Artigo: Por que a transposição do Rio São Francisco?
2006-02-03
Por Euclides Stipp Paterniani*
O desvio de 1% a 3% de sua vazão para regiões carentes significa justiça
social. A transposição do Rio São Francisco é polêmica. Para discorrer sobre o
assunto é importante lembrar de um conceito básico, de extrema importância
para iniciar a discussão: não há possibilidade de desenvolvimento de qualquer
região sem que se possa dispor de água.
O Brasil é o primeiro país – da lista
dos mais ricos – em termos de quantidade de água. No entanto, essa água está
injustamente distribuída no território nacional. Para lutar por um país mais
justo – reduzindo as desigualdades sociais e econômicas – e dar condições
iguais para o desenvolvimento é necessário combater também essa injustiça: a
da má distribuição de água. A bacia do Rio São Francisco é uma das três
maiores reservas hídricas do País.
A relação de uso nessa bacia indica que há
mais água do que a demanda existente. Assim, o desvio de 1% a 3% de sua vazão
para beneficiar regiões que estão em condições críticas é, acima de tudo,
fazer justiça social. Essa quantidade de água desviada do São Francisco é
muito pequena, se comparada às reduções das vazões naturais de alguns rios
causadas por uma estiagem atípica.
Grupos contrários à transposição alegam que
a ela pode causar impactos negativos ao meio ambiente. Sabe-se, porém, que
muitos desses impactos são, atualmente, perfeitamente controlados e
monitorados, de forma a minimizar os danos provocados por um desequilíbrio
ambiental.
Além disso, são conhecidos os efeitos provocados pela instalação de
dezenas de hidrelétricas no País. Argumentar que é possível assegurar o
desenvolvimento sustentável, com dignidade humana, através de políticas de
convivência com o semi-árido é, no mínimo, uma atitude não condizente com a
política de justiça social e pode acarretar conseqüências trágicas, entregando
à própria sorte as populações dessas regiões.
Criticar o projeto de
transposição com argumentos técnicos que possam contribuir para a busca de
novas soluções, e que conduzam a um empreendimento mais eficiente e de menor
custo, é salutar e desejável. Contudo, críticas sem fundamentos técnicos ou
científicos, embasadas apenas em questões emocionais, só servirão para atrasar
ainda mais o desenvolvimento de muitas regiões do Nordeste brasileiro que,
desde a época do reinado de dom Pedro II, quando a primeira tentativa de
transposição do Rio São Francisco foi feita, não apresentam condições de
desenvolvimento.
É prioritário o projeto de revitalização do rio antes da
execução da obra, incluindo uma gestão firme sobre os atuais usuários do rio a
fim de garantir água de boa qualidade, uso mais racional desse recurso hídrico
e evitar problemas relacionados à falta de saneamento. Se a transposição do
Rio São Francisco se der levando-se em conta os aspectos aqui abordados, sem
se curvar a interesses de grupos específicos e nem a interesses políticos,
terá grandes chances de sucesso e contribuirá para minimizar a injustiça
social no País, bandeira de muitas instituições conscientes.
*José Euclides Stipp Paterniani é conselheiro da Pró-Terra. Artigo publicado originalmente na GM, 01/02.