Fórum Mundial da Água reúne grupos a favor e contra a privatização
2006-02-06
Muitos profetizam que as guerras do futuro serão pela água, mas não será preciso esperar muito para presenciar ruidosos conflitos: prevê-se que em março, durante o IV Fórum Mundial da Água, no México, voltem a se chocar visões a favor e contra a privatização desse recurso. Diariamente, morrem no mundo entre dois e cinco milhões de pessoas por causas relacionadas com a escassez ou a má qualidade do líquido, e um bilhão não têm acesso a ele. Os investimentos necessários para melhorar o acesso são ingentes e, embora os governos assumam a maioria do gasto, a participação privada cresce de maneira exponencial.
O Fórum do México é o quarto, depois dos de Marrocos (1997), Holanda (2000) e Japão (2003). Os encontros são organizados pelo Conselho Mundial da Água, criado em meados dos anos 90 por personalidades ligadas ao setor empresarial, acadêmico, científico e social. O Conselho foi fundado, entre outros, por ex-funcionários do Banco Mundial e empresários de multinacionais, como a francesa Suez. Sua presença irrita os grupos não-governamentais que se opõem ferreamente à idéia da água transformada em mercadoria nas mãos do setor privado.
Estes grupos denunciam que o Fórum defende a privatização da água e lamentam que tenha se convertido no principal espaço de discussão global sobre o tema, diante da falta de uma instância exclusiva no contexto da Organização das Nações Unidas. Não existe, atualmente, uma convenção global da ONU dedicada à água, como as que abordam a mudança climática ou a biodiversidade, por exemplo. Segundo os organizadores do encontro, entre eles o governo anfitrião do presidente Vicente Fox, o Fórum é um espaço plural e aberto ao debate. E, embora suas resoluções não sejam vinculantes, afirmam que o Fórum definirá muitas políticas no futuro.
Pelo menos cerca de oito mil pessoas de todo o mundo participarão do encontro, que acontecerá entre 16 e 22 de março, em um luxuoso centro de convenções da capital mexicana, com patrocínio de empresas aéreas, de telefonia e fabricantes de refrigerantes e cerveja. O propósito final, dizem, é conseguir reduzir à metade, até 2015, a porcentagem de pessoas que carecem de água potável no mundo. O objetivo faz parte da sétima das Metas de Desenvolvimento do Milênio – estabelecidas em 2000 –, nas quais a proposta é “garantir a sustentabilidade do meio ambiente”.
Para quem promove a todo custo a privatização, somente colocando preço na água e arrebatando seu manejo das “ineficientes mãos dos sistemas estatais” se poderá cumprir tão ambiciosa meta. Atualmente, menos de 10% dos serviços relacionados com a água estão em mãos de particulares, mas, somente entre 1990 e 1997, a participação financeira desse setor aumentou 7.900% nos países em desenvolvimento, segundo Gustavo Castro, pesquisador do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas de Ação Comunitária, do México.
As multinacionais não escondem seu interesse na construção de represas e na distribuição da água e seu processamento. Tiveram êxito em muitos países, como o Chile, mas em outros, entre eles Bolívia e Argentina, foram acusados de mau manejo, mau serviço e cobrança de tarifas altas. Segundo o Conselho Mundial da Água, no ritmo atual de investimentos hídricos públicos e privados, o acesso a esse recurso não poderá ser garantido a não ser em 2050 na África, 2025 na Ásia e 2040 na América Latina e Caribe.
Porta-vozes do Fórum afirmam que sua posição sobre o papel do setor privado na gestão hídrica é totalmente imparcial. Uma delas, Rina Mussali, diz que “de modo algum promovemos a privatização. O que o Fórum faz é oferecer uma plataforma de diálogo e discussão. Não tomamos posições, não vamos falar de privatização ou não, e vamos oferecer uma plataforma aberta para que se discuta”, garantiu Mussali, que também trabalha para a governamental Comissão Nacional da Água (CNA), do México.
Do universo de participantes do IV Fórum Mundial da Água, organizado em grande parte pela CNA, entre 15% e 20% serão organizações da sociedade civil e haverá total liberdade para exporem suas experiências, acrescentou Mussali. Porém, os ativistas dizem que essas são apenas palavras. Segundo Marta Delgado, da não-governamental Aliança Mexicana para uma Nova Cultura da Água, a CNA não demonstrou capacidade nem abertura com os grupos sociais na organização do encontro. Claudia Campero, porta-voz da coalizão das Organizações Mexicanas pelo Direito à Água, concorda. “Nos três primeiros fóruns, se manifestou uma política aberta em favor da privatização da água. Agora, o discurso foi moderado e falam em promover a participação social e a pluralidade, mas continuam no mesmo caminho”, afirmou Campero. “Nós conhecemos sua forma de trabalho e há muitos filtros para limitar a participação da sociedade civil, inclusive uma taxa de inscrição de US$ 600”, acrescentou.
A questão do custo é certa, pois se trata de um acontecimento caro, mas há formas de financiá-la e garantir a participação de todos, “assim que são convidados”, respondeu Mussali. A Coalizão, que reúne 18 organizações mexicanas, e outros conglomerados, já coordena ações com seus similares estrangeiros para se manifestarem durante o Fórum. Grupos camponeses, ambientalistas, estudantis e acadêmicos, contrários ao processo de globalização atual, realizarão assembléias, marchas e debates alternativos ao Fórum.
Consultado sobre estas posturas, Ricardo Sánchez, diretor para a América Latina e o Caribe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), pediu para “não se estigmatizar o Fórum pelo fato de em sua origem haver empresas privadas”, e assegurou que a CNA fez “um trabalho excelente” de organização.
Em seu entender, o Fórum é “o maior evento mundial para discutir o tema da água, tão crucial no mundo. Deve-se observar a questão por todos os lados. No Fórum estarão acadêmicos, pessoas do setor privado e de governos”. O diretor-geral do Pnuma, Klaus Toepfer, participará dos debates dos delegados governamentais, que desejam definir uma declaração e, talvez, alguns compromissos.
Sobre o papel do setor privado nos serviços hídricos, Sánchez recomendou que não se feche essa possibilidade. “Há quem veja a água como um negócio. Não se deve deixar de reconhecer que colocar água nos lugares de uso tem um custo e é importante que isto seja considerado. Por outro lado, não se pode descuidar da necessidade de consumo da população que não tem acesso. Cada país deve encontrar a melhor solução”, afirmou.
(Por Diego Cevallos – Terramérica)