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2006-02-09
As embarcações que cruzam a foz do Rio Macaé em direção às plataformas da Petrobras não constituem a única mudança produzida pela atividade petrolífera na paisagem da região Norte do Estado do Rio de Janeiro. Lentamente, uma indústria invisível, que se faz notar apenas na ponta excluída do processo produtivo, começa a delinear novos contornos à geografia litorânea local. De maneira dramaticamente semelhante ao fenômeno identificado pelo médico Josué de Castro no Nordeste do país, em meados do século 20, essa nova geografia da fome revela uma indústria da exclusão cujas engrenagens são alimentadas por óleo, poder político e pobreza, muita pobreza. Meio século depois de Castro, gente como o geógrafo Faber Paganoto de Araújo, do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro, mantém os olhos atentos às transformações na paisagem brasileira. Ele afirma que o contingente de migrantes que alimenta essa máquina perfaz um mesmo percurso.

Diante da baixa qualificação da mão-de-obra do município, empreiteiras e prestadoras de serviços da Petrobras contratam em outros estados trabalhadores temporários igualmente sem qualificação, porém mais baratos. Com piores perspectivas em suas cidades de origem, a maior parte do contingente permanece em Macaé, incentivada em sua maioria por uma rede assistencialista que se torna mais visível nos períodos eleitorais.

Líder na comunidade de baixa renda de Barreto, Jorge Luiz de Almeida conta que, em 2004, às vésperas da última eleição para prefeito, um mutirão que incluiu vereadores e representantes da própria administração municipal garantiu não só títulos de propriedade para moradores irregulares de uma área de manguezal, mas também uma farta – porém, temporária – distribuição de cestas básicas. Ao cabo de um mês, estava consolidada a favela Nova Esperança, que aguarda apenas as próximas eleições municipais para ganhar os paralelepípedos que ainda a diferenciam da vizinha Nova Holanda.

"A área onde foi erguida essa comunidade era farta de caranguejos. Na minha infância, o que dava de caranguejo era uma beleza", recorda Darlan Pinheiro, 60 anos, proprietário da imobiliária Darlan, que manifesta preocupação quanto ao futuro do "Eldorado de Macaé": "Imagine uma pequena cidade onde a Petrobras decidiu, repentinamente, investir bilhões de dólares. A cidade não estava preparada para isso. E continua sem estar".

No estudo Migrantes ricos e migrantes pobres – as heranças da economia do petróleo em Macaé, Faber conclui que a riqueza produzida a partir do petróleo está concentrada entre poucos na região, sem a proporcional redistribuição dos dividendos.

No estudo, Faber analisa os dois grandes fluxos migratórios para a cidade, que inclui migrantes pobres, normalmente com baixa qualificação, e a parcela dos chamados ricos, formada por trabalhadores estrangeiros, mais qualificados, geralmente contratados pelas prestadoras de serviços para a Petrobras. "Ao contrário do trabalhador com baixa qualificação, o migrante estrangeiro não fixa residência na cidade, após o término de seu contrato de trabalho. Já o de baixa renda, por pior que sejam suas expectativas, acaba por fixar moradia nas chamadas áreas de invasões", confirma o geógrafo.

"Hoje existem duas Macaés. Uma offshore, rica, que fica a 170 quilômetros da costa e outra, onshore, pobre, que tem sofrido as conseqüências da primeira", resume o presidente da Associação Comercial e Industrial de Macaé, Erodice Gaudard. "A indústria do petróleo realmente gera empregos, mas para quem tem alto grau de qualificação. A divulgação do boom petrolífero, nos últimos anos, atraiu muita gente para cá que não tinha a necessária capacitação. Hoje temos todas as mazelas de metrópoles como Rio e São Paulo", completa.

