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2006-02-08
As evidências de que a temperatura média na Terra vem subindo rapidamente, ameaçando a saúde do planeta, se reforçaram na semana passada com a divulgação de uma pesquisa da Nasa, a agência espacial americana. O estudo revela que 2005 foi o ano mais quente desde que a temperatura global começou a ser medida, no fim do século XIX. A medição, feita por satélites e estações meteorológicas instaladas na terra e no mar, mostrou também que os termômetros apresentaram as maiores elevações nos pólos e nas regiões mais altas do Hemisfério Norte, como o Alasca, a Sibéria e a Groenlândia. Até agora, o ano mais quente na Terra havia sido 1998, quando a ocorrência do El Niño, a corrente de águas quentes do Pacífico que atinge periodicamente as costas da América do Sul, deixou um rastro de anomalias climáticas no mundo inteiro. Segundo os cálculos da Nasa, as temperaturas mais altas da história foram todas registradas nos últimos oito anos. Os dados confirmam o que outros estudos já haviam concluído: em conseqüência da emissão de gases tóxicos produzidos pela atividade humana, que permanecem na atmosfera e provocam o chamado efeito estufa, a temperatura na Terra subiu 1 grau no último século – mais da metade disso nos últimos trinta anos.

Um grau parece pouco, mas é o suficiente para desequilibrar a complexa relação de forças que regem a natureza. Segundo dados da ONU, no ano passado ocorreram 360 desastres naturais no planeta, 18% a mais que em 2004. A maior parte das catástrofes de 2005 está relacionada às mudanças climáticas: foram 168 inundações, 69 tornados ou furacões e 22 secas, que transtornaram a vida de 154 milhões de pessoas. No mesmo ano, os terremotos, erupções vulcânicas e outros desastres naturais sem ligação direta com o clima atingiram menos de 4 milhões de pessoas. No início do século XX, as catástrofes ocasionadas pelo clima não passavam de três por ano. Os cientistas prevêem que, até 2100, a temperatura média da Terra estará de 2 a 8 graus mais elevada. Isso acarretaria uma série de alterações que vão desde o derretimento da calota polar do Ártico, elevando o nível dos oceanos e inundando as cidades à beira-mar, até a multiplicação das pragas que dizimam as populações da África Central. "Daqui a trinta ou quarenta anos, a região central do Brasil poderá estar tão seca que talvez não seja mais possível cultivar soja em seu solo", alerta Paulo Artaxo Netto, geofísico da Universidade de São Paulo.

Na semana passada, enquanto a Nasa anunciava os resultados de sua pesquisa, o governo da Inglaterra divulgou um relatório afirmando que os efeitos do aquecimento global podem ser ainda mais nefastos do que se supõe. Segundo o texto, será muito difícil alcançar os objetivos do Protocolo de Kyoto, pacto pelo qual os países industrializados se comprometem a diminuir a emissão dos gases responsáveis pelo efeito estufa, principalmente o monóxido de carbono, produzido por carros, indústrias e usinas termelétricas. "É evidente que a emissão de gases, associada ao crescimento industrial e econômico da população mundial, que aumentou seis vezes nos últimos 200 anos, está aquecendo a Terra numa velocidade insustentável", escreveu o primeiro-ministro inglês Tony Blair na introdução ao relatório. O climatologista David King, consultor ambiental do governo inglês, reconhece que será difícil estabilizar a concentração de monóxido de carbono na atmosfera daqui a dez anos, como seria desejável. "O problema é convencer os países a alterar o funcionamento de suas indústrias e usinas de energia, que beneficiam a população, para combater o efeito estufa", ele diz.

É fácil entender o pessimismo de King. Os Estados Unidos – responsáveis por 36% da emissão mundial de gases do efeito estufa – se recusam a aderir ao Protocolo de Kyoto. Apesar de todas as evidências em contrário, o presidente George W. Bush insiste em que o aquecimento global está sendo superestimado. Além disso, ele alega que as medidas para combatê-lo iriam prejudicar a economia americana. "As mudanças no clima do planeta só irão sensibilizar Washington quando começarem a afetar seus interesses", disse a VEJA Lonnie Thompson, climatologista da Universidade do Estado de Ohio. A intransigência do governo americano em participar do esforço internacional para frear o efeito estufa criou recentemente um conflito entre os diretores da Nasa e James Hansen, há quarenta anos um dos principais climatologistas do órgão, responsável pela pesquisa que apontou 2005 como o ano mais quente da história. Numa entrevista à imprensa, Hansen declarou que "sem a liderança dos Estados Unidos, a Terra está à beira de se tornar um planeta irreconhecível". Segundo o cientista, foi o suficiente para que a direção da Nasa tomasse uma série de providências para tentar censurar o conteúdo de suas entrevistas e palestras. De qualquer forma, pelo ritmo em que se processam as alterações no clima da Terra, parece ser questão de tempo para que os Estados Unidos admitam que se está diante de um problema que afeta todos os habitantes do planeta.
(Veja, 06/02/06)

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