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2006-02-02
Finalmente, o Brasil deve entrar na era da agricultura transgênica. Depois de meia década discutindo a liberação de um único produto, a soja da empresa americana Monsanto, o país pode liberar dezenas de outras variedades, com características inovadoras. A soja é plantada legalmente desde 2003. Os outros produtos transgênicos, porém, aguardavam uma definição legal de quem seria responsável por sua aprovação no país. A Lei de Biossegurança, aprovada em março de 2005, resolveu isso. Mas a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão responsável pelo monitoramento e fiscalização das pesquisas com engenharia genética no Brasil, só será reaberta em fevereiro. Já tem na gaveta uma lista de 500 processos, que vão de licença para pesquisas a autorização para vendas de sementes. A nova safra de produtos inclui variedades de batata, arroz e feijão que poderão chegar ao campo neste ano, e às prateleiras em 2007.

Para o consumidor, a possibilidade de optar por produtos transgênicos representará, em alguns casos, maior segurança alimentar. O milho BT11, da empresa americana Syngenta, tem resistência a insetos, o que diminui a necessidade de inseticidas e reduz os riscos de contaminação química das espigas. Além disso, a planta não é atacada por micotoxinas, fungos que, se ingeridos, podem causar alergias, problemas digestivos e até câncer. Já o arroz Liberty Link, da multinacional Bayer, resiste a herbicidas. Por isso, permite combater as ervas daninhas da lavoura. "Além de não ter de competir pelos nutrientes com o mato, há garantias de que, durante a colheita, os ä grãos não serão misturados às plantas daninhas. Isso é fundamental para a qualidade do produto final na aparência e no cozimento", diz Alex Merege, diretor de Biotecnologia da Bayer.

Em países onde já são plantados e comercializados, os alimentos modificados geneticamente mudaram as práticas de lavoura e mercado. Segundo estudos publicados no ano passado pela Universidade do Alabama, nos Estados Unidos, o algodão transgênico reduziu em 75% as aplicações de pesticidas, diminuindo a contaminação do solo e os custos de produção. "Em 2000, o consumidor final teve um barateamento de até 3,7% no preço do produto", afirma o economista José Maria da Silveira, da Unicamp.

O Brasil está mais atrasado nessa tecnologia. O Centro de Tecnologia Canavieira, que desenvolve uma cana-de-açúcar capaz de produzir até 18% mais de açúcar que as variedades convencionais, ainda aguarda autorização para prosseguir com os estudos. "A demora na constituição da CTNBio afetou nossa pesquisa", diz Willian Burnquist, coordenador de tecnologia do centro. Duas variedades transgênicas desenvolvidas pela Embrapa também estão na fila de espera. A primeira delas é a batata resistente à doença do mosaico, causadora de perdas nas lavouras que podem chegar a 100%. A segunda é um feijão transgênico imune ao vírus do mosaico dourado, responsável por quedas de até 85% na produtividade. Com quatro tipos em desenvolvimento (preto, carioca, jalo e roxinho), a planta pode trazer a auto-suficiência do país na produção de feijão. "Isso reduziria a variação de preço no mercado", diz Francisco Aragão, coordenador da pesquisa. "Atualmente temos de importar o grão da Argentina."

Nos próximos cinco anos, dezenas de variedades geneticamente modificadas poderão ser cultivadas no Brasil. Eis as principais delas

EM ATÉ 2 ANOS
Arroz - Desenvolvido pela multinacional Bayer CropScience, o arroz Liberty Link é resistente a herbicidas, o que permite ao agricultor eliminar as ervas daninhas que aumentam o custo da produção e reduzem a qualidade do produto que chega ao consumidor

Milho - Resistente a herbicidas e a insetos, não é atacado pelas micotoxinas, agentes que podem causar alergias, intoxicações e câncer. A empresa americana Syngenta Seeds trará para o Brasil a tecnologia do milho, empregada na Argentina e nos Estados Unidos

EM ATÉ 3 ANOS
Batata - O desenvolvimento da batata resistente promete livrar o agricultor do mosaico, a principal doença da lavoura, responsável por perdas de até 80% da safra. O estudo, da Embrapa, vem sendo feito há mais de dez anos. Nos EUA, já é comercializada há cinco anos

EM 5 ANOS OU MAIS
Feijão - Desenvolvido pela Embrapa, tem resistência à doença do mosaico dourado, capaz de causar perdas de 40% a 85% da produção. Os pesquisadores já conseguiram quatro variedades: preto, carioca, jalo e roxinho

Cana-de-açúcar - O Centro de Tecnologia Canavieira conseguiu desenvolver uma cana com mais açúcar. As experiências mostram que a planta geneticamente modificada pode ter uma concentração até 18% maior que a da cana-de- açúcar convencional

Alimentos enriquecidos - Segunda geração de transgênicos promete vantagens nutricionais Depois dos produtos geneticamente modificados que facilitam o processo de produção, os consumidores esperam pela segunda geração de transgênicos: aqueles que produzirão substâncias benéficas à saúde. As empresas acreditam que, quando esses produtos estiverem despontando, em sete anos, as vantagens para o consumidor serão tão claras que finalmente as últimas resistências vão cair. O único produto desse tipo já comercializado é a soja com ômega 3, disponível no mercado americano desde 2005. A Kellog"s anunciou em dezembro que vai adotar esse grão. Estão em andamento pesquisas com outros alimentos inovadores, como um tomate que ajuda a prevenir o câncer de próstata ou uma alface com vacina contra hepatite B. O produto que promete o maior impacto na saúde pública é uma variedade de arroz, desenvolvida pela empresa Syngenta, com maior concentração de betacaroteno. Asubstância é usada pelo organismo para metabolizar vitamina A. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 500 mil crianças ficam cegas todo ano em países pobres por falta de vitamina A em sua dieta - em grande parte composta de arroz.
(Época, 28/01)

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