Nova fronteira aumenta cobiça
Com a vivência de quem nasceu no que já foi uma pacata cidade pesqueira, a vereadora Marilena Garcia (PT), hoje presidente da Organização dos Vereadores dos Municípios Produtores de Petróleo (Omvetro), afirma que o vocabulário de Macaé já incorporou expressões como violência e corrupção ao seu dia-a-dia. Termos, aliás, identificados como sintomas do que foi batizado de Maldição do Petróleo por estudo do Banco Mundial, de 2004 (Petróleo: meio ambiente, sociedade e economia). Só esses termos podem explicar, para ela, o porquê de tanta fartura ser insuficiente para aplacar tamanha miséria. "A riqueza petrolífera provoca fortes reações emocionais relacionadas à sua condição de patrimônio nacional. Como resultado, há uma forte tentação de se utilizar a riqueza e a política petrolífera para ganhar pontos e conseguir resultados políticos que não podem ser nada consistentes com uma legítima política de desenvolvimento. Por fim, a riqueza petrolífera abre um caminho fácil à corrupção", alerta o Banco Mundial nesse estudo.

Para se ter idéia do poço pelo qual pode ter escorrido boa parte da riqueza do petróleo na região, tramitam no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro pelo menos nove ações civis públicas impetradas pelo Ministério Público Estadual. Todas envolvendo acusações de improbidade administrativa na Prefeitura de Macaé e, em alguns casos, na Câmara Municipal, por direcionamento de licitações. Em uma dessas ações, de número 20050282004048-8, o ex-prefeito Sylvio Lopes Teixeira, que exerceu o cargo de 1988 a 2004, teve os bens bloqueados, a pedido da Justiça, para ressarcimento do erário público. Além dele, que teve R$ 888.120,10 retidos, também foram condenados o ex-secretário de Obras José Augusto Andrade Silva – que teve o mesmo valor bloqueado –, as Construtoras Avenida Ltda, Fragelli Ltda e Granito Campos Ltda, além da J.Pedro dos Santos Pavimentação e Paisagismo e de José Geraldo de Souza Godinho.

Todos, segundo o Ministério Público, teriam participado de um esquema de direcionamento de licitação para contratação de obras pela prefeitura. No fim do ano passado, todos conseguiram desbloquear seus bens, devido à concessão de efeitos suspensivos. A ação, no entanto, prossegue na Justiça.

O promotor de Justiça do Ministério Público Estadual, Leonardo Cunha, atribui justamente à fartura dos royalties a grande quantidade de ações em tramitação na Justiça do Rio. Tanto ele quanto a vereadora Marilena Garcia afirmam que a existência de uma nova fronteira geológica na Bacia de Campos, recentemente confirmada pela Petrobras, demandará maior atenção da sociedade civil sobre os royalties.

No fim do ano passado, a Petrobras comunicou à Agência Nacional do Petróleo (ANP) a descoberta de uma nova fronteira geológica embaixo da camada de sal do campo de Marlim Sul, na Bacia de Campos. Com a descoberta, que protela o esperado declínio na produção da região, especialistas confirmam a perspectiva de uma nova fase de investimentos. O que, para regozijo dos prefeitos do Norte fluminense, deverá garantir a extensão do prazo de validade da farra dos royalties.

Surto de crescimento inflou bolha especulativa
O repentino surto de desenvolvimento vivido pelo município de Macaé produziu, nos últimos anos, uma bolha especulativa na economia local, que já começa a dar sinais de estouro em setores como hotelaria, comércio, imóveis, bares e restaurantes. Ao provocar uma corrida desenfreada de novos empreendimentos comerciais, o crescimento da atividade petrolífera na Bacia de Campos inflou de forma exorbitante os valores dos imóveis da região – inclusive em áreas pobres, como favelas –, inflacionou os preços no comércio e promoveu uma corrida de novos restaurantes de vida curta.

