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2006-02-13
Preocupada com a questão ambiental, a Refinaria Alberto Pasqualini (Refap) da Petrobras resolveu investir na construção de diques de contenção contra derrames de petróleo nos arroios ao redor da sua planta em Canoas (RS). A medida faz parte de um projeto que visa eliminar o antigo problema de contaminação de cursos de água por vazamentos na refinaria. Mas o que era para ser a solução de um velho problema está se tornando um novo incômodo.

A Prefeitura de Esteio, através da Secretaria Municipal Especial de Governo, entrou no dia 23 de janeiro com uma ação na 1ª instância no Foro Municipal contra a Refinaria Alberto Pasqualini, pedindo que o represamento das águas para as obras nas margens do Arroio Sapucaia fosse interrompido. O pedido de embargo exigia também a demolição total ou parcial das obras, indenização das famílias atingidas e responsabilização por futuros alagamentos no local.

Obra sem licença
Exato um mês antes, 23 de dezembro, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, já prevendo os riscos da construção, notificou os trabalhos da Refinaria e estabeleceu o prazo de um dia para a apresentação de licença e projeto. As obras não pararam. Somente um mês depois, quando a história chegou no Foro de Esteio é que as máquinas pararam de funcionar. O fato é relatado em um documento assinado pelo secretário municipal especial de governo, Luciano Comasseto, e pelo supervisor ténico Ubirajara Dorneles Martins e encaminhado à prefeita Sandra Beatriz Silveira.

As obras consistem na criação de quatro barreiras de contenção de derrame de óleo ao longo do arroio Sapucaia até o Rio dos Sinos. Assim, a chance dos efluentes atingirem o rio seria menor. Embora o arroio abranja também as cidades de Canoas, Sapucaia do Sul, Cachoeirinha, Gravataí e Novo Hamburgo, é o município de Esteio que vem "pagando o pato" pela barragem.

O estreitamento do arroio tem causado alagamentos na região pelo menos desde outubro passado, de acordo com o secretário municipal de Habitação, Flávio Hiller. “Nos períodos de estiagem não há transtornos, mas quando a precipitação é grande aparecem os problemas das cheias”, adverte.

Reassentamento
Outra dificuldade, segundo Hiller, é tirar as 600 famílias (mais ou menos 1150 pessoas) da zona de risco. A área urbana do município de Esteio — com total de 90 mil habitantes — ocupa 28,5 Km², um número alto considerando o tamanho total, 32,5 Km². E os vazios populacionais são mínimos, garante o secretário. “A área permite poucos deslocamentos, e o custo desses espaços no território urbano é muito alto”, ressalta.

Para encontrar uma solução, as secretarias municipais estão buscando se integrar. “Estamos realizando um trabalho conjunto dentro da Prefeitura. As secretarias precisam trabalhar lado a lado, especialmente a de Habitação, Saúde e Desenvolvimento Urbano, pois é um problema que envolve vários fatores”, esclarece Hiller.

Um grupo de trabalho formado por técnicos do Instituto de Pesquisa Hidráulica (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), da Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan) e da própria Prefeitura está em busca de alternativas. A pesquisa, dividida em três etapas, consiste na identificação exata das áreas, interdição e implantação dos conjuntos habitacionais. Hiller não estabeleceu prazos para a execução do projeto, mas afirma que será o “mais rápido possível”. Por enquanto, medidas emergenciais estão sendo tomadas no sentido de desobstruir as bocas-de-lobo e as tubulações.

Refap muda
A assessoria de imprensa da Refap informou à reportagem que a empresa “não fala sobre o assunto” desde que as obras pararam. Limitaram-se apenas a declarar que a obra contribuiria muito para o meio ambiente.

Já o secretário municipal pela Preservação Ambiental de Canoas, Marcos Aurélio Chedid, afirma que o problema do arroio “não tem nada a ver com a cidade de Canoas”, e sim entre as partes envolvidas – Esteio e Refap. “Nunca tivemos problemas com esse arroio, nem mesmo com a empresa. Às vezes acontecem problemas próprios de uma refinaria, como cheiro, mas são pontuais”, enfatiza.

Os arroios em volta da Refap desaguam direto no Arroio Guajuviras, em Canoas, que desemboca no arroio Sapucaia, já na cidade de Esteio. O encontro entre eles acontece em uma região da cidade onde não existem os diques – barrancos sobre a calha dos arroios, o que faz com que as águas "vazem" mais rapidamente.

Entre as falhas apontadas pelo engenheiro da prefeitura de Esteio, Ubirajara Dorneles Martins está a falta de escalas e definição de linhas nos projetos. O projeto foi apresentado em duas ocasiões à engenheira Nanci Giugno, da Metroplan, que os considerou falhos e os devolveu nas duas ocasiões.

A respeito da posição adotada pela Fepam, Martins entende que o órgão deveria ter pedido autorização também para Esteio, pois, embora as obras beneficiem o Rio dos Sinos, prejudicam a população que vive às margens do arroio. “Que bom que querem construir obras do tipo, mas poderia ser no Guajuviras, sem nos envolver em uma questão que só nos traz danos”, destaca. A entrada com a ação no Foro Municipal significa, segundo ele, que a cidade está lutando para não ser prejudicada.

Atingidos pela enchente de outubro continuam entre escombros e tijolos
As cheias de outubro de 2005 deixaram marcas bem visíveis para os atingidos na região metropolitana de Porto Alegre. A Vila Navegantes em Esteio, habitada por aproximadamente 300 famílias, foi uma das mais atingidas. “Apenas sete casas não foram pegas aqui”, afirma a presidente da Associação de Moradores da Vila, Vera Regina Gomes. Moradora do local há 24 anos, garante que a enchente foi maior do que a de 1995, a maior presenciada no lugar até então.

Somente em abrigos da Prefeitura, mais ou menos 700 pessoas se abrigaram depois de perder o que tinham em casa ou mesmo a própria casa. “Eu mesmo fiquei com cinco famílias na minha casa, porque a água só foi até a soleira da porta. Mas o resto perdeu tudo. Colchão, armário, sofá, geladeira, não sobrou nada”, conta a moradora. Além das perdas materiais, doenças como meningite e leptospirose chegaram, e alguns animais, em razão da contaminação do solo, morreram.

Outras regiões do município como a Vila Nova, Vila Ezequiel, São José e Condomínio Morada I, todos na zona de risco do município, sofreram danos semelhantes. As cheias de outubro, porém, parecem ter sido a gota d água para os atingidos. Em 9 de novembro do ano passado, representantes das comunidades assinaram um documento criando o Comitê Pró-Alagamentos, exigindo medidas da administração estadual e explicações sobre as enchentes. “Nós somos leigos, não entendemos direito o que sai nos jornais. O que queremos mesmo é que as famílias não passem por isso outra vez”, ressalta Vera.

Por enquanto, o que se vê na Vila Navegantes são plaquinhas de “Vende-se” em quase metade das casas, além de tijolos ou madeira empilhados para recuperar o destruído. “O pessoal anda apavorado, quer sair daqui de uma vez”, afirma um morador encostado em um bar. “Cada vez que acontece isso se perde o pouco que tem”, completa outro, não muito longe do arroio Sapucaia, repleto de pneus, insetos e todo o tipo de lixo.
Por Patrícia Benvenuti

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