Pesquisadores debatem projeto integrado para o Aqüífero Guarani na Região Sul
2006-02-13
Representantes dos três estados do Sul do país reuniram-se na última sexta-feira (10/02) em Florianópolis para debater um projeto integrado para salvar o Aqüífero Guarani. A proposta inclui ações comuns e específicas aos estados e dá prioridade à participação da população no desenvolvimento das pesquisas. O foco do projeto é o mapeamento do uso e ocupação do solo sobre a área do aqüífero para a identificação de áreas de impacto.
O Aqüífero Guarani fica abaixo de uma camada de arenito poroso, que funciona como uma esponja, absorvendo tudo o que se deposita sobre ele. Em algumas regiões, como no município de Lages (SC), a camada de arenito flui para a superfície, o que potencializa a contaminação. Entre as ações comuns aos três estados estão o georeferenciamento das áreas prioritárias à recuperação, atualização da base cartográfica, monitoramento da qualidade da água, levantamento e sistematização das espécies da fauna e flora nos locais de estudo, além de atividades de educação ambiental.
Além das ações conjuntas, cada estado desenvolverá linhas de pesquisa específicas para os problemas enfrentados localmente. No Paraná, será feita a definição de áreas do aqüífero Serra Geral contaminadas com águas provenientes do Aqüífero Guarani. O Rio Grande do Sul deve investir em estudos de técnicas para mitigar o processo de desertificação na região da campanha gaúcha pelo uso sustentável do Aqüífero Guarani. Santa Catarina fará mapeamento das áreas de afloramento do aqüífero nas regiões das nascentes dos principais rios formadores da bacia hidrográfica do Rio Uruguai.
A proposta foi apresentada em linhas gerais na sexta-feira no auditório da Fapesc (Fundação de Apoio à pesquisa Científica e Tecnológica do Estado de Santa Catarina), com o objetivo de buscar investidores. De acordo com uma das coordenadoras do projeto, Maria de Fátima Wolkmer, do departamento de ciências jurídicas da Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac), os recursos necessários para a execução do projeto ainda não estão definidos, mas estima-se que sejam necessários R$ 8 milhões por ano em cada estado.
No quesito arrecadação de dinheiro, Santa Catarina está na frente. Os pesquisadores aguardam a liberação de R$ 7 milhões de uma emenda parlamentar da Assembléia Legislativa, que deve ser votada até junho. O deputado Edison Andrino (PMDB/SC) também prometeu R$ 100 mil da verba de seu gabinete. Paraná e Rio Grande do Sul têm, juntos, cerca de R$ 3 milhões.
Osmar Cordeiro Neto, diretor da Agência Nacional das Águas (ANA) esteve presente na reunião e disse que a agência se propõe a ser “advogada” do projeto junto a fundos setoriais. “A ANA não tem recursos próprios para financiar o projeto, mas vai interferir junto ao Fundo Setorial de Recursos Hídricos (CTHidro), cuja verba é destinada em parte para projetos transversais”, disse. O CTHidro reúne-se em Florianópolis esta semana, de quarta a sexta-feira, para avaliar vários projetos em recursos hídricos, inclusive sobre o Aqüífero Guarani.
O projeto também tentará viabilizar recursos de emendas regionais através das fundações de apoio à pesquisa de Santa Catarina (Fapesc), Rio Grande do Sul (Fapergs) e Paraná (Fundação Araucária). Para Osmar Muzilli, diretor científico da Fundação Araucária, ainda é cedo para falar de recursos. “Estamos nas primeiras reuniões, São Paulo começou a falar sobre o Aqüífero Guarani em 1990, nós começamos agora. Já estava na hora“, disse.
De acordo com Maria de Fátima Wolkmer, o projeto ainda está em fase inicial, quando serão definidas as atividades prioritárias. Os cientistas trabalharão em ações itinerantes pela Região Sul, identificando problemas e sugerindo soluções a partir da demanda da população. “Este é um projeto inédito, que pretende integrar os três estados sob a perspectiva da Região Sul”, diz Wolkmer.
Para a coordenadora Luciane Costa de Oliveira, do departamento de Ciências Biológicas da Uniplac, um dos pontos positivos do projeto é que ele terá base jurídica com enfoque sócio-econômico e não ambiental. “Vamos apoiar os municípios a elaborar seus planos diretores e leis específicas para a proteção do aqüífero. Trabalharemos dando suporte à população, seremos catalisadores, não agentes”, disse. Segundo Luciane, a grande falha dos projetos ambientais é que acabam barrando em aspectos jurídicos e tornam-se “biodesagradáveis”, versão moderna para a expressão “eco-chatos”.
O projeto tem parceria com as universidades federais de Santa Catarina e do Paraná, além da Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac), Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), Universidade Comunitária Regional de Chapecó (Unochapecó), Universidade do Vale do Taquari (Univates) e Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri).
Controvérsias
O Aqüífero Guarani foi descoberto na década de 50, na cidade de Botucatu, interior do Estado de São Paulo. Na década de 70, empresas de petróleo e perfuração de poços começaram a definir sua extensão, profundidade e volume de água. Ele ocupa 1,8 milhões de quilômetros quadrados sob parte dos territórios do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. No Brasil, está sob os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás, abrangendo uma área de cerca de 840 mil metros quadrados. É, segundo os especialistas, um dos maiores mananciais de água do mundo, com 45 trilhões de metros cúbicos.
Na palestra de abertura da reunião em Florianópolis, o presidente da Fapesc, Vladimir Piacentini, lançou um dado espantoso: “Se for preservado, o aqüífero Guarani tem condições de fornecer água para o Brasil durante 2.500 anos”.
Mas a realidade é contestada por alguns pesquisadores. De acordo com Ernani da Rosa Filho, do departamento de Geologia da Universidade Federal do Paraná e ex-presidente da Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (Abas), 60% da área do aqüífero é composta de água salobra (salgada) e imprópria para o consumo.
Para João Manoel Bicca, coordenador do movimento Pró-Rio Uruguai, não é possível entender o Aqüífero Guarani sem estudar o Aqüífero Serra Geral. “É o Serra Geral que estabelece a interação entre as águas da superfície com o Aqüífero Guarani”. O aqüífero Serra Geral, que recobre o Guarani, tem 1,2 milhão de quilômetros quadrados e passa pelos três estados do Sul do país até chegar ao Oeste de São Paulo.
Segundo Luiz Fernando Scheibe, coordenador do Laboratório de Análise Ambiental da UFSC, em Santa Catarina quase não se consome água do Aqüífero Guarani. “Nós consumimos o Serra Geral. O Guarani virou uma grife, de que todo mundo fala”, disse. O aqüífero recebeu este nome porque se localiza na região habitada antigamente pelos índios guarani.
“Enquanto os guarani ocupavam a área, não tinha muito problema”, diz Scheibe.
Por Francis França