Um mundo e dois lados contra as mudanças climáticas
2006-01-27
As duas reuniões intergovernamentais realizadas recentemente, uma no final de 2005 e outra no início de 2006, tinham a princípio a mesma intenção – atacar o crescente problema das mudanças climáticas – mas com diferentes propostas para resolver as questões. Qual desses movimentos dominantes pode ser crucial para o século 21?
A primeira reunião, em Montreal, no Canadá, entre novembro e dezembro de 2005, foi a primeira rodada de conversas sobre o Protocolo de Kyoto e as mudanças climáticas desde que o acordo mediado pela ONU entrou em vigor, em 16 de fevereiro de 2005, mais de sete anos depois de ser negociado. No cerne do Protocolo de Kyoto está o princípio de que os países desenvolvidos devem ser obrigados a reduzir até 2012 as emissões de gases causadores do efeito estufa (GEE) aos níveis relativos a 1990.
Países em desenvolvimento não receberam metas para a redução de emissões nessa primeira fase de operação do acordo, mas seriam ajudados a reduzir suas emissões por investimentos em MDL - Mecanismos de Desenvolvimento Limpo. O protocolo prevê que este mecanismo autorize os países ricos a financiar o desenvolvimento de projetos de tecnologias de baixo-carbono, que reduzam a produção de emissões, em países pobres.
A vantagem para os desenvolvidos é poder utilizar as reduções de emissões contra suas próprias metas de Kyoto. Cerca de €10bn devem sair de companhias ricas para as pobres até 2012 sob este mecanismo.
A segunda reunião foi a primeira conferência dos países do Acordo Ásia-Pacífico sobre Desenvolvimento Limpo e Mudanças Climáticas, que aconteceu em Sydney, neste mês de Janeiro. Foi a primeira vez que os seis países envolvidos se reuniram desde o anúncio da parceria, em julho de 2005.
Estados Unidos, Austrália, China, Japão, Índia e Coréia do Sul juntos são responsáveis por quase metade de todas as emissões de gases do efeito estufa no mundo. Diferentemente das conversas em Montreal, a parceria Ásia-Pacífico evita mencionar metas e prazos para a redução de emissões, mas mostra-se a favor de compartilhar tecnologias entre os participantes.
Os ministros de governo que participaram da reunião disseram que o setor privado providenciaria o motor principal do investimento em tecnologia limpa – produtos e técnicas, tal como turbinas de vento e novos métodos para a queima de carvão, mais eficientes e que cortem as emissões de GEE.
O contraste entre as duas reuniões demonstra qual é a divergência fundamental para se lidar com as mudanças climáticas. De um lado, proponentes do acordo de Kyoto – principalmente a União Européia – dizem que somente alcançando metas e cumprindo prazos é possível reduzir das emissões de forma a se evitar uma catástrofe climática.
Do outro lado, está um movimento defendido pelo governo americano, com a crença em novas tecnologias que serão desenvolvidas e implementadas no futuro para reduzir os gases do efeito estufa. Defensores desta corrente, dizem que a regulação do governo para impor a redução de emissões não será necessária e que, de fato, seria prejudicial, assim como impediria o crescimento econômico.
Autoridades americanas têm sido cautelosas para evitar dizer diretamente que a pareceria Ásia-Pacífico foi formada como uma alternativa ao Protocolo de Kyoto. Paula Dobriansky, subsecretária de estado dos EUA para questões globais, disse ao jornal Fincancial Times: “Nós vimos isso como um complemento, não como uma substituição, para o Protocolo de Kyoto”. No entanto, EUA e Austrália, principais articuladores atrás da pareria Ásia-Pacífico, são os únicos paises desenvolvidos que rejeitaram o Protocolo de Kyoto.
O governo australiano tem se mostrado muito mais disposto a posicionar a parceria como um meio de pôr o Protocolo de Kyoto de lado. O ministro da indústria da Austrália, Ian Macfarlane, falou a uma rádio do país durante a conferência em Sydney: “A realidade é que a nova tecnologia poupará três vezes mais gases do efeito estufa do que o Procoloco de Kyoto, por causa de coisas como geosequestramento, energia solar, melhor utilização das mais novas tecnologias, que irão ver produção e consumo de eletricidade mais eficientes”.
A divergência entre esses movimentos não é apenas uma questão de tecnologia de um lado e regulação de outro. Defensores do Protocolo de Kyoto concordam alegremente que a tecnologia é essencial para fornecer meios de diminuir as emissões. No entanto, dizem que metas e prazos para redução de emissões são essenciais para se assegurar a implementação da tecnologia. Em muitos casos, o uso de tecnologias de baixo-carbono impõe custos aos negócios. Ajustar um equipamento para redução de carbono em uma planta de carvão convencional, por exemplo, pode custar milhões de libras.
Por essa razão, argumentam, somente o regulamento fornece a espora necessária para assegurar que a tecnologia seja desenvolvida e largamente instalada. O diretor geral da Natsource, Dirk Forrister, conselheiro do presidente anterior dos EUA, Bill Clinton, disse: “Essa energia limpa não voa para fora das prateleiras por si mesma. É preciso que o governo ajude a criar um mercado para ela em primeiro lugar”.
Mas na reunião de Sydney, o secretário de Energia dos EUA, Samuel Bodman, recusou robustamente acusações de que o setor privado não tenha mostrado o menor interesse em tecnologias limpas: “Eu acredito que as pessoas que comandam o setor privado, quem toca essas companhias, possue filhos e também netos, eles vivem e respiram no mundo”.
Atualmente, o gás compõe mais do que 375 partes por milhão da atmosfera, muito acima das 280 da época pré-industrial. Cientistas estão preocupados pois se esse crescimento ultrapassar as 500 partes por milhão, a Terra poderá encarar uma mudança climática de proporções irreversíveis. Como emitimos mais gases a cada ano, e eles vão sendo acumulados constantemente no ar, estamos em uma corrida contra o tempo para cortar as emissões. Por isso, defensores de Kyoto explicam, não podemos esperar que o mercado forneça soluções sem a ajuda de uma regulamentação.
(CarbonoBrasil, 25/01/06)