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2006-01-31
É muito difícil que o projeto de lei que regulamenta a gestão de florestas públicas no Brasil se torne uma realidade ainda em 2006. A avaliação é do coordenador de florestas e biodiversidade da organização não-governamental ISA (Instituto Socioambiental), o advogado André Lima — que também faz parte do grupo de trabalho de florestas do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Desenvolvimento e Meio Ambiente e é representante das organizações não-governamentais no CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente).

O projeto de lei de gestão de florestas públicas (número 4.776/2005) pretende combater a derrubada ilegal de madeira na Amazônia. Dentre os diversos mecanismos que propõe, está a concessão de áreas públicas de florestas para a exploração controlada de empresas. O Ministério do Meio Ambiente defende que a derrubada desordenada da mata é fruto da falta de controle da área. André Lima concorda. “Se você não dá chance ao setor madeireiro que quer trabalhar legalmente, você os empurra para a ilegalidade”, afirma. “O povo não pára de comprar móveis e construir casas porque o governo não aprovou um plano de manejo na Amazônia. A demanda existe e a oferta é cada vez mais escassa”.

A proposta do governo já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e nas comissões de Meio Ambiente, Assuntos Econômicos e Constituição e Justiça do Senado. Mas, como ainda falta a aprovação do Senado e 2006 é ano de eleição, não haverá tempo para colocá-la em prática ainda este ano, acredita Lima. “Partindo do zero, da sanção do presidente até primeiro conjunto de licitações, na melhor das hipóteses leva um ano. A secretaria de florestas do Ministério do Meio Ambiente diz que consegue fazer em seis meses. Mas mesmo para fazer isso em seis meses, eles teriam que ter começado em 1º de janeiro para até 30 de junho poder licitar. Porque o governo só pode fazer licitação em relação a bens públicos até três meses antes das eleições”, argumenta o advogado. “A implementação desse projeto ainda em 2006 está em vias de se perder”.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

O projeto de lei 4.776/05, que regulamenta a gestão de florestas públicas no Brasil, é uma das bandeiras mais defendidas pelo Ministério do Meio Ambiente e pela ministra Marina Silva. Entre os pontos da proposta, está a concessão de áreas florestais de propriedade do governo para uso de empresas. O sr. Acredita que isso pode ajudar a resolver os problemas administrativos de áreas desse tipo no Brasil?

André Lima — Acredito que é um bom projeto e que traz várias propostas importantes para o contexto do desenvolvimento sustentável da Amazônia. A concessão florestal para a iniciativa privada é apenas uma dessas propostas e há uma série de salvaguardas para a implementação dessas concessões.
É um projeto ousado. Até hoje nenhum governo propôs algo semelhante com as garantias que esse projeto prevê. Na o governo Fernando Henrique Cardoso, foi proposto um projeto de concessões de florestas nacionais, mas que tratava exclusivamente disso. Esse é um projeto que trata da gestão das florestas públicas onde a concessão mediante licitação é apenas um dos instrumentos.

O sr. Falou em salvaguardas. Pode dar algum exemplo dessas garantias?

Lima — Vou falar sobre três básicas. Uma é que as áreas consideradas prioritárias para a conservação da biodiversidade, como unidades de conservação e terras indígenas, não poderão ser, em hipótese alguma, submetidas à concessão florestal. Você pode dizer que isso é óbvio e que se não fosse assim seria terrível. Mas não é assim tão óbvio, porque elas estão sob uma legislação normal. Elas não são necessariamente parques nacionais, por exemplo. Mesmo assim, o projeto não permitirá o uso econômico dessas áreas. Isso é uma garantia.
Outra, que foi determinante para o apoio das organizações não-governamentais ao projeto, é a garantia de direitos fundiários às populações tradicionais que habitam historicamente as florestas públicas. Comunidades de ribeirinhos, por exemplo, ficam espalhadas ao longo de rios em florestas que à primeira vista parecem inabitadas. O projeto prevê que essas populações têm prioridade sobre essas áreas e o poder público não vai poder fazer licitações sobre elas.
Uma terceira garantia é que a seleção dessas áreas para licitação vai ter que se dar dentro de um procedimento com audiências públicas e com a aprovação por um conselho onde não apenas o governo e o setor empresarial, mas também os representantes de comunidades vão participar. Haverá um processo de análise do cumprimento dos critérios, que, pelo menos na lei, é transparente e participativo.

