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fármacos
2006-02-13
"Os recursos hídricos em cidades populosas podem estar sofrendo uma contaminação silenciosa por fármacos", alerta Rosana Pedroso, farmacêutica vinculada ao Laboratório Farmacêutico do Rio Grande do Sul (LAFERGS) e que no momento escreve sua tese de mestrado com o objetivo de avaliar uma metodologia para melhor detecção de resíduos de medicamentos e cosméticos, os fármacos, no Meio Ambiente. Sua preocupação é espelhada em estudos de pesquisadores dos Estados Unidos e da Europa.

De acordo com ela, há maior atenção para o problema nos chamados países desenvolvidos, onde existem mais estudos publicados. Inclusive sobre o Brasil, como o do alemão Marcus Stumpf, que publicou, em 1999, artigo intitulado "Polar drug residues in sewage and natural waters in the state of Rio de Janeiro, Brasil" na revista The Science of the Total Environment. Na ocasião, informou ter encontrado em níveis relevantes substâncias químicas – como antiinflamatórios – em esgotos e estações de tratamentos (ETEs) e nas águas de rios do Estado do Rio de Janeiro.

No velho continente a situação só é diferente pela maior disponibilidade de informações. Tomas Ternes, do Instituto Alemão para Estudos da Água, examinou, há alguns anos, as vertentes de rios de seu país e encontrou 36 fármacos diferentes que não foram metabolizados pelo corpo humano. "São moléculas muito complexas que não são decompostas pelo organismo", escreveu ele, que diz ter encontrado substâncias utilizadas na fabricação de perfumes, antibióticos, antidepressivos e simples vitaminas.

Na Espanha, foram encontrados analgésicos e antibióticos em águas residuais. Já nos Estados Unidos, constatou-se que em alguns lugares onde a água potável tem altos níveis de antibióticos, há pessoas com "tolerância" a essas substâncias por conta do consumo contínuo e involuntário. A revista Science também divulgou que peixes de cativeiro em Dallas, nos EUA, tinham alterações importantes no cérebro e no fígado. Tais modificações, informou a revista, eram conseqüências da ação da Serotonina, base do antidepressivo Prozac.

Múltiplos caminhos
Segundo Rosana, há várias formas de essas substâncias chegarem ao meio ambiente. Além do esgoto doméstico, ela cita a falta de destinação adequada de embalagens, as sobras na produção de medicamentos e na lavagem dos recipientes industriais, bem como nos dejetos de animais. Resíduos de antibióticos e hormônios usados na medicina veterinária, visando o crescimento e o engordo, são eliminados nos dejetos dos animais. A farmacêutica explica que o próprio uso desse mesmo esterco como fertilizante contribui para contaminar águas superficiais e subterrâneas, além do solo.

Daniela Maia Bila, doutora em Engenharia Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – que tem como especialidade o estudo de Técnicas Avançadas para o Tratamento de Água – publicou artigo no qual afirma ser “necessária uma avaliação criteriosa” dos efeitos desses fármacos no meio Aquático. “Uma vez conhecido os efeitos será necessário estabelecer os limites de concentração para o descarte seguro de efluentes domésticos tratados em corpos receptores”, frisa ela. Seu artigo está disponível no na internet em http://quimicanova.sbq.org.br/qnol/2003/vol26n4/14.pdf.

Segundo o professor Dr. da Unicamp, Fernando Antonio Santos Coelho, ligado ao Instituto de Química da Universidade, "não está sendo dado um tratamento adequado à complexidade destas substâncias, principalmente porque suas conseqüências não são imediatas". Estudos mostram que entre 50% a 90% de uma dosagem de antibiótico ingerida pelo homem acaba sendo excretada sem alteração de suas propriedades. Fernando Coelho pesquisa a área de desenvolvimento de novas estratégias sintéticas para a preparação e planejamento de fármacos. Para o cientista esses químicos são perigosos principalmente devido à sua acumulação no meio ambiente.

Causas e soluções
Outro fator que influencia essa questão é o aumento do consumo de água no planeta, tanto pelo abastecimento das cidades, quanto para o uso agrícola e industrial. Especialistas explicam que o consumo maior provoca a redução do fluxo hídrico disponível no meio ambiente para a diluição dos despejos de efluentes. Sem falar que a própria água que retorna ao espaço natural concentra cada vez maiores quantidades de esgoto e resíduos. As conseqüências, analisa o professor da Unicamp, virão a médio e longo prazo e comprometem a disponibilidade de água potável no futuro.

Na busca de soluções para o problema muitos apontam para a conscientização da sociedade. Outros para investimentos na estrutura pública de saneamento e de garantia da qualidade de vida. Para a diretora de Divisão de Pesquisas do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) de Porto Alegre, Iara Conceição Morandi, falta conscientização da população, que muitas vezes se aloja próximo a reservas hídricas devido à facilidade de se jogar fora dejetos e lixos variados.

Semelhante avaliação tem o professor da Unicamp, Fernando Coelho, que alerta para os cuidados que a sociedade deve tomar. “Medicamentos vencidos descartados de forma inadequada contribuem para o agravamento deste problema. Lixo comum pára em lugar inadequado e consequentemente acaba poluindo rios e lagos”. Embora concorde que a educação ambiental seja primordial, o engenheiro químico e professor da PUCRS, Cláudio Frankenberg, descorda que seja da população a responsabilidade. “Muitas pessoas que moram em vilarejos não têm onde depositar seus lixos. Há pontos que nem o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) consegue capturar”, afirma. Isto sem falar na falta de processos de saneamento adequados para tratar resíduos de medicamentos.

Legislação cega
Embora haja preocupação por parte de cientistas e profissionais da área química, a presença de fármacos em reservas hídricas ainda não é considerada um risco pela legislação. Na Portaria nº 518, de 25 de março de 2004, do Ministério da Saúde essas substâncias sequer são mencionadas nos indicativos de exigência do padrão de potabilidade.

A Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), responsável pelo abastecimento de aproximadamente seis milhões de gaúchos, informou, por meio de seu Superintendente de Tratamento, Marinho Graff, não fazer análises quanto à presença de fármacos. Graff alega não ser uma exigência da Secretaria de Vigilância da Saúde, órgão federal responsável pela definição dos padrões de qualidade da água, e disse desconhecer qualquer estudo envolvendo a questão.

O DMAE de Porto Alegre também informou não fazer análise quanto à presença destas substâncias. Ressalta, porém, que os processos atuais de tratamento acabam de forma indireta interferindo na concentração destes fármacos indesejáveis através da oxidação e da desinfecção do líquido. De acordo com o Diretor substituto da Divisão de Pesquisa do Departamento, Fernando Carlos Willrith, já são muitos os aspectos verificados no tratamento da água –conforme exigência da Portaria – e “no momento o DMAE não tem esses compostos no seu escopo de interesse analítico.” Segundo ele, isso ocorre porque não há técnicas implantadas para a análise efetiva.

Willrith ressalta também que as instituições científicas é que têm o papel de buscar esse tipo de identificação e mostrar as novas indagações para os órgãos e a sociedade em geral. “A empresa de saneamento cumpre da melhor forma possível aquilo que deve à sociedade com relação ao que a Portaria 518 solicita”, afirma Willrith, acrescentando que esta preocupação deve partir do Ministério da Saúde.
Por Tatiana Feldens

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