natureza com pobreza é o mesmo que segurar margarina com a mão, escorrega pelos dedos", diz o secretário.
Além das mansões, também há várias invasões por moradores de baixa renda. Na Prainha de Mambucaba, são mais de 80 casas pequenas que o Ibama quer demolir. Como diz Rocco, a "degradação é democrática". A promotora Patrícia afirmou que vai intimar distribuidoras que fornecem energia em áreas de preservação ambiental. "São co-responsáveis. Vou instaurar inquérito", afirmou. Ela entrará também com ação por improbidade administrativa contra funcionários que assinaram laudos contrários à lei.
Das mil construções irregulares autuadas nos últimos dez anos, nenhuma foi abaixo. A decisão é da Justiça. "O caso Alexandre Negrão é emblemático na região", declarou o procurador federal André Dias.
(O Estado de S. Paulo, 13/02/06)