O Ministério do Meio Ambiente insistiu para que esse projeto fosse aprovado na Câmara e no Senado antes do fim de 2005, para que houvesse tempo para a organização das licitações antes das eleições de 2006. No entanto, isso não foi possível. Quais os problemas que esse atraso acarreta?

Lima — Esse projeto é muito complexo e, por isso, demanda uma estrutura — não só física, mas de cargos e funcionários — muito grande para operar. E demanda também uma regulamentação. Não é algo auto-executável. São necessários decretos para definir determinadas questões, uma agenda para começar a implementar, para só a partir daí começar todo o processo de seleção das áreas, de aprovação pelos conselhos, de audiências públicas, de licitação e de contratação. Tudo isso leva tempo. Partindo do zero, da sanção do presidente ao projeto de lei ao primeiro conjunto de licitações, na melhor das hipóteses isso leva um ano. A secretaria de florestas do Ministério do Meio Ambiente diz que consegue fazer em seis meses. Mas mesmo para fazer isso em seis meses, eles teriam que ter começado em 1º de janeiro para até 30 de junho poder licitar. Porque o governo só pode fazer licitação em relação a bens públicos até três meses antes das eleições. Então, a implementação desse projeto ainda em 2006 já está em vias de se perder.
É fundamental que esse projeto seja aprovado já. O problema é que a liderança do PFL fez algumas emendas e, por isso, depois de aprovado, ele tem que voltar para a Câmara dos Deputados, para que essas emendas sejam apreciadas. Levando em conta a urgência constitucional e esperando que o governo vá colocar todo o seu empenho para a aprovação desse projeto, na melhor das hipóteses, ele será aprovado e sancionado daqui um mês. Aí já será março. Ou seja, se o governo colocar toda a sua carga, mesmo assim fica difícil para implementar neste ano. Não vou dizer que é impossível. Mas é bastante sacrificado.

Essa pressa para deixar tudo pronto a tempo não pode trazer problemas?

André Lima — Sim, com isso você coloca em risco uma série de garantias que são importantes. Como você vai fazer um processo de audiência pública transparente, que dê tempo para a sociedade se organizar e apreciar as propostas, se você tem que colocar em prática até junho, julho no máximo? Esse projeto precisa ser aprovado urgentemente.

Há riscos de o projeto ser perdido caso as licitações não sejam feitas ainda este ano e um candidato da oposição se eleger em outubro?

Lima — Acredito que não. Não existe resistência hoje ao mérito do projeto. Há, é claro, resistências pontuais e individuais, mas do ponto de vista dos partidos, não. Pode até haver divergências internas nos partidos, mas o PSDB já disse que não é contra, o PMDB disse que não é contra, os demais partidos também estão votando a favor. Só existe uma resistência, do PFL, mas ela é mais do ponto de vista político. Como esse projeto é importante para o governo, e a oposição tem que ter elementos para barganhar, ele acabou virando uma moeda de troca política. Se o governo quer aprovar o projeto hoje, eles apresentam um outro projeto para negociar. Isso já foi feito.

É possível dizer que essas disputas políticas podem criar um problema ambiental?

Lima — Bom, elas travam todo o processo de implementação desse sistema. E isso traz prejuízos econômicos e ecológicos. Porque se você não dá chance ao setor madeireiro que quer trabalhar legalmente, você os empurra para a ilegalidade. Eles têm que trabalhar. O Brasil compra muita madeira, o principal consumidor da madeira brasileira é o próprio Brasil. O povo não pára de comprar móveis e construir casas porque o governo não aprovou um plano de manejo na Amazônia. A demanda existe, a oferta é cada vez mais escassa. Se o governo não colocar logo um sistema com uma política razoável, teremos problemas sérios.

Um dos pontos mais polêmicos do projeto de lei é a criação de um órgão ambiental para controlar as concessões de florestas, o Serviço Florestal Brasileiro. Os opositores da proposta dizem que não há necessidade de criar esse novo órgão, pois sua função pode ser exercida pelo IBAMA [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis]. Qual é sua opinião sobre isso?

