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2006-02-03
O programa iraniano fragiliza o tratado de não-proliferação nuclear, que havia alcançado seus objetivos desde sua entrada em vigor, em março de 1970. Hoje, os perigos de armas nucleares, biológicas e químicas, aumentados pelo terrorismo, nunca foram tão grandes.

Os Estados Unidos, a Europa, a Rússia, a China e a Índia não compartilham necessariamente a mesma estratégia para encontrar uma saída para a crise iraniana, mas eles têm em comum uma certeza: deixar o Irã se tornar uma potência nuclear criaria não só as condições para um perigoso desequilíbrio no Oriente Médio, como também --o que é mais grave-- desfecharia um golpe provavelmente fatal no regime internacional de não-proliferação nuclear cuja pedra angular, o TNP (tratado de não-proliferação), já se mostra frágil.

O paradoxo vem de que países que são potências nucleares de fato, mas que não são signatários do TNP (Índia, Paquistão e Israel), dele são fervorosos defensores. Para estes Estados, assim como para uma ampla parcela da comunidade internacional, o desdobramento o mais catastrófico seria de ver o Irã seguir o exemplo da Coréia do Norte, que anunciou sua retirada unilateral do TNP em janeiro de 2003.

Se esta possibilidade viesse a se concretizar, nada mais impediria os Estados que detêm virtualmente as capacidades para desenvolver esta tecnologia de se juntarem aos oito países que hoje possuem armas nucleares.

Sobre a Coréia do Norte pesam apenas suspeitas de que ela passou a deter a arma atômica, enquanto o Irã é acusado de dar prosseguimento a um programa clandestino destinado a fabricá-la. São oito países em 2005, contra... muitos outros, potencialmente, durante os anos 60. O Egito, a Itália, o Japão, a Noruega, a Suécia e a Alemanha ocidental desenvolviam então, ou planejavam desenvolver, programas nucleares.

Desde o final dos anos 70, 16 outros países (Argentina, Austrália, Belarus, Brasil, Canadá, Iraque, Cazaquistão, Líbia, Romênia, África do Sul, Coréia do Sul, Espanha, Suíça, Taiwan, Ucrânia e Iugoslávia) optaram por renunciar à arma nuclear, mesmo se o Iraque e a Líbia mudaram de idéia posteriormente.

Caso o Irã se tornasse uma potência nuclear, o Egito, a Arábia Saudita, a Síria, o Brasil, o Japão e a África do Sul, entre outros, seriam tentados a revisar sua posição. Um bom número desses países já dispõe de mísseis de médio ou longo alcance e, para alguns deles, de estoques de armas biológicas ou químicas. Portanto, a despeito das suas lacunas, o regime de não-proliferação até que funcionou de maneira eficiente até agora. A menor das suas virtudes não foi, no final da guerra fria, de ter contribuído para o retorno à Rússia dos milhares de mísseis nucleares que estavam armazenados em três países da ex-URSS (Ucrânia, Cazaquistão e Belarus).

A decisão da África do Sul, em 1991, de se livrar das seis bombas nucleares que ela possuía foi um outro sucesso, assim como a renúncia da Líbia, em dezembro de 2003, ao seu programa de armas nucleares e químicas. A África, assim como a Antártida, a América do Sul, o Pacífico sul e a Ásia do Sudeste se tornaram zonas isentas de armas nucleares, enquanto cinco países da Ásia central deverão assinar um tratado estabelecendo uma sexta zona deste tipo. Esses esforços contribuem para a não-proliferação.

Por fim, se comparados com a época da guerra fria, quando a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e o Pacto de Varsóvia rivalizavam na corrida aos armamentos nucleares, assim como biológicas e químicas, os arsenais dos "Dois Grandes", os Estados Unidos e a ex-URSS, diminuíram ao sabor das negociações Start (Tratado de redução das armas estratégicas), ao menos relativamente.

