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2006-02-14
A erradicação do fumo é um problema de saúde pública que, pelo menos politicamente, se encaminha para uma solução mediante um tratado internacional, denominado Convenção Quadro, que desde 1999 reúne 192 países integrantes das Nações Unidas com vistas à adoção de ações e programas para substituir lavouras de fumo por culturas ambiental e humanamente mais saudáveis. Por outro lado, esta é uma questão que impõe sérios problemas na área rural: eliminar os riscos representados à saúde humana pelo fumo e, ao mesmo tempo, possibilitar condições dignas de trabalho e renda a milhares de agricultores que dependem do fumo. A questão é particularmente preocupante para as regiões produtoras de fumo no Brasil, até porque o Brasil figura entre os países que lideram o encaminhamento das ações da Convenção Quadro.

Segundo a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag/RS), a cultura do fumo é a principal fonte de renda de mais de 194 mil produtores no Brasil, em mais de 797 municípios, e emprega direta e indiretamente 2,4 milhões de trabalhadores. Trata-se de um tipo de lavoura que não recebe recursos públicos para o financiamento da safra, sendo financiada pelo próprio setor.

Conforme o presidente da Fetag, Ezídio Pinheiro, o Rio Grande do Sul tem cerca de 87 mil produtores de fumo, dos quais 40% não são proprietários e, conseqüentemente, não terão como fazer a reconversão para outras lavouras. Ao mesmo tempo, quem planta fumo não irá trocar a atividade por outra menos rentável. Ele assinala que a cadeia do fumo é responsável pelo recolhimento de R$ 6,45 bilhões em tributos. A situação é ainda pior, economicamente falando, para os pequenos produtores, pois os rendimentos auferidos em um hectare de fumo proporcionam estabilidade econômica, diferentemente de outras culturas e/ou atividades. A atividade inclui ainda um caráter cultural que passa de pai para filho e, significativamente, contribui para fixar o homem no campo, evitando seu êxodo para os centros urbanos, onde está sujeito a engrossar as fileiras de desempregados. As propriedades rurais que cultivam fumo têm, em média, 16,9 hectares, e a maioria se situa em regiões de relevo acidentado, o que inviabiliza a mecanização e contribui mais ainda para a intensiva ocupação da mão-de-obra.

A Convenção Quadro não obriga à eliminação total do fumo, mas encoraja a redução gradativa de seu cultivo, alternando-o com outras culturas. Esta posição ficou clara quando da visita do ministro da Agricultura, Miguel Rossetto, à região fumageira do Rio Grande do Sul, no final de janeiro último, para tratar do assunto. Para muitos, contudo, a existência do tratado já representa uma ameaça, mesmo tendo sido afirmada a não-obrigatoriedade de erradicação total do fumo. E a região ainda não tem planos consolidados para a diversificação.

Estratégias
Algumas estratégias, porém, estão sendo implantadas aos poucos para oportunizar ao produtor local a migração do fumo para outras atividades econômicas que o mantenham no campo. O secretário-executivo interino da Agricultura de Santa Cruz do Sul, Alceu Crestani, diz que uma delas é a Granja Santa Cruz, mantida pela Prefeitura, através da Secretaria Municipal de Agricultura. Trata-se de um complexo de benfeitorias, com 22 prédios e instalações, numa área de 56 hectares, situado em Linha Santa Cruz, que é atendido por 12 servidores, alguns deles residindo no próprio local, para garantir o cuidado permanente aos plantéis de animais que ali são criados.

Crestani assinala que, “apesar da grande hegemonia do fumo, Santa Cruz do Sul tem uma vocação histórica na produção de leite e de suínos, e é nestas áreas que o município oferece o maior incentivo aos produtores”. “Por isto”, prossegue, “as principais atividades ali desenvolvidas são a criação de matrizes leiteiras e suínas para distribuição aos produtores, fornecimento de sêmen certificado para inseminação, repasse de pintos e produção de leite, este destinado a fins sociais e comercialização”.

Há também experiências com produção de uva, caprinocultura e outras atividades de menor porte, disponibilizadas aos agricultores do município. Igualmente, há amplas áreas de pastagem e lavoura, com produção e armazenamento de silagem para alimentação dos plantéis da granja.

