Morte de Dorothy tem mais envolvidos, diz bispo Jefferson
2006-02-14
O bispo da prelazia do Xingu, d. Erwin Krautler, 66, afirmou ontem que há mais envolvidos na morte da missionária Dorothy Stang e pediu que não cessem as investigações. A afirmação foi feita durante a homilia da missa que lembrou um ano da morte da freira, na Igreja Santa Luzia, em Anapu, no oeste do Pará.
Para ele, as investigações não abrangeram todos os envolvidos. O bispo lembrou do consórcio apurado pela Polícia Federal e das pessoas que declararam a freira, morta aos 73 anos, como pessoa não grata na cidade.
"Há gente que queimou fogos quando soube da morte da irmã. Tem outras pessoas envolvidas no consórcio. Não dá para encerrar as investigações. Não sou movido por vingança, mas há pessoas ameaçadas", disse d. Erwin, que figura em listas de ONGs como pessoa ameaçada de morte. O bispo pediu também que as investigações sejam federalizadas.
A missa reuniu 300 pessoas. Não houve presença de autoridades estaduais. No ato público, o secretário especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, 55, não descartou a federalização do crime. Uma semana após a morte, em fevereiro passado, a Procuradoria pediu a federalização, mas o pedido foi negado pelo STJ. "Esperava encontrar aqui as autoridades estaduais. Se não apareceram, aproveito a primeira visita a Belém para falar com o governador [Simão Jatene, PSDB-PA] sobre isso [empenho das investigações]", disse Vannuchi.
No dia 10 de dezembro, os pistoleiros Rayfran das Neves Sales e Clodoaldo Carlos Batista foram condenados por crime duplamente qualificado a 27 anos e 17 anos de prisão, respectivamente. Amair Feijoli da Cunha, acusado de ser o intermediário, Vitalmiro Bastos de Moura e Regivaldo Galvão, acusados de serem os mandantes do crime, estão presos e aguardam julgamento.
Os amigos de Dorothy também realizaram uma passeata pelas ruas de Anapu, que reuniu 1.000 pessoas e foi apoiada pela Comissão Pastoral da Terra e pelas ONGs Greenpeace, Justiça Global e Terra de Direitos. Em Belém, cerca de 2.500 pessoas fizeram pela manhã uma passeata no centro da cidade. À noite, o arcebispo metropolitano de Belém, d. João Orani Tempesta, rezaria missa. Anteontem, o Greenpeace cravou 820 cruzes de madeira em local próximo ao túmulo de Dorothy, simbolizando mortos e ameaçados por conflitos agrários nos últimos 30 anos no Pará.
Ex-seguidor de missionária agora trabalha com dono de madeireira
Ex-sindicalista de trabalhadores rurais e ex-vice-prefeito de Anapu, Francisco de Assis dos Santos Souza, 37, o Chiquinho do PT, tachou de "santificação forçada" as homenagens prestadas ontem à missionária Dorothy Stang.
Tido como uma das "crias" da missionária no movimento dos sem-terra, Chiquinho era alvo constante de ameaças de morte por denunciar a extração ilegal de madeira. Junto com a freira, tinha acesso aos ministérios de Brasília.
Na época do assassinato, chegou a ter seu nome citado pelo pistoleiro Clodoaldo Carlos Batista, o Eduardo, com um dos envolvidos no crime, mas foi defendido pelos amigos de Dorothy.
Seu afastamento do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu aconteceu em setembro passado. Na época a Polícia Civil do Pará e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) o apontaram como beneficiado, enquanto candidato a prefeito pelo PT, no suposto esquema de corrupção, em 2004, envolvendo liberação ilegal de madeira.
Chiquinho é hoje assessor do fazendeiro Délio Fernandes, que também chegou a ser citado no crime da missionária, como um dos participantes de um consórcio. Segundo ele, trabalhar com o madeireiro foi sua única opção.
"Muita gente acha que você sentar com madeireiro e discutir é estar se corrompendo." Segundo ele, com o madeireiro, ganha uma diária de R$ 60 para acompanhar processos da empresa no Ibama.
A freira Jane Dwyer lembrou quando o pistoleiro Clodoaldo Carlos Batista citou Chiquinho no crime. "Eu e ele [Chiquinho] choramos juntos naquela ocasião. Divergência não é desgostar, nunca deixamos Dorothy só, mas andar juntos é unir-se ao movimento social e ter humildade. Chiquinho perdeu a identidade."
(Folha de S.Paulo, 13/02/2006)