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2006-02-06
Por mais agressões que a natureza sofra ela sempre encontra uma maneira de se recuperar sem a intervenção dos homens. O processo pode ser demorado, mas em alguns casos recompensador. No Vale do Itajaí, uma área devastada pela exploração de madeira começa a dar os primeiros sinais de renascimento. A enfraquecida mata atlântica encontrou meios para se regenerar no Parque Municipal das Nascentes do Garcia, em Blumenau, e num dos mais novos parques nacionais brasileiros, o da Serra do Itajaí, entre os municípios de Blumenau, Indaial, Gaspar, Apiúna, Guabiruba e Botuverá. A área de 57 mil hectares foi confirmada como unidade de conservação nacional no ano passado e começa a ser estruturada para se transformar numa das mais importantes reservas da biodiversidade brasileira.

O Parque das Nascentes funciona como porta de entrada do novo parque nacional. É por meio dele que se alcança o alto do morro do Sapo. De lá é possível perceber que as chagas dos machados, motoserras e tratores aos poucos estão cicatrizando e que a vida já pulsa no local quase como na época da colonização, quando os primeiros habitantes chegaram para a construção das cidades do Vale do Itajaí. Vitória para quem luta pela preservação da àrea e para os mais de 500 mil moradores da região. O parque significa mais qualidade de vida, melhor clima e água de qualidade para todos", diz o ecólogo e ambientalista Lauro Bacca, que luta pela preservação da área desde a juventude.

O morro do Sapo, com 760 metros, é o ponto mais alto do parque. É de lá que se tem uma idéia geral do estágio de regeneração da mata. A trilha até o mirante colocado no alto do morro é realizada com o acompanhamento de uma equipe do Instituto Parque das Nascentes (Ipan), que responde pela área e adota uma série de normas para garantir a continuidade da regeneração da mata, como por exemplo nunca trafegar de carro pelo mesmo trilho.

Um belo exemplo de recuperação sem intervenção humana pode ser encontrado logo no começo do trajeto até o morro. Trata-se da mata ciliar do ribeirão Garcia, no trecho localizado nas proximidades da sede do parque. O verde existente no local, suficiente para proteger a margem do rio, cresceu ali sozinho, sem a ajuda de ninguém. Cada árvore, no entanto, parece ter sido cuidadosamente plantada e ajardinada, compondo um dos mais bonitos cenários naturais da região, com uma das águas mais puras e cristalinas já conhecidas.

Mais adiante, no pé do morro, chama a atenção uma grande faixa de mata de cor verde mais clara, com árvores mais baixas. Dali, segundo Bacca, as madeireiras haviam retirado 100% da vegetação, entre os anos 70 e 80. O professor lembra que chegou a invadir a área, na época, para filmar a agressão e denunciar as autoridades. Era o começo de sua trajetória na defesa do meio ambiente. "Me lembro que estava nessa estrada e fomos surpreendidos por um caminhão. Nos escondemos e o motorista parou bem onde nós estávamos. Decidimos então sair como se não tivéssemos fazendo nada, e continuamos fazendo os nossos trabalhos", comentou.

Começa a regularização fundiária na região
A instalação do Parque Nacional da Serra do Itajaí chegou a ser suspensa, por força de uma liminar. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) só pôde dar os primeiros passos para a organização da área no ano passado. Além do gerente do parque, Ângelo Francisco de Lima, três novos técnicos foram destacados para a área e começaram em janeiro um dos trabalhos mais polêmicos e importantes do processo de implantação definitiva da unidade: a regularização fundiária da região. Há apenas 15 famílias morando na área do parque, mas são quase 400 os possíveis proprietários de terras na região.

Segundo Lima, os moradores são os mais favoráveis ao projeto. Os maiores problemas devem ser enfrentados com os outros proprietários. Boa parte usa a região apenas para lazer e muitos ainda resistem à idéia da criação. A regularização é importante, sobretudo para garantir a integridade da região de preservação. A regularização também ajudará a proteger a área de caçadores e ladrões de palmito. "Na última operação de fiscalização que fizemos, em parceria com o Exército e a Polícia Militar, apreendemos 226 cabeças de palmito", continua o gerente.

