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2006-02-02
Nos três estados do sul do Brasil, reflorestamento virou sinônimo de desmatamento. Proprietários de terra arrancam mata nativa para plantar no lugar árvores exóticas que dão dinheiro. Como eucalipto, acácia e pinus. Este último é o que mais se planta e o mais danoso para os ecossistemas nativos. Encobre áreas de mata atlântica, floresta de araucárias, campos naturais e campos sulinos.

Cerca de 5% do território de Santa Catarina já está coberto por plantações de pinus. E a tendência é aumentar. “O pinus corresponde hoje a 85% das espécies cultivadas em solo catarinense”, detalha o gerente florestal do estado, Silvio Thadeu de Menezes.

De olho no crescimento da produção de madeira para a indústria de papel e celulose, o governo catarinense criou um programa batizado “Reflorestar”. O poder público dá assistência técnica e empresas como a Klabin financiam pequenos e médios agricultores a plantar pinus com a garantia de compra da produção dentro de alguns anos. Na hora da colheita, o dinheiro investido pela empresa é descontado dos produtores.

O problema, segundo o botânico e ambientalista João de Deus Medeiros, da Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses (Feec), é que a ocasião fez o ladrão. A propagação da idéia de que plantar pinus é o melhor negócio do momento levou proprietários a desmatarem suas terras para plantar espécies do gênero. “Perto de Florianópolis, na Serra do Planalto, é possível ver até donos de sítios de fim de semana plantando pinus”, revela.

Operações do Ibama realizadas nos últimos três anos confirmam o desbaste de mata nativa para plantação pinus em Santa Catarina, o que inclui áreas de preservação permanente. Como nascentes, córregos e topos de morro. Em uma propriedade em Major Vieira, norte do Estado, 14 de 50 hectares desmatados estavam em uma área que abrigava 22 nascentes e espécies ameaçadas de extinção como araucária e imbuia.

Tática de madeireiro
Os casos são tão sistemáticos que o Ibama foi capaz de detectar diferentes técnicas para ocupação de áreas nativas pelo pinus. Uma delas é o desmatamento por etapas, em que primeiro se corta as árvores de lei para serem vendidas no mercado ilegal e depois se ateia fogo no que restou. Em seguida, assim que começa a regeneração natural do solo, chama-se a Fatma (fundação estadual do meio ambiente responsável por licenciar áreas de regeneração em estágio inicial) para liberar o plantio de pinus. Outra forma é derrubar a mata de vez, mas fazê-lo no interior de grandes propriedades com acesso restrito e de difícil localização para evitar denúncias de vizinhos. O que se tornou normal no estado, apesar de render, às vezes, ameaças de morte.

Outra alternativa é sufocar as florestas. Destroem os sub-bosques, mas deixam as araucárias esparsas desprotegidas, em áreas abertas. Depois plantam pinus por todo o terreno e as araucárias, cercadas, morrem. A mesma tática é aplicada em áreas de campos naturais onde existem araucárias. Mas o tipo de desmatamento mais difícil de ser fiscalizado é o que come as matas nativas pelas bordas. Plantações de pinus legalizadas ocupam áreas ao lado de vegetações naturais e, a cada ano, avançam um pouco sobre elas. A invasão só pode ser detectada com análise temporal de imagens de satélite de alta resolução e uma equipe especializada.

Funcionários do Ibama e ambientalistas reclamam que o governo de Santa Catarina faz vista grossa para os desmates para plantação de pinus em áreas ilegais. A Fatma está sendo investigada pelo Ministério Público Federal por suspeita de conivência. Em 2003, o Ibama embargou um desmatamento de 300 hectares em uma área de preservação permanente em estágio médio de regeneração, que havia sido liberada pela Fatma como se fosse área em estágio inicial de regeneração. Dois anos depois, em nova vistoria ao local, o Ibama descobriu que a propriedade tinha sido comprada por uma madeireira do Paraná, a Famossul, e a Fatma havia liberado o plantio de pinus quando o correto seria deixar a área se recuperar.

No Paraná, o Ibama também confirma que áreas de remanescentes estão sendo consumidas por plantações de pinus, principalmente as de floresta ombrófila mista – que contêm araucárias - e as de campos naturais – das quais resta apenas 0,3% da cobertura original do estado. “Não é simples desmatamento. Tem toda a fúria de uma ação criminosa. Destroem áreas de proteção permanente, jogam entulhos em nascentes”, descreve Marino Gonçalves, gerente-executivo do Ibama do Paraná. Segundo ele, alguns desses desmatamentos utilizaram irregularmente autorização de corte do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), que liberava a derrubada apenas de áreas de capoeira. Marino Gonçalves diz que pediu ao IAP para ser mais cuidadoso na emissão de autorizações, para evitar abusos do gênero.

Até março, o Ibama do Paraná deve ganhar um laboratório de georreferenciamento para melhorar o monitoramento de suas matas, que hoje é realizado com sobrevôos de helicóptero. Em Santa Catarina, uma maior proteção para os remanescentes naturais pode vigorar a partir do Projeto de Lei 027/2005, que foi aprovado pela Assembléia Legislativa em dezembro do ano passado, mas ainda tem que passar por uma segunda votação. O PL tem como objetivo regularizar o plantio de espécie exóticas no estado.