O presidente da Associação Comercial e Industrial de Macaé, Erodice Gaudard, manifesta preocupação com os efeitos da especulação na hotelaria, que já se evidenciam com a predatória guerra de preços que resultou, por exemplo, no fechamento do Hotel Ouro Negro, no fim do ano passado. Um dos mais tradicionais da cidade, e pioneiro na acolhida aos primeiros executivos da Petrobras, o hotel, segundo ele, não teria sobrevivido à sobreoferta de vagas ocorrida com o afluxo à cidade de grandes bandeiras como Ibis, Comfort e Sheraton.

"O inchaço dessa bolha pode gerar problemas sérios no futuro, se não houver o estímulo à indústria do turismo local", adverte Gaudard, com a concordância do vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), Ângelo Vivácqua:

"Há o risco de ocorrer com a indústria hoteleira de Macaé o que aconteceu com a hotelaria de São Paulo. Nos últimos seis anos, o número de quartos duplicou de 20 mil para 40 mil. Atualmente, há cerca de 3 mil ações na Justiça de proprietários que alegam não ter, hoje, os rendimentos prometidos pelas incorporadoras quando do lançamento dos empreendimentos", compara Vivácqua, ao lembrar que, como conseqüência, as grandes bandeiras do setor hoteleiro têm se desfeito de ativos na capital paulista.

Para se ter idéia do tamanho do problema, a rede Othon vai inaugurar em junho o Imbetiba Othon Suíte, com 78 apartamentos. Antes, em maio, será inaugurado o Four Points Sheraton Macaé, que terá mais 164 apartamentos. Em setembro deste ano, será a vez do Macaé Palace e, em fevereiro de 2007, do Mercure Palace, com 100 quartos. Segundo a Macaétur, órgão vinculado à prefeitura, um número pequeno de novas vagas para a agenda de eventos da cidade, que inclui algumas das principais feiras do setor petrolífero. Não são raras, nessas ocasiões, as corridas por vagas que acabam por lotar hotéis e pousadas de cidades vizinhas.

O problema, adverte Vivácqua, reside justamente nos períodos de menor movimentação. Sem garantir um fluxo de hóspedes por meio do turismo de lazer, ele adverte para os riscos de ociosidade. Este mês, a maior parte dos hotéis já iniciou uma guerra de preços que, a longo prazo, poderá estilhaçar a rentabilidade dos negócios.

No hotel Du Lac, onde uma promoção reduziu praticamente em um terço as diárias na última semana, o quarto de casal, com direito a café da manhã, era encontrado a R$ 120. O simples, também com café, a R$ 110. Segundo informações dos funcionários do hotel, as diárias normais variam, na verdade, de R$ 290 – no quarto simples – a R$ 330, para o casal. Os hotéis Lagos Copa e Colonial, igualmente consultados, também têm praticado descontos.

O problema, explica Gaudard, é que Macaé tornou-se uma espécie de cidade dormitório, ocupada por uma população itinerante que costuma voltar às cidades de origem nos fins de semana. A despeito de atrativos naturais como praias e áreas de proteção ambiental – como a única reserva de vegetação de restinga do mundo –, o município não encontra no turismo uma fonte das mais pródigas de recursos. Segundo o presidente da Associação Comercial, o desenvolvimento dessa atividade não só garantiria uma taxa de ocupação maior para os hotéis, bares e restaurantes da cidade, como também absorveria a maior parte da mão-de-obra que, por desqualificação, se vê alijada da indústria petrolífera.

Na cidade, há imóveis de dois quartos cujos aluguéis variam de R$ 1,2 mil a R$ 6 mil em bairros de classe média e classe média alta de Macaé. Mesmo na favela Nova Holanda, cujas ruas foram percorridas pela reportagem, foi possível encontrar moradias de um quarto cujo aluguel (R$ 350) mensal equivale ao de um conjugado no Catete, bairro da Zona Sul do Rio – caracterizada igualmente pela força da especulação imobiliária.