Ao longo do último ano, a Granja Santa Cruz repassou a produtores do município doze matrizes leiteiras. O plantel próprio é de 32 vacas, das quais 24 em lactação, produzindo em média mais de oito mil litros mensais, dos quais 500 são fornecidos ao Asilo de Idosos. O restante é vendido. O tambo é equipado com ordenhadeiras mecânicas, resfriadores e outras instalações adequadas à melhor técnica de manejo. Como 80% da fertilização bovina no município se dá por inseminação, a granja fornece uma média de 500 sêmens mensais, manipulados por cinco inseminadores particulares, especialmente treinados. O produtor não paga pelo sêmen, apenas pelo trabalho do inseminador.

O fomento à suinocultura distribuiu, no último ano, 532 exemplares para reprodução e engorda, além de material genético para cerca de 100 inseminações. O plantel atual da granja se compõe de 30 matrizes, duas marrãs e um cachaço, já que boa parte das fertilizações é feita pelo tradicional sistema de monta.

Já a distribuição de pintos, apenas intermediada pela granja, atingiu, no ano passado, 26.332 unidades, destinando-se tanto à postura quanto à avicultura de corte. O coordenador da granja, Nilo Rubi Barboza, afirma que se constata um equilíbrio entre a demanda dos produtores e a capacidade de atendimento da unidade, havendo condições de suprir um eventual crescimento da procura.

A partir do ano passado, a Secretaria da Agricultura municipal também implantou um serviço de assistência veterinária permanentemente à disposição do produtor. O médico veterinário Emílio Hoeltgebaum está à disposição tanto para informações e orientações quanto para atendimento efetivo de problemas com saúde de animais.

Financiamento e ecoturismo
Além da granja, o muncípio de Santa Cruz oferece financiamento facilitado para agricultores que queiram investir em outros tipos de lavoura. O secretário interino informa que foi criado há cinco anos o Proaser, um programa de financiamento sem juros, que facilita a implantação de empreendimentos alternativos ao fumo, típicos para as épocas de entressafra, que se estende por quatro a seis meses quando não está sendo feito o cultivo nem a colheita do fumo. “Para conseguir o financiamento, é preciso apresentar um projeto com informações sobre o que o agricultor pretende fazer”, explica Crestani.

Outras alternativas de substituição ao fumo são a agroecologia e o ecoturismo. Elas também estão sendo tentadas pela administração municipal. “Estamos construindo a Ceasa regional, que é uma outra maneira de diversificar a lavoura. Temos também muitos plantadores de hortigranjeiros trabalhando sem uso de agrotóxicos”, observa. Uma das culturas opcionais ao fumo é o arroz, cultivado por meio de técnicas ecologicamente sustentáveis. Santa Cruz e região ainda investem no cultivo de lavouras para conserva, como cebola, pepino e milho doce.

Quanto ao turismo ecológico, a prefeitura implantará, em 2006, alguns roteiros que valorizam as belezas naturais e rotas da região do Rio Pardinho, onde existem já algumas pousadas instaladas e uma vasta área de preservação ambiental.

Estudos
Apesar de haver poucos estudos apontando caminhos para a reconversão das lavouras de fumo, um deles foi recentemente premiado pelo Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo-Sul (BRDE) e Conselho Regional de Economia do Rio Grande do Sul (Corecon/RS). Trata-se da dissertação “Produção de tabaco e policultura: um estudo comparativo nos três estados do Sul do Brasil”, da economista Luciana Bernadete de Oliveira, do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade de Santa Cruz do Sul. O trabalho venceu o 1º Prêmio BRDE de Desenvolvimento do Rio Grande. A análise conclui que o arroz, a cebola e a mandioca são as principais culturas alternativas à plantação de fumo. "Podemos destacar que o agricultor, em média, dedica cerca de 10% de sua área à monocultura do fumo. Tendo em vista que o tamanho médio das propriedades gira em torno de 16 hectares, sobrariam cerca de 14,4 hectares para o plantio de produtos diferentes", registra.
Por Cláudia Viegas

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