Lima — Não deve caber ao IBAMA a atribuição de promover licitações para uso florestal fora de unidades de conservação. O IBAMA já tem mais de 70 atribuições. Dentre elas, há duas que tem mais a ver com o projeto. Uma é a fiscalização de circulação de madeira e de desmatamento. A outra é o licenciamento ambiental. E com essa demanda que vai surgir com esse novo sistema, o órgão vai precisar ser fortalecido. Na verdade, então, o que vai acontecer é o contrário: o IBAMA não vai ser enfraquecido em suas funções, mas terá que ser fortalecido em suas atribuições fundamentais.
O que pode, e de fato vai acontecer, é que algumas das funções do IBAMA de fomento à área florestal serão incorporadas por esse novo órgão. Mas na nossa opinião, o IBAMA é um órgão de controle, monitoramento e planejamento ambiental e não de fomento florestal. Para isso, precisa ter uma estrutura própria. Se houver perda de função não será de uma competência principal do IBAMA. Por outro lado, as competências fundamentais, de fiscalização, gestão ambiental e licenciamento, serão fortalecidas.
Além disso, para se ter uma gestão pública honesta, não cabe ao órgão que fiscaliza, executar. O IBAMA fiscaliza e licencia a questão ambiental. O Serviço Florestal Brasileiro vai gerir o processo público de licitação, organizar o sistema, identificar áreas potenciais, elaborar o plano de outorga e o submeter à aprovação do IBAMA. É preciso um novo órgão, porque é um novo sistema.

Outro ponto que gera polêmica é o fato de que ela não tem restrições a conceder áreas florestais para empresas de capital estrangeiro. Na sua opinião isso pode abrir uma brecha para a internacionalização da Amazônia?

Lima — Não. Porque é preciso avaliar certas coisas. Primeiro, o projeto prevê que no máximo 20% das áreas com potencial econômico de exploração florestal poderão ser utilizadas nos próximos dez anos. É uma limitação territorial expressiva. 80% do potencial econômico madeireiro da Amazônia não deverão ser explorados nos próximos dez anos em terras públicas. Isso significa que no máximo, 3% de todo o território da Amazônia estaria disponível para licitação. Admitindo, apenas como argumento, a hipótese de que só madeireiras internacionais ganhassem as licitações, ainda assim elas estariam atuando em 3% do território.
Mas haverá limites para o número de lotes que uma empresa vai poder ganhar na licitação. Uma grande empresa não poderá concorrer em três ou quatro licitações ao mesmo tempo. Ganhou uma, vai ter que operar naquela e pronto porque a lei estabelece um limite territorial.
Além disso, hoje, dentro do sistema agropecuário, todos os médios e grandes produtores já estão reféns de grandes empresas internacionais. Há um volume de terras muito maior que já está sendo gerido a serviço de multinacionais nesse setor.
Isso mostra que essa crítica ao projeto é medíocre. Todas as grandes empresas hoje que investem na geração de energia, a mineração, na agropecuária são de capital internacional.

Para terminar, o que o sr. Acredita que é necessário fazer para que esse projeto de lei realmente acabe com os problemas de gestão florestal do Brasil e não se torne simplesmente um tipo de privatização de áreas públicas?

Lima — A primeira coisa é que todas as garantias socioambientais previstas nele sejam levadas a sério. Se não forem, ele simplesmente vai ser um projeto de concessão e não de gestão ambiental. O segundo ponto é que tem que haver fortalecimento do IBAMA para que ele exerça plenamente a sua competência de fiscalização e de gestão florestal. É preciso garantir o orçamento, o treinamento e a implementação de um instrumento de controle da exploração florestal que seja consistente, transparente e efetivo.
Além disso, tem que haver investimentos para o setor florestal. O Brasil é o campeão de exportação de uma série de produtos agropecuários. Por quê? Porque o governo investiu nesse setor. É preciso lembrar que o Brasil também é um país florestal e tem um potencial imenso de crescimento nessa área. Isso tem que ser levado a sério.
(PNUD Brasil, 27/01)

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