Proprietário da Darlan Imóveis, o corretor Darlan Pinheiro atribui a especulação ao repentino crescimento da cidade, que estimulou uma demanda desenfreada na região. Com uma taxa de ocupação na faixa de 80%, o mercado imobiliário de Macaé, segundo Pinheiro, já começa a dar sinais de normalização. A construção de novos imóveis, segundo ele, começa a contribuir para um recuo nos valores praticados no mercado.

"Hoje existe praticamente a necessidade de uma nova Macaé dentro da Macaé atual, para suportar a especulação", afirma o corretor, ao afirmar que o preço do metro quadrado no município, hoje, supera em quase duas vezes o valor considerado por ele como razoável. "Hoje o metro quadrado é encontrado por até R$ 3 mil, enquanto o razoável seria de R$ 1,2 mil", compara.

Para o corretor, embora decorra necessariamente da relação entre oferta e demanda do mercado, a corrida imobiliária também teria recebido um generoso estímulo da própria prefeitura. Segundo ele, ao determinar o aumento do gabarito máximo dos imóveis em bairros como Imbetiba (de três para 14 andares), a administração municipal acabou por fomentar a especulação no local.

Royalties mal aplicados
De pé sobre o patíbulo, com os braços algemados cruzados sobre o peito, o fazendeiro Manoel da Motta Coqueiro mais se assemelhava a um mártir do que à tão decantada fama bestial. Ao lado, o padre rezava as últimas orações. Na mão direita, uma bíblia; na esquerda, um crucifixo. Rodeados pelo carrasco de capuz encarnado e por oito soldados de baionetas caladas, os dois centralizavam o olhar atento da multidão na praça da pequena Macaé. Quando a corda finalmente lhe enlaçou o pescoço, naquele 6 de março de 1855, o ponteiro do relógio principal marcava duas da tarde. Foi quando perguntado sobre sua última vontade, Motta Coqueiro rogou com todas as forças que lhe restavam a praga que até hoje parece assombrar o antigo povoado:

"Eu sou inocente. Minha maldição é que esta cidade vai pagar cem anos de atraso pelo que me fez", bradou, segundos antes de tornar-se o último condenado à morte por enforcamento na história do Brasil.

Acusado sem provas de chacinar a família de Francisco Benedito da Silva, seu agregado, Motta Coqueiro protagonizou um episódio que, segundo a literatura judicial, contribuiu para a extinção da pena capital no Brasil, já durante a República, em 1890. Embora ocorrido há 151 anos, o fato imortalizado na obra de José do Patrocínio parece não ter se apagado da memória daqueles que, até hoje, atribuem à praga de Motta Coqueiro – chamado à época de Fera de Macabu, em alusão ao local do crime, Conceição de Macabu, então distrito de Macaé – o fato de o município com a segunda maior arrecadação de royalties do país sofrer com dívidas, desequilíbrio orçamentário e mazelas como favelização, tão comuns aos municípios excluídos da riqueza do petróleo.

Para o presidente da Associação Comercial e Industrial de Macaé, Erodice Gaudard, só mesmo a maldição de Motta Coqueiro justificaria tamanhas contradições. "A gente se pergunta se a praga de Motta Coqueiro ainda não teria acabado. Apesar de prometer 100 anos de atraso para a cidade, parece que a praga ainda não venceu", ironiza Gaudard, ao lembrar que o impropério foi proferido há 151 anos.

Campista do distrito de São Fidélis, o presidente da Associação Comercial, ele mesmo um migrante, fala com a propriedade de quem escolheu Macaé para viver há 30 anos. Responsável por uma entidade que congrega cerca de 800 associados, alerta para as conseqüências do que considera a suprema contradição vivida hoje pelo município: os efeitos da "maldição do petróleo" para o equilíbrio econômico-financeiro da cidade.

"Macaé deve ser o único município, entre os principais arrecadadores de royalties, que é obrigado a gastar esses recursos mais com problemas sociais decorrentes da atividade petrolífera do que com desenvolvimento. Outros municípios podem aplicá-los em infra-estrutura, por exemplo", adverte Gaudard, ao alertar para o aumento da violência e da favelização.

