Funcionários da Fatma (SC) são acusados de fornecer licenças ilegais
2006-02-13
Uma ação conjunta da Polícia Federal e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), denominada Operação Nazaré, resultou na prisão do coordenador-regional da Fundação do Meio Ambiente (Fatma) em Canoinhas, Régines Roeder, e dos funcionários Karoline Diloê Saks, Rudi Braz de Oliveira e Cinésio Lepcharcki. Os documentos e informações coletadas pelo Ibama e PF indicam que uma organização criminosa possa estar instalada na Fatma, concedendo autorizações de corte de vegetação indevidas e autuações com conteúdo falso. O objetivo seria impedir que autuações realizadas pelo Ibama fossem aplicadas, deixando impunes infratores da lei ambiental.
Este é o segundo escândalo envolvendo a coordenadoria da Fatma de Canoinhas em menos de cinco anos. As prisões de ontem ocorreram porque irregularidades foram constatadas por meio de operações realizadas pelo Ibama. Nessas operações - Araucária 3 e Araucária 4 -, foram mapeados cerca de 200 pontos onde houve o corte da floresta nativa, remanescentes do bioma de mata atlântica, em todo o Estado. Pela denúncia, muitas dessas áreas devastadas possuem entre 50 e 300 hectares - um hectares equivale a um campo de futebol.
De acordo com o delegado da PF, Ildo Rosa, na Fatma de Canoinhas foram encontrados documentos que podem levar a um diagnóstico mais claro da situação. O levantamento estava sendo realizado havia seis meses e já tinha ação consolidada com mais de 200 focos de área de preservação permanente desmatados - imbuias e araucárias, principalmente. Rosa acredita que "pode haver envolvimento de empresários da região." O delegado disse ainda que é provável que as investigações continuem em outros municípios, pois o levantamento do Ibama foi realizado em diversas cidades.
Crescimento rápido
Nos casos onde houve grandes devastações, foram verificadas diversas irregularidades administrativas e técnicas nas autorizações de corte emitidas pela Fatma. Com isso, foram beneficiadas empresas madeireiras e de exploração de celulose. Além disso, foram encontradas provas que confirmam o favorecimento político dentro da coordenadoria regional da Fatma em Canoinhas. Pela denúncia, seria o próprio coordenador, com a ajuda dos outros funcionários, que administrava o esquema.
Segundo a denúncia, Régines teria utilizado a legislação ambiental em seu próprio benefício, com objetivos políticos, deixando de lado a questão da preservação. Por conta disso, termos de ajuste de conduta propostos pela entidade eram elaborados de maneira tendenciosa, desrespeito a lei ambiental e sem comprometimento com o meio ambiente. Todos os envolvidos foram levados para a sede da Polícia Federal, em Florianópolis, onde vão ser ouvidos.
Procuradora fala em equívoco
A procuradora jurídica da Fatma, Rod Anélia Martins, afirmou sábado (11) no final da tarde, que não teve acesso ao inquérito policial, somente às três ações civis públicas que são movidas pelo Ibama contra a Fatma, e não pelo ministério público. Todas apresentam acusações de que a Fatma teria autorizado corte de vegetação, o que seria ilegal - e conseqüentemente criminoso -, e que Ibama estaria fiscalizando as áreas e a Fatma teria lavrado o auto de infração como se estivesse fiscalizando antes. Para a procuradora, o erro está em acreditar que o pressuposto de crime está baseado no que o Ibama acha certo e errado.
A Fundação não detectou falhas no licenciamento e nem nos autos de infração. "Ninguém poderá ser exonerado porque não houve processo disciplinar instaurado. Se, por ventura, houver elementos que indiquem irregularidade, todas as providências cabíveis em relação aos agentes envolvidos serão tomadas", afirma. A procuradora ainda ressalta que o tratamento da questão como caso de polícia foi equivocado. "Fatos como esse vem se repetindo porque temos divergências com Ibama na forma de licenciamento, isso configura uma disputa institucional."
Fundação já conhecia crimes
Foi o próprio coordenador da Fatma do Planalto Norte, Régines Roeder, quem identificou o problema em 2003. As irregularidades na emissão das autorizações foram mais intensas entre os meses de agosto e novembro de 2002. Somente naqueles quatro meses, a fundação havia emitido 961 autorizações de corte.
Em entrevista para A Notícia na época, Roeder explicou que somando o volume de autorizações de todas as sete regionais da Fatma no Estado, não se chega ao total de licenças emitidas em Canoinhas no período. O coordenador informou, ainda que somente no dia 19 de novembro de 2002, o engenheiro responsável pela emissão das autorizações, Agostinho Machado Filho e a ex-coordenadora Patrícia Gazaniga assinaram 171 autorizações.
Levantamentos, na época, mostraram que a ex-coordenadora teria assinado autorizações para cortes de madeiras nativas até na Serra do Mar, em Joinville, fora de sua área de atuação. A Fatma, na época, abriu sindicância para apurar as denúncias, mas o resultado não foi divulgado. A legislação ambiental prevê reclusão de um a três anos e multa para funcionários públicos que concederem autorizações em desacordo com as normais ambientais. (A Notícia, 11/02/06)
Coordenador continua detido
Os suspeitos de envolvimento na possível organização criminosa que estaria funcionando na Fundação do Meio Ambiente (Fatma), e que estaria concedendo autorizações de corte de vegetação indevido e autuações com conteúdo falso, prestaram depoimento na manhã de ontem na Polícia Federal, em Florianópolis. A responsável pelo caso, delegada Clarissa Malafaia, Chefe da Delegacia do Meio Ambiente e Patrimônio Histórico (Delemaph), ouviu o coordenador e funcionários da Coordenadoria Regional da Fatma em Canoinhas, presos temporariamente na tarde de sexta-feira pela Operação Nazaré.
Os funcionários Karoline Diloê Saks, Rudi Braz de Oliveira e Cinésio Lepcharcki foram dispensados depois dos depoimentos. Já o coordenador-regional Régines Roeder continuou detido até o final da tarde de ontem. O delegado da Polícia Federal, Ildo Rosa, explicou que o coordenador foi autuado por porte ilegal de armas (crime inafiançável) porque estava com duas armas no momento da prisão. "O suspeito continua em Florianópolis. Mas, como está preso devido ao flagrante de porte ilegal de armas, está à disposição da polícia de Canoinhas e pode ser transferido a qualquer momento", ressaltou Ildo Rosa.
O que é certo, ao menos até o momento, é que o caso está cercado de mistérios. Os investigadores que ouviram os envolvidos não falaram sobre o teor dos depoimentos. Os delegados se limitaram a declarar que coletaram informações e algumas provas. A cautela dos investigadores pode estar atrelada à troca de farpas entre integrantes da Polícia Federal e Fatma. Um dos indícios desta eventual rivalidade está nas declarações de Ildo Rosa sobre os comentários da Procuradora da Fatma, Rod Anélia Martins, ontem. Ildo Rosa disse que Rod Anélia Martins está prejulgando ao declarar que tratar a questão como um caso de polícia é equivocado. A instituição, ressaltou o delegado Ildo Rosa, deveria buscar a verdade e não tentar acobertar os funcionários sem esclarecer os fatos. "A postura correta é zelar pela maioria, que são pessoas de bem, e não sair atirando sem saber e diminuir uma questão grave", pontuou Ildo.
(A Notícia, 12/02/06)