Combustíveis fosseis e a dívida com a natureza
2006-02-13
O crescimento do setor de petróleo e gás produziu um passivo ambiental de cinco mil quilômetros de extensão. Investidores e governo abandonaram a regularização de empreendimentos antigos por causa da prioridade de erguer infra-estrutura nova. Doze dutos interestaduais de transporte de gás natural e petróleo não possuem o aval do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama). Segundo o Ibama, a Petrobras lhe deve 18 relatórios com estudos ambientais e análises de risco dos gasodutos e oleodutos construídos antes da constituição da legislação e do órgão ambiental, em 1989. Foi a partir de então que os empreendimentos passaram a ser construídos depois do crivo do Ibama, com exigências de licenciamento ambiental. Os dutos levantados antes desse marco continuaram operando sem licenças, até que, em 2002, o Decreto-Lei 4.340 determinou que as empresas providenciassem a regularização.
Diante do decreto, a Petrobras, representada pela Transpetro, subsidiária para a área de transporte, solicitou a regularização de 12 dutos irregulares ao Ibama. Passados quatro anos, os canais de transporte de gás e petróleo continuam irregulares.
Durante o período, o órgão ambiental informou à estatal que eram necessários dois relatórios para cada duto. A Transpetro entregou somente dois, um de análise de risco para obter licença do duto que liga São Paulo ao Distrito Federal, de 1 mil quilômetros, e outro estudo ambiental para o de Santa Catarina ao Paraná. Mesmo assim, o Ibama não cobra. Pelo contrário, até justifica.
– Não é possível dar conta da infra-estrutura preexistente com a prioridade dada à necessidade de crescimento do país – afirma o diretor de Licenciamento e Qualidade do Ibama, Luiz Felippe Kunz Junior.
O técnico afirma que o decreto que cobra a licença ambiental dos gasodutos não estabelece prazo para a obtenção da licença.
O diretor do Ibama lista 50 gasodutos e oleodutos em processo de regularização, entre eles, os já construídos: os oleodutos Paraná-Santa Catarina, Santa Catarina-Paraná, São Paulo-Brasília, Rio-Belo Horizonte, Rio-Belo Horizonte 2 e Rio-São Paulo e os gasodutos Rio-Belo Horizonte, Rio-São Paulo, Nordestão 1, Sergipe-Bahia, Pernambuco-Alagoas e Ceará-Fortaleza.
Cerca de quarenta processos à espera de licenciamento se referem a projetos novos, ainda no papel. Foram licenciados no ano passado os gasodutos Cabiúnas-Vitória, Campinas-Rio, Carmópolis (Alagoas)-Pilar (Sergipe), Catu-Carmópolis, Ceará-Rio, além de Urucu-Porto Velho. Este último integra a infra-estrutura básica para que a estatal consiga escoar o gás produzido na região amazônica, cuja maior parte é atualmente devolvida aos poços.
Na lente do Ibama, projetos recentes da Petrobras já foram inclusive punidos por desrespeito ao meio ambiente. Ontem, o órgão informou que multou a estatal em R$ 217 milhões pela perfuração de 101 poços, entre 2004 e 2005, na Bacia de Campos sem autorização. A estatal, contudo, questiona a punição e diz que possui licença válida.
– É normal que os novos projetos passem à frente dos velhos – afirma o representante do Meio Ambiente.
O diretor de Dutos e Terminais da Transpetro, Marcelino Gomes, cita motivos além da preocupação com o futuro para justificar a lentidão na regularização ambiental. A complexidade dos estudos estariam retardando a entrega dos relatórios ao Ibama. Ele diz que são 12 dutos num universo de 183 sob a guarda da estatal, mas admite que se tratam dos mais extensos gasodutos e oleodutos justamente os que precisam entrar em conformidade.
Num tom mais rígido, a coordenadora técnica do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), Dominique Loued, afirma que “não existe direito adquirido no meio ambiente”. Segundo ela, não é porque um empreendimento “se instalou que pode operar sem monitoramento”.
Uma resolução do Conama, editada em 2004 pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, obrigou licenciamento prévio de outras atividades da indústria petrolífera que até então não se submetiam a licenciamento. É o caso de atividades de sísmica, que, segundo estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi responsável pela diminuição da atividade de pesca no litoral de Macaé e arredores. Levantamentos sísmicos ajudam a medir o potencial das reservas de petróleo e gás natural, mas produzem ruídos em mar que espantam os peixes e baleias.
Foi por causa disso que a ANP foi obrigada a retirar, na Quinta Rodada de Licitações, em 2003, áreas de exploração próximas ao arquipélago de Abrolhos, conhecido como santuário ecológico para a reprodução de baleias. Pelos mesmos motivos, o Ibama vetou, no ano passado, licença para a empresa de exploração Newfield, que pedia permissão ao órgão para perfurar poços num bloco situado ao Norte do Espírito Santo, na divisa com a Bahia, justamente a área de Abrolhos.
(Jornal do Brasil, 10/02/06)