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2006-02-13
Seis anos depois das fotos de biguás e caranguejos cobertos de óleo e agonizantes, feitas após o rompimento de um duto da Refinaria Duque de Caxias, da Petrobrás, grande parte do manguezal do fundo da Baía de Guanabara ainda sofre os efeitos da maré negra. Dos 64 hectares contaminados, 50 continuam degradados, quase sem verde ou fauna, revelando o impacto duradouro das 1.292 toneladas de óleo vertidas em 18 de janeiro de 2000.

Uma caminhada pelo mangue, situado em Magé, mostra que o estrago causado pelo óleo é acentuado pelo problema cotidiano do lixo. Imagine um resíduo qualquer, a probabilidade de encontrá-lo por lá é quase certa: sacos de plástico, latas, carpetes, sapatos e sofás, ocupando o espaço da diversidade de espécies aquáticas e terrestres que convivem com a água salgada e doce, própria dos manguezais.

SEM DINHEIRO
Em meio ao cenário de deterioração, um projeto da Fundação Onda Azul mostra que é possível dar uma acelerada no ritmo de recuperação do ecossistema. Iniciado um ano após o vazamento, o Mangue Vivo conseguiu reconstituir 8 dos 64 hectares atingidos. Já são mais de 20 mil mudas plantadas, além de 8 mil espécies adultas. Com a vegetação, vieram alguns guaiamuns, maçunis, ostras, caranguejos. E, junto, garças, socós, fragatas, colhereiros.

O projeto foi iniciado com R$ 1,5 milhão, parte da multa de R$ 50 milhões que a Petrobrás teve de pagar. Mas, segundo Erian Osório da Silva, coordenadora do Mangue Vivo, a estatal não demonstrou interesse em patrocinar a iniciativa quando o dinheiro encaminhado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) chegou ao fim. "Já enviei o projeto várias vezes, mas não houve jeito. Preferem destinar dinheiro a outros projetos ambientais."

Depois de diversas interrupções, o projeto está com patrocínio garantido até setembro de 2007, um compromisso assumido pelas construtoras RJZ, Cyrela e Plarcon Erian. Com isso, os quatro moradores de Praia de Mauá, onde fica o manguezal, têm trabalho garantido. São eles que fazem o plantio e a manutenção das espécies da flora.

Adeimantus Carlos da Silva, de 26 anos, já decidiu: "Vou me aperfeiçoar e virar técnico". Fala com entusiasmo sobre o plantio das mudas e o retorno da vida ao manguezal. É um momento oposto ao vivenciado há seis anos, quando Silva, então pescador, acompanhou a agonia de crustáceos, aves e plantas. "Recolhi muito bicho morto. Foi triste."

INTERRUPÇÕES
Idealizador do Mangue Vivo, o biólogo Mario Moscatelli observa que as maiores dificuldades para reconstituir o ecossistema são o lixo e a descontinuidade dos patrocínios. "Nenhuma área de mangue é impossível de recuperar", diz, avaliando que a Petrobrás deveria financiar o trabalho.

"É uma questão de prioridades. Preferem cuidar da tartaruga, do peixe-boi. É importante também, mas a Baía de Guanabara está exigindo uma contrapartida por todo o estrago que o complexo de indústrias tem gerado nas últimas décadas", opina, ressaltando que essa é uma responsabilidade também do Estado e da União. "Não temos política de médio e longo prazos. O programa de despoluição é uma vergonha."

Criado em 1995, com recursos do governo do Estado do Rio, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da agência japonesa Japan Bank for International Cooperation (JBIC), o programa já consumiu quase US$ 895 milhões, mas está longe de cumprir as metas assumidas. As estações de tratamento de esgoto trabalham abaixo da capacidade e só metade da rede coletora foi instalada. Em relação ao lixo, o total investido é irrisório. Só 5% dos recursos foram destinados aos resíduos sólidos, incluindo drenagens de cursos de água e mapeamento digital.

Sobre lixo, Moscatelli, que há oito anos trabalha na recuperação de outros manguezais, é enfático: "Não se resolve, mas é possível controlar. E não é só lixo doméstico. Tem de tudo. Isso danifica as mudas das plantas e impermeabiliza a lama, inviabilizando a penetração das raízes", diz. A alternativa seria a criação de barreiras ecológicas, construídas com madeira, material reciclado e aço, como as desenvolvidas nos Rios São João de Meriti e Irajá. Elas impedem que os resíduos cheguem à Baía de Guanabara.

Dutos terrestres ainda estão sem regularização
Ainda hoje, seis anos após o acidente, há dutos da Petrobrás sem licenciamento. Segundo a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), todas tubulações do mar estão regularizadas, mas ainda há pendências para que o mesmo seja feito com os dutos terrestres.

Em todo o País, de acordo com a estatal, são cerca de 16 mil quilômetros de duto, 11 deles só na Baía de Guanabara, interligando a Refinaria Duque de Caxias (Reduc) ao Terminal da Ilha d´Água e ao Aeroporto Internacional Tom Jobim, na Ilha do Governador. "Dutos que saem da Reduc e passam pelo entorno, na parte terrestre, estão em fase de finalização de licenciamento. Aguardamos a análises de risco", informa a presidente da Feema, Isaura Fraga.

A Petrobrás informou que o duto que se rompeu há sei anos foi substituído por outro, que tem como diferencial a alta resistência à fadiga e uma tecnologia capaz de absorver as variações de temperatura, para evitar o que ocorreu à época, quando a ação do óleo quente fez romper a tubulação.

Sobre a situação dos manguezais próximos à Reduc, a empresa afirma ter pago multa de R$ 50 milhões, destinados à revitalização da Baía de Guanabara, e firmado um convênio de R$ 40 milhões com a Secretaria de Meio Ambiente, permitindo melhorias para outros municípios da região. Diz também ter apoiado um projeto de repovoamento de caranguejos nos manguezais da Reduc e da APA de Guapimirim. A Petrobrás lembra ter um Centro de Defesa Ambiental na Baía de Guanabara, uma embarcação para contenção e recolhimento de óleo, além de planos de emergência em todas suas instalações, para resolver problemas como vazamentos e explosões.

Apesar do grande número de acidentes já registrados, e dos significativos danos causados ao meio ambiente, a empresa conseguiu reduzir a quantidade de acidentes recorrentes, principalmente a partir de 2002.

Plano de prevenção segue no papel
A gravidade do vazamento causado pela Petrobrás em 2000 serviu de alerta para que o governo tentasse agilizar a elaboração de um Plano Nacional de Contingência, para prevenir e controlar casos de poluição por óleo em águas no País.

Obrigação legal assumida pelo Brasil dois anos antes, em 1998, ao ratificar um acordo internacional, as diretrizes ainda não saíram do papel. Porém, para o diretor de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Rui de Gois, a iniciativa "já andou bastante". Segundo ele, estão sendo desenvolvidos os planos individuais, sob responsabilidade de cada empresa potencialmente poluidora, e outro mais abrangente, chamado de plano de área, que integra todos os outros procedimentos relativos a uma determinada região de portos, terminais, dutos e plataformas.

Segundo Gois, estão sendo feitas agora as chamadas cartas de sensibilidade ambiental para derramamento de óleo, que mapeiam as áreas mais propensas aos acidentes ambientais. Já foram lançadas as cartas do Ceará e do Rio Grande do Norte e estão em processo de publicação as da Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Até o fim do ano, devem ser concluídas mais duas: Sul da Bahia e Bacia de Santos.
(O Estado de S. Paulo, 12/02/06)

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