Os órfãos do carvão estão à espera dos royalties
2006-02-07
A população faz coro ao apontar a maior carência das cidades do Norte de Minas Gerais: emprego. Durante décadas, a produção de carvão vegetal desordenada proporcionou trabalho aos habitantes da região mas transformou a paisagem, famosa pelas veredas. O maior rigor na fiscalização ambiental nos últimos anos está devolvendo o cerrado e arrancando a única atividade econômica relevante dos sertanejos.
O sustento da família de Maria Gomes, com 12 filhos, é o Bolsa-Família. Já foi a carvoaria, na qual todos trabalhavam. Hoje só há lugar para um: o marido de Maria ganha R$ 12 por dia nos fornos. Só que nem todo dia há serviço. Em vez de queimar a mata nativa, os produtores foram obrigados a investir no cultivo de eucaliptos para utilizá-los na carvoaria.
Os produtores de carvão reduziram ou abandonaram a atividade por causa das novas obrigações impostas pelo governo federal, como relatam funcionários da Prefeitura de Santa Fé de Minas. O chefe de gabinete da prefeitura, Anderson Braga, reconhece a necessidade ambiental de combater a destruição do cerrado. Critica, porém, o fato de os municípios não terem recebido aumento nas transferências governamentais para compensar o desemprego. "Não tivemos nem mais um tostão por causa desta lacuna. A depredação tinha de ser combatida, mas a população ficou mais carente", afirma Braga. Ele aposta nos royalties do gás natural e petróleo para reinvestir em alternativas de emprego. Na gaveta por falta de verba, há projetos de cultivo de buritis, palmeiras que proporcionam artesanato e produção de móveis.
Sem infra-estrutura e saneamento, a população de Buritizeiro aguarda por um lugar ao sol nos investimentos de R$ 2,7 bilhões da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). O orçamento vale de 2002 a 2006, conforme lembra o secretário de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, Wilson Brummer. O secretário admite a falta de saneamento, mas se orgulha da ênfase à educação. "Você viu que as crianças vão à escola, mesmo em lugares distantes". De fato, nenhuma das famílias entrevistadas nesta reportagem tinha crianças fora das salas de aula. Nas redondezas do Córrego do Doce, a cinco quilômetros do centro de Pirapora, alunos caminhavam até três quilômetros para chegar à escola. Hoje passa ônibus escolar por quase toda a região.
Paulo de Santana, presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável de Buritizeiro, questiona o governo federal na transposição do Rio São Francisco. "Por que fazer uma obra monumental para atender a regiões mais distantes antes de investir em encanamento barato para as localidades que estão na beira do Rio?"
(Gazeta Mercantil, 06/02/06)