Pinus em parques
O pinus também avança sobre as matas nativas por conta própria. Suas sementes se propagam facilmente e germinam em qualquer lugar. No Rio Grande do Sul, a invasão aconteceu na área de restinga do Parque Nacional Lagoa do Peixe. Sobre dunas protegidas, cresceram pinheiros. Dois anos antes de a unidade ser criada, em 1986, o governo federal incentivou o plantio de pinus na região e o vento carregou sementes de plantações coladas aos limites do parque para dentro da unidade. Segundo Maria Tereza Queiroz Melo, chefe do parque, a árvore exótica já cobriu mil dos 34 mil hectares da Lagoa do Peixe.

Casos semelhantes ocorrem no Paraná e em Santa Catarina, mas nesses estados a “invasão” recebeu uma ajudinha de proprietários de terras que não desejavam a existência de unidades de conservação em áreas propícias para a plantação de pinus. Em Palmas (PR) foram plantados 3 mil hectares da espécie exótica em uma área onde o Ibama planeja implantar um parque. A mesma forma de coerção aconteceu no oeste catarinense, onde o governo federal determinou no ano passado a criação do Parque Nacional das Araucárias e da Estação Ecológica da Mata Preta. “A situação é frágil, mas estamos de olho”, diz Wigold Schäffer, do núcleo da Mata Atlântica do Ministério do Meio Ambiente.

No Rio Grande do Sul, as plantações de eucaliptos são as mais comuns, mas o interesse pelo pinus vem crescendo e já chamou a atenção do Ministério Público. Em meados de 2005 foram anunciados investimentos da indústria de celulose em áreas de campos sulinos - os pampas. Ressabiados, procuradores de nove municípios montaram um grupo de trabalho para investigar a situação do plantio de florestas exóticas no Rio Grande do Sul. “Por princípio de precaução, só devemos autorizar empreendimentos depois de saber os impactos ambientais dos mesmos”, disse o procurador Carlos Eduardo Copetti Leite, que acredita ser importante estudar tanto a invasão espontânea do pinus em áreas protegidas quanto o plantio para fins industriais.

Em paralelo, o governo do Rio Grande do Sul pretende finalizar até março um plano de zoneamento ambiental para silvicultura. “Determinaremos se uma área é de baixa, média ou alta restrição ao plantio de pinus”, afirmou Túlio Carvalho, agrônomo e assessor da presidência da Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler). Segundo ele, a partir de 2003 cresceu a demanda de grandes empresas para plantar espécies exóticas no Rio Grande do Sul, o que exigiu a criação de uma estrutura de licenciamento até então inexistente. No dia 27 de janeiro, técnicos da Fepam se reuniram com representantes do setor madeireiro para apresentar novas normas para o plantio de pinus, considerado de alto potencial poluidor. Os responsáveis pelo plantio terão que cercá-lo com um cinturão de outra espécie para dificultar a ressemeadura natural do pinus e serão obrigados a controlar a propagação das sementes em um determinado raio de distância.

Lavoura de árvores
Mas apesar das restrições, o governo do Rio Grande do Sul incentiva o plantio de pinus, que já ocupa 3% da área agrícola do estado e pode pular para 7% em cinco anos. “Uma coisa é manejo florestal, outra é lavoura de árvores”, diz Carvalho, que acredita que as plantações de pinus devem ser tratadas como uma atividade agrícola de grande porte que necessita de licenciamento ambiental. Sérgio Bonfim, engenheiro florestal do Ibama, também ressalta que o plantio de espécies exóticas não pode ser interpretado como reflorestamento, que por definição se dá com espécies nativas. “Toda monocultura tem que ser vista como comercial, não substitui mata”, diz. Mas tem lá suas compensações. “As matas exóticas diminuem a pressão sobre as árvores nativas. Se elas não existissem, os setores moveleiros e de celulose iriam buscar matéria-prima nas florestas conservadas”, pondera Bonfim.

“Ninguém é contra pinus”, concorda Wigold Schäffer. “Tem é que seguir critérios ambientais. Não podemos substituir ecossistemas naturais por espécies exóticas”. Em São José dos Ausentes, no Rio Grande do Sul, a discussão ganhou força. O município parou de incentivar a plantação de pinus enquanto não consegue limitá-la. O medo dos moradores é que as árvores acabem por restringir a principal atração turística da cidade: a paisagem de cânions e paredões que ficou famosa depois da minissérie Casa das Sete Mulheres. São José dos Ausentes não tem nenhuma unidade de conservação, mas está a 1.200 metros de altitude e possui basicamente campos naturais. Caso o pinus se alastre, os turistas terão uma visão restrita do horizonte. “Às vezes dá para enxergar de 3 a 4 quilômetros”, diz Fábio Gelson Williges , secretário de Agricultura do município.

“Outro problema é a monocultura puramente extrativista. Se tivesse plantação e fábrica de móveis aqui, o valor agregado seria alto. Mas o produto é finalizado em outras cidades”, lamenta, e revela conhecer pouco a legislação ambiental ao dizer que muitas plantações estão sendo cultivadas sobre campos naturais. “Mas pode?”, perguntou a repórter de O Eco. “Acho que campo pode. Proibido é beira de lago e rio”.

No Brasil, todo proprietário de terra é obrigado a conservar áreas de preservação permanente (APPs), como encostas e margens de rio, e ainda manter uma cota de reserva legal – o que o impede de fazer cortes rasos indiscriminados. No sul do país, as reservas correspondem a 20% da propriedade rural. Contenha ela mata atlântica ou campos sulinos.
(Carolina Elia, O Eco, 28/01/06)
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