Pesquisadoras criticam qualidade das informações climáticas
2006-02-03
Capazes tanto de auxiliar na prevenção aos riscos ambientais, como de moldar a percepção das pessoas a respeito dos eventos meteorológicos e climáticos, as informações relativas às ciências atmosféricas têm ganhado destaque cada vez maior na mídia. Essa situação vem despertando o interesse de pesquisadores sobre a qualidade com que estas informações estão sendo divulgadas e como elas influenciam na percepção do público.
O destaque cada vez maior que os veículos de comunicação dão aos fenômenos meteorológicos e climáticos vem despertando o interesse de pesquisadores da área das ciências atmosféricas sobre a qualidade com que essas informações estão sendo divulgadas pela mídia e como elas influenciam na percepção das pessoas. “Muitas vezes, a precisão nas informações sobre tempo e clima é a diferença entre vida e morte”, destaca a geógrafa Lucí Hidalgo Nunes, do Instituto de Geociências da Unicamp, referindo-se à relevância do acesso a esse tipo de informação como forma de diminuir a vulnerabilidade das pessoas frente aos riscos ambientais.
Para exemplificar sua afirmação, a pesquisadora lembra do caso do furacão Catarina, que atingiu parte do litoral do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina em março de 2004 e provocou a morte de 11 pessoas, além de grandes prejuízos econômicos. Na ocasião, a população de Santa Catarina foi informada pelo rádio sobre como identificar os sinais de evolução do furacão e como se proteger dele. “Nesse caso, foi uma junção da comunidade científica com a mídia trabalhando de maneira muito séria e, com isso, muitas pessoas certamente foram salvas”, destaca a geógrafa.
O exemplo retrata uma situação de exceção não somente pela raridade do fenômeno (foi o primeiro furacão registrado no Brasil), mas também porque a divulgação de informações com qualidade parece não ser a regra que prevalece na mídia. A própria pesquisadora da Unicamp fez essa constatação ao avaliar a cobertura realizada por pelo jornal “O Estado de São Paulo” sobre o fenômeno El Niño, entre 1997 e 1998. Na pesquisa, que faz parte de um projeto mais amplo desenvolvido em conjunto com pesquisadores da Argentina e do Paraguai, Lucí Nunes analisou sistematicamente todas as matérias que se referiam ao fenômeno veiculadas nas 396 edições do jornal publicadas entre maio de 1997 e maio de 1998, correspondente ao período de maior intensidade do El Niño daquela ocasião. A pesquisadora avaliou cada notícia em relação à qualidade e precisão das informações do ponto de vista científico, bem como o espaço e destaque dados a ela e o tema abordado.
Embora tenha encontrado notícias de boa qualidade, a prevalência foi de matérias com informações imprecisas ou equivocadas. Também houve muitos exageros: “O El Niño foi relacionado a quase tudo”, aponta a pesquisadora, fazendo referência ao fato de eventos sem nenhuma ligação com o fenômeno terem sido associados a ele, como foi o caso de uma notícia que atribuía ao El Niño um evento meteorológico ocorrido na Rússia, região que não sofre os efeitos do fenômeno.
Além disso, o sensacionalismo na cobertura foi marcante e as incertezas que a comunidade científica tinha a respeito da evolução do fenômeno não foram comunicadas de maneira adequada ao público, pois não era possível distingüir claramente pelas matérias entre o que era conhecido pelos cientistas e aquilo que eles desconheciam ou tinham dúvidas. Como conseqüência, afirma a geógrafa, a imprensa criou uma expectativa falsa sobre a intensidade do El Niño, já que os impactos do fenômeno no sudeste do Brasil não foram tão grandes como se poderia supor lendo as notícias divulgadas à época. Comparando aquela cobertura com a feita atualmente, Lucí Nunes acredita que, apesar de ter havido melhora na divulgação das informações a respeito das ciências atmosféricas, alguns problemas crônicos ainda persistem e se devem tanto à falta de especialização dos jornalistas para cobrir a área como à dificuldade dos cientistas se comunicarem de um modo compreensível com os jornalistas.
Para a também geógrafa Maria da Graça Sartori, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM-RS), esses problemas são bastante evidentes na divulgação que vem sendo feita sobre as mudanças climáticas globais. “Exagerada e parcial”, resume ela, apontando quais os principais problemas que detecta nesta cobertura. O exagero é dado, segundo a pesquisadora, pela espetacularização e catastrofismo que são usados nas notícias para atrair a atenção do público, apontando como conseqüência do aquecimento global qualquer variação nas condições climáticas que ocorrem normalmente quando se compara, por exemplo, uma mesma estação em anos sucessivos. Segundo ela, é isso ocorre atualmente com as notícias sobre ondas de calor e de frio que atingem, respectivamente, parte dos hemisférios sul e norte do planeta.
Para a pesquisadora, o sensacionalismo e a parcialidade que caracterizam a cobertura feita pelos veículos de comunicação afetam diretamente a maneira como o público sente e interpreta os eventos relacionados a tempo e clima, tendo em vista que a percepção dos indivíduos sobre tais eventos é cada vez mais intermediada pela mídia. Lucí Nunes também atribui à mídia um papel fundamental como intermediadora da percepção climática, conforme pôde verificar a partir de uma pesquisa de mestrado que orientou, na qual a pesquisadora avaliou a percepção climática de moradores do município de Campinas (SP). “Muito da percepção que uma pessoa tem se baseia no ela ouve dizer ou vê indiretamente [por meio de veículos de comunicação], e não no que ela vivencia”, afirma a pesquisadora, citando os resultados da pesquisa.
(ComCiência, 01/02)