Técnicos buscam solução para cheias em Caxias do Sul
2006-02-08
Chuva intensa em Caxias já virou sinônimo de alagamento. A que ocorreu no final
da tarde de domingo (durou pouco mais de 40 minutos, mas foi equivalente a um
terço da média mensal de precipitação (que chega a 160 milímetros) e suficiente
para causar transtornos em diversos locais da cidade. Para o secretário municipal
de Obras, Mauro Pereira, são problemas pontuais, ocasionados pela idade da rede
de esgotos e pelo descuido da população, que joga lixo em locais inadequados.
Para especialistas, a prefeitura também tem culpa.
Professor titular do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Carlos Tucci afirma que as galerias de
esgoto se rompem por causa do acúmulo de sujeira em seu interior. Ele diz que a
única maneira de evitar os acidentes, já que não há como obrigar as pessoas a
deixarem de jogar lixo nas ruas, é limpando os locais onde os dejetos se acumulam.
- A manutenção desses locais é parte do serviço que o município tem que fazer,
cobrando ou não da população. É um serviço que custa caro, mas precisa ser feito -
destaca Tucci.
Professor de Sistemas Hidráulicos do curso de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de Caxias do Sul (UCS), Marcelo Benetti lembra que não há
equipamentos tecnológicos para resolver esse problema nem grades de contenção
capazes de evitar os entupimentos. Para ele, a prefeitura tem apenas uma maneira
de solucionar isso:
- Da maneira mais primária: colocando alguém lá embaixo para limpar. Em Porto
Alegre, isso é muito comum.
O secretário Pereira garante que tem feito esse trabalho em Caxias. Cita as
limpezas nos arroios Tega e Pinhal realizadas no ano passado, mas não apresenta
nenhum programa de limpeza periódica das galerias de esgoto. Só no ano passado,
17 delas se romperam, segundo ele. A causa, na maioria delas, foi o lixo
acumulado.
Sistema brasileiro é ultrapassado
Para o professor do IPH da UFRGS Carlos Tucci, os problemas de alagamento em
Caxias e na maioria dos municípios brasileiros se resumem a um fator: o sistema
de drenagem do Brasil está atrasado pelo menos 35 anos. Em países do Primeiro
Mundo já foram adotadas outras medidas - como a construção de caixas de retenção
pluvial semelhantes às que estão sendo feitas em Novo Hamburgo desde o ano
passado e em Porto Alegre desde 2000.
- Os Estados Unidos não usam o mesmo sistema que o nosso desde os anos 70.
O professor da UCS Marcelo Benetti explica que o sistema de galerias de esgoto
utilizado no Brasil faz a água chegar mais rapidamente aos rios e acaba
sobrecarregando as redes. Ele atribui isso principalmente a dois fatores.
Primeiro, ao volume de chuva, que, devido ao desequilíbrio ecológico, tem sido
maior do que as estatísticas feitas ao longo da história e que ainda são usadas
como base para as empresas que constroem redes de esgoto. O segundo fator é a
ocupação urbana.
- Com a construção de casas e asfalto, a chuva não penetra mais no solo e acaba
escoando para um local só.
"A canalização é de 20 anos atrás"
Entrevista com Mauro Pereira, secretário de Viação e Obras Públicas
Pioneiro: O que o senhor quer dizer quando afirma que os alagamentos de Caxias
são pontuais?
Mauro Pereira: Há alagamentos históricos e pontuais. No bairro São José, qualquer
chuvinha alagava, era histórico. Esses alagamentos de ontem (domingo) são
pontuais, não aconteciam. Cada bairro teve um problema específico. No geral, por
causa de redes antigas, canalizações pequenas e acúmulo de lixo.
Pioneiro: O que será feito nesses casos?
Pereira: Primeiro, temos que fazer uma trabalho conjunto com os moradores, uma
conscientização quanto ao lixo, e fazer a nossa parte, que é limpar. Mas tem
boca-de-lobo que só vemos que está suja quando começa a chover e entope. Na
maioria das vezes, isso ocorre em canalizações pequenas. Em 2005, trocamos quase
20 mil metros de canos, substituindo redes antigas e fazendo novas galerias.
Esses problemas pontuais nós estamos verificando e tentando solucionar. Ontem
(06/02/06) [segunda-feira], temos cinco equipes trabalhando nesses locais.
Pioneiro: O plano de drenagem urbana feito para Caxias pelo Instituto de
Pesquisas Hidráulicas da UFRGS é aplicado?
Pereira: Esse plano foi feito em 2000, e as administrações que passaram fizeram a
parte delas também, só que tudo custa muito dinheiro. Também há planos dos
técnicos da prefeitura, mas tudo passa por recursos. Estamos buscando linhas de
financiamento. Infelizmente, o sistema de esgoto de Caxias é, em sua maioria, mal
dimensionado. São tubulações pequenas e antigas. Aumentou a demanda e a
canalização é de 20 anos atrás.
Pioneiro: Então não é só problema pontual, é estrutural, não é?
Pereira: Quando eu falo pontual, é porque são lugares que não inundavam. O
problema estrutural de Caxias é seriíssimo. Mas temos os problemas pontuais, que
foram os que ocorreram. Não é como no São José, onde fizemos duas canalizações
grandes, que era um problema histórico.
Pioneiro: E corre-se o risco de esses problemas pontuais se tornarem históricos?
Pereira: Eu confio no trabalho da minha equipe.
Pioneiro: Há algum serviço que possa ser acionado pela população quando estiver
ocorrendo um alagamento?
Pereira: Estamos à disposição. Tem o telefone do plantão da Secretaria de Obras e
os meus celulares, podem ligar. Quando dá para resolver na hora, resolvemos.
Muitas vezes, é só um monte de capim na boca-de-lobo. Você tira e a água vai
embora. Mas há outros casos em que é preciso ir uma escavadeira no dia seguinte
para fazer um conserto.
Caixas retêm água
Desde dezembro de 2004, quando entrou em vigor o novo Plano Diretor de Novo
Hamburgo - outra cidade que enfrenta problema de alagamentos -, algumas medidas
estão sendo adotadas para evitar os transtornos. A construção de caixas de
retenção pluvial, que desde 2001 era solicitada apenas informalmente na cidade,
virou lei e é obrigatória em todas as casas, prédios e pavilhões erguidos a
partir de 2005.
- São como cisternas, só que em vez de reterem a água definitivamente, vão
largando aos poucos. Elas têm duas aberturas: uma em cima, que recolhe a água da
chuva que cai no telhado e na calçada, e outra embaixo, bem menor, que vai
liberando a água para a rede aos poucos, evitando que toda a água da chuva chegue
no esgoto ao mesmo tempo e sobrecarregue as canalizações - explica o secretário
de Obras Públicas da cidade, Renato Raymundo Pilger.
O projeto das caixas foi elaborado com base nas recomendações do professor do IPH
da UFRGS Carlos Tucci, que é doutor em Hidrologia. Ele deu a mesma sugestão para
Caxias em um plano de drenagem feito para a prefeitura em 2000.
(Pioneiro, 07/02/06)