Em 2002, os dois países se comprometeram a reduzir de 6.000 para cerca de 2.000 o número das suas ogivas nucleares operacionais daqui até 2012. Na realidade, os Estados Unidos dispõem hoje de 5.300 ogivas nucleares e de 5.000 outras colocadas em reserva.

Por sua vez, a Rússia disporia de cerca de 4.700 ogivas operacionais, às quais se acrescentariam 3.400 ogivas não estratégicas e 8.800 armas em reserva, ou seja, um total de cerca de 16.000 ogivas nucleares, cujas condições de segurança e de armazenamento deixam os especialistas europeus preocupados. Esses progressos poderiam deixar acreditar que, globalmente, o planeta está mais seguro e que o risco de uma utilização da arma nuclear está se afastando cada vez mais. Ledo engano. Ao contrário, os riscos de proliferação, de terrorismo e de mercado negro do nuclear nunca foram tão grandes.

Em primeiro lugar, porque os esforços internacionais visando a reduzir a ameaça nuclear estão praticamente paralisados. A decisão dos Estados Unidos, em dezembro de 2001, de se retirarem do tratado ABM (limitação dos sistemas antimísseis balísticos), que foi justificada pela vontade do presidente George W. Bush de dotar seu país de um escudo antimíssil, não contribuiu para reduzir a tensão em torno do nuclear.

Da mesma forma, ao não produzir nenhum avanço visando impedir a disseminação das armas nucleares e a promover o desarmamento, a conferência de revisão do TNP, em maio de 2005, ofereceu um péssimo exemplo aos países "proliferativos". Embora ele seja uma ferramenta indispensável, o TNP comporta numerosas fraquezas: ele só diz respeito aos Estados (ele não tem, evidentemente, qualquer influência sobre os grupos terroristas) e não é universal. O protocolo adicional é aplicável numa base voluntária, enquanto os seus "acordos de garantia" não constituem nenhuma garantia de segurança contra os Estados que, apesar de serem signatários do tratado de não-proliferação, decidiram não mais respeitar as regras.

Em setembro de 2005, os 117 países presentes na conferência sobre a implementação do tratado de proibição dos testes nucleares (CTBT em inglês) se despediram constatando que a entrada em vigor do tratado, que prevê a criação de 321 postos de vigilância pelo mundo afora, ainda está distante, nove anos após a sua adoção. Além disso, ao darem mostra de uma grande mansuetude para com a Índia, o Paquistão e Israel, que continuam a reforçar seus arsenais nucleares, as cinco potências nucleares "oficiais" assumem uma grave responsabilidade para o futuro. Além disso, elas fornecem com isso argumentos a países que, como o Irã, pretendem seguir este exemplo e se beneficiar de uma impunidade similar.

O caso do Paquistão é emblemático, uma vez que a rede de Abdul Qadeer Khan, o "pai" (auto-proclamado) da bomba paquistanesa, teve entre os seus clientes o Irã, a Líbia e a Coréia do Norte, e até mesmo outros países. Ninguém sabe quais foram os limites deste mercado negro do nuclear, nem se ele perdura. Em todo caso, o que se sabe é que por meio da "conexão Khan", o Irã dotou-se de centrífugas e de planos que constituem o coração do seu programa nuclear militar. Da mesma forma, ao se comprometerem numa parceria estratégica com a Índia, que tomará a forma de uma cooperação no campo nuclear, os Estados Unidos afastam-se claramente das suas obrigações na qualidade de membro do grupo dos fornecedores de equipamentos nucleares (NSG).

Por fim, os esforços do Pentágono para obter do Congresso americano créditos em favor de um programa de "mini-bombas" nucleares (armas chamadas de "não estratégicas") só podem tornar ainda mais confusa a mensagem da dissuasão e da não-proliferação.

Em última instância, a comunidade internacional talvez tenha lá suas razões para não prestar atenção aos profetas do Apocalipse: afinal, em 1992, a CIA havia afirmado que o Irã possuiria a bomba nuclear... em 2000.
(Le Monde, 02/02/06)
Link: noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2006/02/02/ult580u1840.jhtm

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