Lima prevê que o trabalho de regularização fundiária deva durar de seis a oito meses. O apoio ao turismo ecológico também faz parte dos planos do governo. Não está descartada a concessão a empresários para a construção de infra-estrutura, como hotéis. Conforme o gerente, o recurso financeiro obtido com essas concessões será revertido diretamente ao parque, reduzindo a dependência de repasses do governo federal.

Instituto não consegue coibir a ação de caçadores e ladrões de palmito
A mesma mata que recompôs o verde da margem do rio também fez desaparecer do parque outra marca da presença do homem: o emaranhado de estradas que dava acesso a vários municípios da região. Em alguns locais restam apenas trilhas, ainda utilizadas por caçadores e ladrões de palmito. "Temos dificuldade em combater esse tipo de problema. Quando o nosso pessoal chega ao telefone e chama a Polícia Ambiental o grupo já fugiu", comenta o presidente do Instituto Parque das Nascentes (Ipan), Nélsio Lindner. Na área do parque nacional, a situação é ainda mais complicada, devido à sua dimensão e ao fato de ainda existirem moradores na região. O trabalho de identificação dessas áreas é um dos próximos passos da implantação da unidade, que ainda encontra resistências entre proprietários rurais.

No alto do morro do Sapo a paisagem chama a atenção. Para onde quer que se olhe, o verde das árvores predomina. De cima do mirante construído no local fica ainda mais bonito. Do morro também se percebe a recuperação da mata, nos locais devastados pelo homem. Primeiro pela cor das árvores. Depois pelo tipo de vegetação existente. O melhor de tudo é o ar puro do alto da montanha e a certeza de que o local permanecerá preservado, com as motoserras e tratores bem longe.

O Parque das Nascentes foi criado na década de 70, primeiro como uma reserva particular da empresa têxtil Artex. Depois, foi passado ao município de Blumenau, em troca do perdão de dívidas com tributos municipais. Tem pouco mais de 5,3 mil hectares - cerca de 10% do Parque Nacional da Serra do Itajaí, que hoje abraça a área. A luta pelo parque nacional começou na mesma época, mas só ganhou impulso em 2000, com a criação do Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica de Santa Catarina. A demarcação foi anunciada em 2001, mas o decreto de criação só saiu em 2004 e foi confirmado em 2005, depois da derrubada de uma liminar na Justiça, impetrada por moradores locais contrários ao projeto.

Cobertura vegetal contribuiu para a redução de enchentes e enxurradas
O Parque Nacional da Serra do Itajaí é considerado um dos mais importantes redutos de mata atlântica da região Sul. Da cobertura original deste tipo de vegetação no País, apenas 7,3% permanecem preservados. O professor Lauro Bacca lembra que o parque não é importante apenas pelas árvores, mas por todo o ecossistema que sustenta.e pelo potencial econômico, por meio do ecoturismo.

"Todos gostam de Parques, todos sabem que devemos proteger extensos territórios para salvar o panda chinês ou o mico-leão-dourado brasileiro. Mas aqui perto de nós também há animais e plantas ameaçados de extinção", alertou o pesquisador.

Pesquisas realizadas no parque apontam a existência de 357 espécies de árvores - 47% das encontradas em Santa Catarina, 220 espécies de aves - 38% de todas as aves e 68% das aves terrestres do Estado e 56 tipos de mamíferos ou 38% de todos os existentes em Santa Catarina. Para o presidente do Ipan, Nelsio Lindner, não restou no Estado outro fragmento tão significativo da mata atlântica. "O parque protegerá uma tipologia florestal ainda não contemplada nas Unidade de Conservação Federais, abrangendo a Floresta Ombrófila Densa, bem distribuída em suas sub tipologias sub Montana, Montana e Alto-Montana", comenta. O projeto de criação do Parque levou em conta a realidade da área, com levantamentos em campo e sobrevôos com fotografias e filmagens.

O parque também funciona como uma espécie de esponja, contribuindo para a redução dos problemas com enchentes e enxurradas no Vale do Itajaí. A mata ainda é a principal geradora de oxigênio, exercendo o papel de "ar-condicionado" regional. Para os municípios que cederam área para o parque, um importante retorno financeiro virá do ICMS Verde ou Ecológico, como já acontece em outros Estados. Outra receita importante será a do ecoturismo, que a administração do parque planeja implementar assim que os planos de manejo forem concluídos. (A Notícia, 06/02/06)

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