Lula lança “Mamona é Nossa”
2006-02-06
O biodiesel - cujo programa de incentivo à produção e ao consumo será ampliado este ano - deverá chegar às primeiras bombas do Brasil na segunda quinzena deste mês. No primeiro momento, contarão com o produto os postos próximos às regiões produtoras de Campinas, em São Paulo; Cássia, em Minas Gerais; Floriano, no Piauí; e Belém, no Pará. O avanço do projeto foi comemorado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em discurso ufanista, Lula afirmou que apostou um pouco de sua vida no programa, que o Brasil é uma alternativa ao mundo na área energética e pode bradar que "o biocombustível é nosso".
O biodiesel é um produto não-poluente e renovável, fabricado a partir de plantas oleaginosas, como a mamona, o dendê, o girassol e a soja. Só poderão usar o combustível vegetal os veículos movidos ao diesel derivado de petróleo - basicamente ônibus e caminhões. O tanque não será abastecido com o produto, mas com diesel comum misturado ao biodiesel. O preço do litro será o mesmo cobrado do diesel de petróleo.
- O dia que alguém disser: não tem mais petróleo, nós estaremos dizendo: pois bem, nós temos alternativa, pode começar a comprar que é nosso. É tão nosso quanto foi o petróleo brasileiro com a famosa campanha "O petróleo é nosso". Nós hoje poderíamos dizer: o biocombustível é nosso - afirmou Lula.
Programa beneficia agricultura familiar
Animado com a assinatura, ontem, dos primeiros contratos de compra de biodiesel entre a Petrobras e as empresas Agropalma, Granol, SoyMinas e Brasil Ecodiesel, o presidente chegou a comparar o Programa Nacional do Biodiesel a um dos principais programas sociais do governo, o Fome Zero.
- Em todas as conversas que tive com todos os presidentes da República nos últimos 24 meses, podem ficar certos: era o programa Fome Zero e o biodiesel, um do lado do outro. Um era a comida principal e o outro era a sobremesa. Com o presidente (americano George W.) Bush, conversei mais de 40 minutos sobre a importância do biodiesel - afirmou Lula, acrescentando que também conversou com líderes da França, Alemanha e da Inglaterra sobre o tema.
O presidente, porém, enalteceu os esforços da Petrobras para aumentar a produção nacional de petróleo e lembrou que o país alcançará a auto-suficiência assim que a plataforma P-50 da estatal começar a operar, provavelmente em março.
Para o presidente, o país foi determinado com o petróleo como está sendo com o biodiesel:
- Esse é o momento que o Brasil se apresenta ao mundo como uma nação que, em vez de ficar chorando o preço do petróleo, foi buscar com unhas e dentes, acreditando na nossa auto-suficiência - disse Lula, para quem o Brasil, com o biodiesel, está entrando numa "aventura boa, com responsabilidade".
A chegada do biodiesel aos postos é, de fato, o marco inicial do programa, que foi lançado no fim de 2004. Para incentivar a produção, o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, anunciou a ampliação do programa. A Agência Nacional de Petróleo (ANP) vai realizar dois novos leilões para a compra de biodiesel este ano.
Ao todo, serão leiloados 500 milhões de litros de biodiesel, que deverão ser quase que integralmente comprados pela Petrobras.
O aspecto social do programa é que ele oferece isenções e redução de PIS/Cofins para as empresas que contratarem agricultores familiares para a produção do biodiesel. Os atuais fornecedores são responsáveis pelo assentamento de 65.525 famílias. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, calcula que até o fim deste ano estarão empregadas cerca de 100 mil famílias de agricultores e, até dezembro de 2007, mais 250 mil famílias.
Segundo o presidente da empresa, Sérgio Gabrielli, a estatal pretende construir usinas para a produção de biodiesel. Hoje, a estatal apenas distribui o óleo. Para garantir a liderança do Brasil na expansão mundial da produção e do consumo do biodiesel, Lula afirmou que o país precisa investir em pesquisa.
Pela legislação, a mistura do biodiesel ao diesel pelas distribuidoras até o fim de 2007 será voluntária. A partir de janeiro de 2008, todo o diesel comercializado no Brasil deverá conter 2% de biodiesel e, a partir de 2013, a mistura obrigatória será de 5%.
A propaganda é a alma do biocombustível
Bem-humorado durante a cerimônia no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstrou ontem que a defesa que faz do biocombustível vai além dos discursos. Ele apresentou um kit biodiesel que tem em seu gabinete no Planalto para mostrar aos visitantes estrangeiros a diversidade da produção brasileira, e afirmou carregar uma foto da mamona na mala em suas viagens internacionais.
- Tem que ficar mostrando a folha, o cacho, ela (a mamona) verde, madura, para as pessoas saberem o que é - disse Lula, provocando risos.
O kit é, na verdade, um carrinho de madeira com mais de 20 vidros com sementes de mamona e outras plantas usadas para a produção do óleo vegetal, como soja, babaçu, dendê, nabo forrageiro e pinhão manso, além dos óleos derivados desses produtos, principalmente o biocombustível de mamona.
- Esse kit fica do lado da minha mesa. Não tem um visitante estrangeiro que eu não tente explicar para ele o que é o biodiesel - disse Lula.
Momentos depois, no gabinete de Lula, o governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), em audiência, mostrou que também não conhece a mamona. Requião colocou na boca um punhado de sementes da planta, sem saber que são tóxicas.
- Isso é mamona, pô! - alertou Lula.
Requião, então, se virou para o lado e cuspiu as sementes. Na saída, o governador brincou e disse que queria testar se a mamona era comestível ou se servia apenas como combustível.
O fio da meada
Lançada em 1947, a campanha "O petróleo é nosso" defendia que o produto deveria ser explorado exclusivamente por uma empresa estatal brasileira. Um anteprojeto escrito no governo Dutra previa a abertura do mercado aos estrangeiros, mas os nacionalistas temiam que o Brasil se torna-se refém das grandes multinacionais do setor. A causa uniu grupos políticos opostos, como o Partido Comunista Brasileiro, então na ilegalidade, a União Nacional dos Estudantes, e militares anticomunistas.
Em 1951, o presidente Getúlio Vargas lança um projeto de lei para a criação da Petrobras. Depois de quase dois anos de batalhas no Congresso, a lei é aprovada no Senado e sancionada pelo presidente em outubro de 1953. Pouco mais de 50 anos depois, a Petrobras bate recordes sucessivos de produção e o país chega este ano à auto-suficiência, numa época em que o barril no mercado externo ultrapassou US$ 70.
(O Globo, 04/02/06)