Os números não só justificam os temores do presidente da Associação Comercial, como também demonstram que a maldição de Motta Coqueiro se traduz hoje não apenas pelas mazelas sociais, mas também pela prodigalidade da administração municipal. Que o diga um levantamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE), batizado de Estudo Socioeconômico de 2005 de Macaé. Ao englobar o período 1999-2004, o documento identifica sérios desequilíbrios orçamentários no município, que chegaram, até 2004, a comprometer o princípio da responsabilidade fiscal.

"Macaé teve uma receita total de R$ 536.166.375,80 em 2004, ou 0,9286 vezes a sua despesa total, não apresentando equilíbrio orçamentário", afirma o estudo do TCE, ao ainda concluir que "suas receitas correntes estão comprometidas em 68% com o custeio da máquina administrativa". Ainda segundo o levantamento, apesar de manter a terceira carga tributária per capita entre os municípios fluminenses (R$ 550,31), Macaé teve, em 2004, 81% de suas receitas provenientes de repasses dos royalties do petróleo, do Estado e da União. Só os royalties, confirma o estudo, responderam por 54% da receita total.

Dessa forma, apontou o TCE, o grau de autonomia financeira do município – traduzido pela capacidade de se financiar só com a arrecadação de impostos sustentáveis – se limita a 22,2%. Mesmo com todo o esforço arrecadatório da administração municipal, os impostos responderam por 17,4% da receita total. O problema se agrava, de acordo com o TCE, se analisados os números referentes às despesas municipais. Se, por um lado, a receita per capita com impostos já se mantém alta, por outro, a disciplina na hora de gastar parece não ter sido o forte do município, pelo menos até 2004. No ano retrasado, ainda segundo o Tribunal, a receita realizada chegou a R$ 536 milhões. Apesar de significativa, revelou-se insuficiente para dar conta de um montante total de despesas executadas de R$ 577,4 milhões, no mesmo período.

Em 2004, 68% da receita municipal estava comprometida com despesas de custeio, que incluem salários do funcionalismo e outros gastos administrativos só para manter a máquina do governo em funcionamento. Entre 1999 e 2004, o crescimento das despesas, de 573%, foi inferior à evolução das receitas do município, de 478%.

Com tanto dinheiro disponível por conta das atividades da Bacia de Campos, especialistas em contas públicas afirmam que não há por que a administração da cidade se encontrar, como Motta Coqueiro, com a corda no pescoço. Até 2010, a Petrobras pretende investir US$ 25,7 bilhões na Bacia de Campos, o equivalente a 80% dos recursos da empresa em exploração e produção para todo o país. A cidade sedia, hoje, mais de quatro mil empresas, entre elas, gigantes offshore, como Halliburton, Schlumberger e Cooper Cameron. Ou seja, está na hora de exorcizar o fantasma da Fera de Macabu.

Decepção no Eldorado
Quando saiu de Belo Horizonte rumo a Macaé, em 2002, Noé de Souza Neto levava consigo o diploma de ensino médio que lhe garantiria um emprego no Eldorado do Petróleo e o sonho de proporcionar uma vida melhor à esposa, Shirlei, e para a filha, Monique, então um bebê. Hoje, aos 37 anos, Noé mora em uma favela macaense e protagoniza uma disputa judicial que envolve a Limpind Montagem Naval e Industrial, que o contratou, e a Petrobras. Sua mão foi esmagada em um acidente ocorrido em um canteiro da estatal, onde trabalhava. – Hoje, vivo dos R$ 402 que recebo do INSS e do dinheiro que Shirlei ganha como faxineira – conta, enquanto desfaz a atadura que desvela o que sobrou da mão, disforme, do tamanho de uma luva de boxe.

Os advogados da Petrobras a eximem da responsabilidade de indenizá-lo, atribuindo-a à empreiteira contratada, afinal, pela estatal. Já a Limpind informa que prestou a devida assistência ao ex-funcionário. Noé, porém, acusa a empresa de tê-lo abandonado 22 dias em um posto de saúde.

