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2006-02-09
O Parque Nacional da Serra da Bocaina, criado em 1971, tem 106 mil hectares de mata atlântica que cortam seis municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo, área de preservação permanente, de acordo com a legislação ambiental. É o que está no papel. Na realidade, o que permanece na região são crimes ambientais como a ação de posseiros que derrubam e queimam a floresta, transformando a Bocaina em pasto para a criação de gado.

A equipe da Agência Estado sobrevoou na terça-feira (7) a região e constatou clareiras na mata que denunciam a prática criminosa. Alertados pelo barulho da aeronave, homens armados tocavam o gado para dentro da floresta. Chefe do parque há oito meses, Dalton Novaes admite que "hoje, entra quem quer, do jeito que quer, e faz o que quer" na Bocaina. Ele estima que pelo menos 400 hectares de mata atlântica primária foram destruídos pela criação ilegal de gado.

Atualmente, cerca de 200 cabeças estão no parque, controladas por posseiros, supostamente a mando de pecuaristas de Cunha (SP) e Lorena (SP), principalmente. "Os peões recebem R$ 10 por mês por cabeça de gado, é muito barato. Engordar o boi na terra dos outros é um ótimo negócio. Como o boi geralmente não é marcado, fica difícil identificar os proprietários", disse o analista ambiental Adilson Gil.

O Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis montou na terça-feira uma operação inédita com apoio do Exército, do Batalhão Florestal da Polícia Militar e da Polícia Rodoviária Federal para retirar bois que pastavam na Bocaina. A estrada Paraty-Cunha, que corta o parque, foi interditada. Policiais usaram cavalos para tocar, agrupar e confinar o gado. Um fazendeiro de Paraty cedeu o pasto para receber os animais provisoriamente.

O chefe do parque defende medida polêmica para melhorar o controle de quem entra e sai da Bocaina: a pavimentação do trecho de 9.640 metros da estrada que corta o parque, a instalação de guaritas nos dois acessos, a limitação do acesso de veículos e a cobrança de um pedágio "um pouco salgado", como forma de compensação. "O portão vai fechar durante a noite e a madrugada, quando ocorre o transporte do gado", disse Novaes. "Sei que existe uma bronca de alguns ambientalistas com a pavimentação, é lógico que vai haver algum impacto, mas hoje o dano é bem maior."

Danos da pecuária ilegal - O gerente-executivo do Ibama no Rio, Rogério Rocco, disse que o plano de manejo da Bocaina, já aprovado, prevê a pavimentação por bloquetes de concreto, que permite a permeabilidade do solo, ao contrário do asfalto. Novaes detalhou o ciclo de danos provocado pela pecuária ilegal: o posseiro primeiro desmata, depois usa fogo para impedir a rebrota, introduz o capim brachiaria, espécie exótica na Bocaina, e amplia continuamente o pasto com o corte seletivo de madeira, também usada nos currais.

Para o analista Gil, a recuperação da vegetação de mata atlântica com o replantio pode durar de cinco a 10 anos. O parque corta os municípios de Angra, Paraty, São José do Barreiro, Ubatuba, Cunha e Areias. Outros 14 ficam no entorno da Bocaina, que tem rios rápidos devido ao relevo e cachoeiras como a de Santo Isidoro, no Rio Mambucaba. Além do desmatamento, da grilagem e da invasão de terras por posseiros, a extração ilegal do palmito é outro problema grave na região.

O parque abrange ainda o ecossistema costeiro e marinho de Trindade, também de proteção integral, onde quiosques instalados nas praias, segundo Novaes, "têm uma coleção de autos de infração". "Estou de mãos amarradas, faço a minha parte, agora é com a Justiça. Se eu pudesse, derrubava tudo", disse o chefe do parque. Ele admitiu que é comum a negociação de terras do parque, mas disse que "a pessoa compra um abacaxi", porque os documentos não têm validade legal.

Vinte e cinco militares do Exército apóiam o Ibama no planejamento, na coordenação e na comunicação de todas as ações. "É um trabalho integrado que ocorre pela primeira vez e uma maneira de mostrar a presença do Estado, da União, garantindo a lei e a ordem", disse o tenente-coronel Munir Mohi, do Comando Militar do Leste. Ao todo, cerca de 250 pessoas participam da operação, que começou no domingo e vai durar uma semana.

Parado numa blitz do Ibama, o italiano Tommazo Mambrini recusou-se a sair da Pajero Sport e a abrir a mala do carro. "Não reconheço a autoridade de vocês, não deixo ninguém olhar meu carro na Itália." Ficou trancado por 15 minutos, com o carro ligado e caminhonetes do Ibama impedindo sua passagem. Com a chegada de policiais civis, ouviu que seria conduzido para a delegacia se não permitisse a revista. Saiu do carro, abriu a mala, mostrou um isopor com camarão e foi liberado. "Isso é palhaçada, deveriam é asfaltar a estrada", disse.

Rocco reúne-se quinta-feira (9) com prefeitos de Cunha, Angra, Paraty e Guaratinguetá, representantes da Eletronuclear e do governo do Estado para fechar um acordo em torno da pavimentação. "Já temos a aprovação, falta o dinheiro para a obra, mas o governo do Rio disse que faz e a Eletronuclear tem interesse. Vai ter gente contra, mas temos um instrumento, que é o plano de manejo. É uma obra de interesse para a conservação e o controle do parque".
(Estadão Online, 09/02/06)

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