Licenças ambientais deixam produção de uva sem alternativa de escoamento
2006-01-30
O viticultor Janecir Megiolaro, morador do Vale dos Vinhedos, em Bento
Gonçalves, enfrenta problema para escoar sua produção. Ele precisa abrir uma
estrada de pouco mais de 50 metros por meio de um mato de espécies nativas
para chegar até suas parreiras. Sem a derrubada de parte das árvores, cerca
de 30 mil quilos de uva, que devem ser colhidos na próxima semana, não
poderão ser transportados.
Megiolaro conta que, em novembro de 2004, pediu uma licença para a Secretaria
Municipal do Meio Ambiente de Bento.
Segundo o agricultor, a secretaria teria repassado o pedido para a Defap no
mesmo ano. Sem retorno até agora, Megiolaro, que promete reflorestar outra
área, diz que não vai perder a safra:
- Vou ter que botar o trator, depois vejo se vai compensar pagar a multa -
afirma.
A estrada que ele utilizava para chegar no parreiral passa pelas terras do
vizinho, mas a Justiça, em dezembro do ano passado, impediu o trânsito de
Janecir pela antiga passagem.
Impedidos de crescer
Agricultores de pelo menos 18 municípios da Serra que dependem do corte de
capoeira em suas propriedades para expandir as áreas de cultivo esperam há
mais de um ano pela realização de vistoria técnica para emissão de licenças.
O documento é liberado pelo Departamento de Florestas e Áreas Protegidas
(Defap), órgão subordinado à Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema).
Mas a demora tem explicação: no escritório regional, localizado em Caxias do
Sul, existe apenas um técnico que, entre outras atribuições, faz as
inspeções em toda a região. Os produtores caxienses não sofrem com o
problema, porque na cidade o atendimento foi municipalizado.
O atraso vem causando sérios prejuízos para os agricultores. Como há
períodos específicos para que os plantios sejam feitos, a espera pela
liberação faz com que os produtores deixem de ganhar por não ter como
investir em plantações nesses terrenos onde há capoeira. O fato também é
motivo de revolta por parte dos agricultores, uma vez que, se fizerem o
corte sem a autorização, podem ser multados por crime contra o meio ambiente.
- Os agricultores não querem sair derrubando tudo pela frente. Ao contrário,
querem fazer tudo de forma correta, dentro da lei. Mas o próprio Estado não
está cumprindo com a lei que impôs a eles - reclama Olir Schiavenin,
presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Flores da Cunha.
Segundo levantamento do sindicato, apenas naquele município há pelo menos 30
pedidos pendentes de avaliação, que somam uma área total média de 17,5
hectares. Em Bento Gonçalves, estima-se que estejam na fila de espera um
mínimo de 150 pedidos.
O próprio representante do Defap na região, Jefferson André Floss, confessa
não ter idéia do total de requerimentos para corte de vegetação acumulados
em toda a região.
Órgão reconhece falta de profissionais
O atraso na emissão das licenças para corte de vegetação se agravou em 2005,
quando o único técnico responsável pelo Departamento de Florestas e Áreas
Protegidas (Defap) na região suspendeu suas atividades em função de
problemas no carro que utilizava para a realização das perícias e vistorias.
Na metade do ano, após o conserto do veículo, o funcionário se afastou do
órgão, que ficou seis meses sem nenhum técnico. O atual agente florestal,
Jefferson André Floss, assumiu o posto no dia 3 de janeiro deste ano. Além
dele, trabalham no local duas funcionárias administrativas. Floss admite que
o volume de trabalho acumulado é excessivo. Só para contar todos os
processos - que incluem laudos técnicos para o Ministério Público, pedidos
de licenciamento de cortes, entre outros procedimentos -, ele calcula que
levaria dois dias.
- A minha situação é muito difícil. Até mesmo para dar qualquer previsão de
prazo ou projeção de atendimento - desabafa.
O diretor do Defap, Antônio Carlos Bueno e Souza, concorda que há defasagem
de mão-de-obra para a realização dos serviços competentes ao órgão e explica
que o departamento pleiteia, junto ao governo estadual, a realização de
concurso público para a contratação de mais 110 técnicos.
Até que o concurso seja aprovado, ele diz que há outra alternativa para a
agilização do trabalho. Seriam convênios entre prefeituras e sindicatos para
a habilitação de técnicos que façam as vistorias para a emissão das licenças.
A municipalização é permitida pelo Estado e já ocorre em Caxias do Sul.
Ambientalistas recorrem a governo
Além dos produtores rurais, a situação também vem preocupando ambientalistas.
Na segunda semana de janeiro, a Associação Bento-Gonçalvense de Proteção ao
Ambiente Natural (Abepan) enviou uma carta ao governador Germano Rigotto
pedindo que medidas sejam tomadas para a solução imediata desse problema. Um
dos argumentos apresentados pela entidade é que a ampliação das áreas de
cultivo se faz necessária para manter o agricultor no meio rural.
A justificativa vale principalmente para os filhos desses produtores que, se
não tiverem seu próprio espaço de cultivo, acabam nas cidades em busca de
emprego, contribuindo para o êxodo rural e a formação dos cinturões de
miséria no entorno dos centros urbanos.
Há ainda a questão de que, se não forem feitos de forma controlada, os
cortes de árvores nas propriedades podem causar desequilíbrio ambiental.
- Pode parecer estranho para um ambientalista defender essa causa, mas para
a ecologia se os cortes forem feitos fora da lei é pior ainda - acrescenta
Luiz Augusto Signor, presidente da Abepan.
(Pioneiro, 27/01/06)