Noé se mostra desapontado com a indústria que confere a Macaé uma renda per capita de R$ 11 mil (30% acima da média nacional) e Produto Interno Bruto (PIB) equivalente a 1,9% de todo o estado. Entre 1980 e 2000, a população de Macaé saltou de 75.863 habitantes para 132.461 habitantes – alta de 2,86%, ante 1,22% no estado e 1,793%, no Brasil. A corrente migratória fez surgir cinco novas favelas surgiram em Macaé nos últimos cinco anos.

O secretário de Trabalho de Macaé, Claudio Bogado, admite que os royalties são insuficientes para enfrentar as contradições produzidas pelo petróleo. De 1997 a 2005, o montante para estados e municípios saltou 3.670%, de R$ 32,849 milhões para R$ 1,23 bilhão.

Bares e restaurantes no centro da especulação
O setor de bares e restaurantes foi o primeiro a acusar o golpe da especulação no setor de serviços do município de Macaé. Após um boom de novos estabelecimentos que prometiam os requintes da culinária internacional, com a chancela das mais badaladas grifes de Ipanema, a bolha estourou. Chefes como o boliviano Checho Gonzáles, do restaurante Pecado, e Paulo Neroni, do Margutta, são apenas dois exemplos de expoentes da alta gastronomia que não sobreviveram ao peculiar gosto médio de uma cidade-dormitório. Se já não cerraram as portas de seus estabelecimentos na cidade, como Checho, pelo menos foram obrigados a adequar os projetos originais a propostas mais realistas. Caso do Misus, de Neroni. Quanto ao outro restaurante do chef do ipanemense Marguta, o Mare Blue, a opção também foi pelo fechamento. "Negócios muito segmentados, com propostas muito ousadas, para uma população de cidade pequena, não têm muito futuro", diagnostica o presidente da Associação

Comercial e Industrial de Macaé, Erodice Gaudard. Tanto o presidente da Associação Comercial quanto comerciantes da cidade identificam um outro fenômeno, ainda menos glamouroso, para explicar o insucesso de alguns desses restaurantes: a drástica redução das terceirizações da Petrobras e o fim do ciclo de desenvolvimento da produção na Bacia de Campos. Tais fenômenos, segundo esses mesmos comerciantes, teriam reduzido consideravelmente o número de empresas na cidade. Com a menor freqüência de executivos, os reflexos sobre a demanda por esse tipo de serviço tornaram-se inevitáveis.

Se o mar de Macaé se revelou impróprio para os profundos mergulhos dos chefs da alta cozinha da Zona Sul do Rio, tem se revelado pródigo, no entanto, para navegantes mais experimentados na Bacia de Campos. Um desses exemplos é Gerson Lucas Martins, proprietário dos restaurantes Ilhote Sul e Lucca, juntamente com seus dois irmãos, Renato e Lucas. Sem deixar a modéstia de lado, Gerson admite não ter do que se queixar. Ex-funcionário de plataforma da Petrobras, pegou a indenização de um programa de demissão voluntária, há 16 anos, e convenceu os irmãos a abrir o Ilhote.

O bar, especializado em iguarias marinhas e chope gelado, rendeu frutos e, há quatro anos, os irmãos macaenses decidiram inaugurar o Lucca, um restaurante com ar mais chique, mas que também não abre mão de opções mais em conta no cardápio. O segredo do sucesso? É Gerson mesmo quem dá: "Você tem que servir de tudo em seu restaurante, porque o público daqui é mesmo aquele que vai ao restaurante, nos horários de almoço do trabalho, para comer aquela picanha. Eu sirvo frutos do mar, mas também opções mais em conta. E, claro, também não abro mão do bom atendimento", receita Gerson, sem querer entrar no mérito do negócio alheio.
(Jornal do Brasil, 08/02/06)

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