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2006-02-14
Por Sebastião Pinheiro *
Uma questão me angustia: Os editais dos órgãos públicos, por exemplo, na área ambiental impõem condições cartesianas e lineares para os interessados na sua execução (projetos), que na verdade, passam a ser políticas públicas desses órgãos.

Já não há mais espaço para uma gestão pública de visão cartesiana linear, menos ainda na gestão ambiental, que exige, mais que outros segmentos, a aplicação de sistemas de sistemas integrados até ou além da etnologia.

Se pesquisarmos os editais dos órgãos públicos nos últimos cem anos, por exemplo, para a Agricultura e Saúde, teremos condições de avaliar a evolução lenta e paulatinamente destas políticas públicas de interesses públicos para políticas públicas de interesses privados.

Chegamos em nossos dias ao cúmulo de ver a gestão pública se resumir a "criterizar" ou determinar parâmetros, condições e tempos para as empresas se habilitarem. O fato deste direcionamento estar focado nas grandes corporações (transnacionais) é função da evolução do comércio e indústria.

Aqueles editais que não podem ser atendidos diretamente por grandes empresas também evoluíram e foram transformados em sua filosofia em políticas de propaganda de interesse de empresas.

O ambientalista que lê “A QUINTA DISCIPLINA”, de Peter Senge, Editora Best Seller, percebe que estes editais não estão acordes com suas ansiedades, aspirações e desejos. Isto é desolador e extremamente grave.

“No livro “Ética Ecológica”, [Istas, Madrid, 2006] coordenado por Jorge Riechmann, há um artigo do filósofo H. Acselrad, que diz: “Ante los indicadores de lo que um pensamiento dominante considera el núcleo del problema ambiental – el desperdício de matéria y energia -, empresas y gobiernos tienden a impulsar acciones de la llamada “modernización ecológica”, destinadas esencialmente a promover uma mayor eficiência y la activación de nuevos mercados. Tratan así de actuar basicamente em el âmbito de la lógica econômica, atribuyendo al mercado la capacidad institucional de resolver la degradación ambiental, “economizando” el médio ambiente y abriendo mercados a nuevas tecnologias proclamadas limpias. Se celebra el mercado, se consagra el consenso político y se promeve el progreso técnico”.

Ou seja, há uma mercantilização do meio ambiente e da natureza que, com muitíssima anterioridade o Professor Aloísio Ely em suas obras “Economia do Meio Ambiente, uma apreciação introdutória interdisciplinar da poluição, ecologia e qualidade ambiental”. Porto Alegre: Fundação de Economia e Estatística” (1986) e “Desenvolvimento Sustentável. Origens e Perspectivas de um novo paradigma”. Guaíba/RS: Livraria e Editora Agropecuária, (1999) demonstrou este caminho inexorável, entretanto, não houve uma atualização na gestão ambiental, embora muitas convenções e protocolos tenham sido assinados desde a Assembléia das Nações Unidas em Estocolmo em 1973, e exijam alto nível de eficiência administrativa e política no plano externo.

Ao lado de nossa angústia, vemos no plano interno, uma burocracia cartorial-ambiental que consolida-se a cada dia para satisfazer os interesses subalternos de segmentos, verbigracia a questão do licenciamento ambiental para o cultivo de eucalipto para as empresas de celulose e papel, nos mesmos moldes dos referidos editais de incentivos fiscais da década de sessenta e setenta. Cabe a pergunta: Algo mudou ou apenas sofisticou-se?

Agora, vejo, de um lado, todos os dias, a rede Globo “denunciar” loteamentos ou pecuarização dos próprios do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), de outro o anúncio da concessão de terras públicas, onde estão florestas, para evitar grilagem. Angustiado, me pergunto: Quais as finalidades, ou melhor, como dizem os técnicos de futebol, qual a filosofia destes jogos? Estas propostas são função de incompetência ou têm a mesma origem que os editais cartesianos, atender organismos multilaterais?

Desejo esclarecer aos afoitos e ansiosos que esta análise não tem foco em cores partidárias ou momentos, pois são aspectos que saem do inconsciente para o consciente nos últimos quarentas anos.

É triste, a questão ambiental, longe de começar a ser equacionada, enveredou pelo seu consumo em horário nobre. De outra parte, lembro quando a Riocell desejou ampliar sua fábrica em 142%, a avalanche cidadã que culminou com uma tempestuosa audiência pública em Guaíba. Depois, vimos a instituição do “minuto ecológico” onde joão-de-barro e tamanduás “falavam” para a audiência familiar eletrônica em nossas casas na hora do almoço. Parece que agora evoluiu para o horário nobre da noite. É evolução, desenvolvimento ou crescimento?

A luta contra os venenos “alumbrou” a Coolméia (Porto Alegre) e centenas de outras similares e assemelhadas, com uma agricultura ecológica com mais cidadania. Entretanto agora para o agricultor familiar poder comercializar seus produtos necessita pagar serviços (desnecessários) a um cartel de transnacionais da União Européia e Estados Unidos que se apropria do valor do seu trabalho e da sua mas valia. Pior os que veêm as coisas de forma linear-cartesiana, não perceber que este certificado seletiviza, desorganiza e elimina os pequenos agricultores familiares. Não entremos no mérito, pois se é isto que queremos, devemos agir objetivamente para alcançá-lo, e não, como foi feito com os incentivos fiscais na década de sessenta, cartórios de agrotóxicos e gestão ambiental...

Afinal, a Natureza e o Meio Ambiente são algo muito além de um investimento rentável através de uma Convenção ou Protocolo Internacional que cria Mecanismos de Desenvolvimento Limpo para venda de Serviços, Intermediação e Logística das grandes transnacionais de Proteção à Natureza?

No estágio atual da indústria e comércio internacional elas incorporam seus serviços, embutidos nas políticas e gestões públicas ou transformam em produtos, insumos ou serviços e nós pensamos que é evolução, desenvolvimento e crescimento, quando na verdade é única e exclusivamente uma questão que antes era chamada de “geopolítica hegemônica” e agora, apenas de hegemonia.

Pelo menos racionalizamos o uso de palavras.

* Sebastião Pinheiro é jornalista da Ecoagência de Notícias

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