Plantar os “rolos” de grama para evitar a erosão do solo, sem tratamento com qualquer tipo de fertilizante, pesticida ou herbicida químico no terreno. Este foi o acordo anunciado na audiência de ontem (9/02) entre o Ministério Público Federal (MPF) e o Residencial Costão Golf, que está com as obras paradas em Florianópolis desde 21/09/05. O empreendimento fica sobre um aqüífero que abastece cerca de 130 mil pessoas no norte da Ilha de Santa Catarina. O risco de contaminação do lençol freático levou a paralisação da construção até que estudos técnicos definam a questão.
O empreendedor deverá apresentar um estudo anexo de contenção de erosão para plantar a grama. O projeto será enviado até a próxima terça-feira (14/02). O MPF comprometeu-se a analisar e liberar o plantio até o fim da semana que vem se o projeto estiver “satisfatório”. “Finalmente temos uma boa notícia”, disse ao AmbienteJá o advogado do Costão Golf, Aroldo Camillo. Como o terreno já havia sido aplainado, o MPF concordou que o risco de dano ambiental por erosão e assoreamento ao Aqüífero de Ingleses existe mesmo sem o empreendimento, que continua embargado.
Depois de ter vários documentos rejeitados pela equipe técnica do MPF, o empresário Fernando Marcondes de Mattos investiu na contratação de uma equipe de peso para realizar os estudos de análise da carga poluente e avaliação dos ricos toxicológicos na área do empreendimento. O documento foi apresentado durante a reunião técnica realizada na manhã desta quinta-feira e entregue ao MPF na audiência da tarde.
O novo relatório, um calhamaço de mais de 200 páginas, foi elaborado pela Hidroplan - Hidrogeologia e Planejamento Ambiental Ltda. A empresa tem em seu corpo técnico cientistas da USP respeitados internacionalmente, como Ricardo Hirata, Everton de Oliveira e Celso Kolesnikovas. Eles compareceram à audiência para dar depoimento sobre o risco de contaminação do Aqüífero dos ingleses pelas 30 toneladas/ano de fertilizantes e pesticidas a serem utilizados na manutenção do campo de golfe.
De acordo com Ricardo Hirata, Phd em hidrogeologia e geologia ambiental, responsável pela análise da carga potencial de contaminação por fertilizantes do Costão Golf, uma porção mínima dos componentes químicos chegaria ao lençol freático, não afetando a qualidade da água. O geólogo Everton de Oliveira, Phd em hidrogeologia e especialista em contaminação de solos subterrâneos, disse que a quantidade de produtos que chegariam à água não seria suficiente para contaminá-la. Celso Kolesnikovas, doutor em hidrogeologia, avaliou se a ingestão da água poderia causar doenças à população e chegou à conclusão de que, se os contaminantes chegassem diretamente ao aqüífero, mesmo sem passar pela filtragem do solo, a chance de incidência de câncer pela ingestão da água seria de uma em um milhão. Kolesnikovas explicou que os componentes utilizados pelo empreendimento degradam-se muito rápido, alguns antes mesmo de chegar ao lençol freático, outros antes de chegar aos poços de captação.
Os três cientistas afirmaram ter trabalhado com modelos conservadores, isto é, fizeram testes com aplicação muito superior à utilizada pelo empreendimento, imaginando a pior das hipóteses. “Conheço as pessoas que fizeram o estudo, são de alto nível”, disse o geólogo do MPF, Jorge Cravo. Mas, segundo ele, houve contradições técnicas na apresentação. “Quando o modelo está pronto e é apresentado no computador, fica tudo muito bonito, mas ainda quero estudar os números que foram fornecidos para a criação do modelo”, disse. Segundo ele, o MPF vai montar uma equipe do mesmo padrão da Hidroplan para analisar o relatório. O juiz substituto da Vara Federal Ambiental de Florianópolis, Jurandi Borges Pinheiro, concedeu 100 dias ao MPF.
Pendências Legais
Marcondes de Mattos reclamou com o juiz que o processo já deveria ter sido resolvido em 2005. “Depois de R$ 7,7 milhões investidos, gastos mensais de R$ 150 mil, não podemos correr o risco de perder este empreendimento. Parou tudo, só não pararam as despesas”, disse, desculpando-se por estar emotivo. “Marque uma reunião para daqui a 60, 90 dias, mas libere a obra! Depois, se V. Exa. achar que os estudos não são suficientes, embargue de novo”, pediu. Se não houvesse impedimento legal, o campo de golfe já estaria pronto, e o condomínio seria concluído até o final do ano. Mas o empresário afirma que, se as obras fossem liberadas imediatamente, o empreendimento teria condições de ser concluído ainda este ano. “Podemos colocar um membro de uma ONG para monitorar oficialmente o andamento”, tentou negociar.
Mas, para a procuradora do MPF Analúcia Hartmann, ainda há pendências importantes a serem discutidas antes da liberação das obras. “Há uma legislação municipal pessoal, personalista e ilegal em questão [LC 133/2003], votada pela Câmara de Vereadores para favorecer o Costão Golf”, disse.
No meio da discussão, Marcondes de Mattos deixou escapar: “A lei foi feita para o Costão Golf, mas é boa para o município, pois é mais restritiva”, disse. A declaração não ficou registrada na ata da audiência.
Hartmann também exigiu que o empresário divulgue a situação judicial do empreendimento publicamente aos compradores de lotes e casas no Costão Golf. Outro ponto questionado pelo MPF foi o acesso dos órgãos ambientais à área. Segundo Apoena Figueiroa, analista ambiental do Ibama, o advogado do Costão Golf pediu ordem judicial para permitir a entrada do Ibama, que é parte ativa no processo, ao lado do MPF.
Na audiência, o empresário comprometeu-se a permitir o acesso de técnicos do MPF, Ibama, Fatma e da ONG Aliança Nativa, que também é parte no processo. A Justiça Federal também autorizou a entrada da ONG Luzes da Ilha no pólo ativo da ação - sob protesto do advogado do Costão Golf.
O juiz determinou ainda que o empreendedor entregue em 15 dias cópia do projeto de conservação do lagartinho-da-praia, espécie nativa ameaçada de extinção.
Lei municipal LC 133/2003: http://www.leismunicipais.com.br/cgi-local/geraimg2.pl?numero=133&ano=2003&cidade=Florianópolis&estado=SC&tipo=c&plchvtxt=&cod_resol=3
(Por Francis França, Ambiente JÁ, 10/02/2005)