Biodiesel americano tem tecnologia brasileira
2006-01-27
O pesquisador brasileiro Miguel Dabdoub, conhecido no Brasil como "o pai do
biodiesel", vai comandar um projeto ambicioso na região Sul dos Estados
Unidos que prevê a construção, a partir do segundo semestre deste ano e em
sete estados, de dez unidades de produção do combustível alternativo -
elaborado a partir da mistura de óleos vegetais com álcool.
As fábricas instaladas por Dabdoub terão bandeira da empresa Earth Biofuels,
Inc. (EBI), companhia de capital aberto sediada em Dallas, no Texas, e
listada na Nasdaq (a bolsa eletrônica que reúne as empresas de tecnologia).
A empresa tem entre seus acionistas o ator Morgan Freeman e o cantor de
country Willie Nelson, também "garotos-propaganda" do biodiesel nos Estados
Unidos.
Assim como as duas celebridades norte-americanas, que são também diretores
da empresa, o pesquisador brasileiro, de 43 anos, tornou-se "parceiro
estratégico" dentro da Earth Biofuels, companhia criada há dois anos pelo
grupo petroquímico Apollo Resources International.
O grupo vê agora o seu negócio prosperar graças sobretudo ao surgimento de
programas governamentais de incentivos à introdução no mercado de energias
alternativas e menos poluentes, em substituição ao diesel derivado do
petróleo, geralmente importado.
"A minha missão é transferir todo o meu conhecimento científico para que a
Earth Biofuels possa produzir um combustível competitivo e de qualidade",
diz Dabdoub, que não gosta de ser chamado de "pai do biodiesel", apesar de
acumular mais de 15 anos de envolvimento intenso com o combustível,
colecionando inúmeros projetos pioneiros de sucesso realizados a partir de
testes feitos no campus da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto
(SP), onde ele é responsável pela coordenação do Laboratório de
Desenvolvimento de Tecnologia Limpa (Ladatel).
"Prefiro ser reconhecido como um dos maiores entusiastas do biodiesel no
País", afirma o brasileiro, que é caracterizado no site da Earth Biofuels
como "uma autoridade mundial no desenvolvimento do biodiesel".
Segundo Dabdoub, as primeiras fábricas de biodiesel começam a ser
construídas a partir do segundo semestre. Todo o projeto - ou seja, a
operação plena das sete unidades produtivas - deve ser finalizado em um
prazo máximo de dois anos. Cada unidade fabril de biodiesel consumirá
investimentos de US$ 5 milhões a US$ 7 milhões. Esses valores contemplam
somente o maquinário para transformação do óleo em biodiesel. É preciso
incluir ainda na conta do projeto os gastos com a parte agrícola (compra de
matéria-prima e estocagem de produtos) e com a instalação da fábrica de óleo
(esmagadora de grãos). Nesse caso, de acordo com o cientista brasileiro, os
investimentos sobem para US$ 50 milhões por unidade produtiva, o que,
multiplicado por dez, resulta em um negócio total em torno de US$ 500
milhões.
Pelo acordo assinado por Dabdoub, a Earth Biofuels passou a ter o direito de
uso exclusivo nos Estados Unidos de toda a tecnologia concebida pela
Biodiesel Brasil, empresa criada pelo cientista e que atualmente é conduzida
por mais três sócios brasileiros. Em troca, Dadboub tornou-se também um
acionista da companhia norte-americana dirigida por Tommy Johnson, ou seja,
o trabalho do cientista é remunerado com ações da empresa.
A Earth Biofuels nasceu com a missão de não só produzir o biodiesel em
grande escala, mas também de vendê-lo no varejo com marca própria em todo o
território norte-americano, começando os investimentos pela região Sul, mais
precisamente pela redondeza dos sete estados onde serão construídas as
unidades fabris - Texas, Oklahoma, Tennessee, Mississippi, Arkansas,
Louisiana e Geórgia.
As fábricas terão capacidade máxima para produzir 10 milhões de galões de
biodiesel por ano, o equivalente a 40 milhões de litros/ano. Trata-se de uma
fábrica de porte médio, propositadamente concebida para se encaixar dentro
do programa de incentivos lançado por alguns estados norte-americanos. "Para
incentivar os produtores de biodiesel de menor porte, o governo de lá
oferece subsídios aos empresários que optarem por empreendimentos com
capacidade de até 10 milhões de galões", afirma.
Por cada galão do combustível produzido, a Earth Biofuels irá receber US$
0,20, o que significa que cada uma das instalações da empresa
norte-americana receberá uma restituição anual de US$ 2 milhões. Apesar de
ser contra a política de subsídios aplicadas pelos EUA em sua agricultura -
que tanto prejudica os concorrentes internacionais, incluindo o Brasil -,
Dabdoub não vê problemas quando o caso envolve a ajuda ao um mercado ainda
em evolução, como é o caso do biodiesel. "Numa primeira etapa, o filho
pequeno precisa ser amamentado, para depois crescer e andar sozinho",
compara.
Os primeiros testes comerciais da empresa com o combustível alternativo
foram feitos no ano passado, em dois postos da região do Mississipi. Tudo
foi acompanhado de perto por Dadboub, que desde aquele período já prestava
consultoria tecnológica para companhia norte-americana, sendo responsável
pela condução de pequenas fábricas-piloto, com capacidade de produção de 3
milhões de galões de biodiesel por ano (11,1 milhões de litros). "Colocamos
o nosso B-20 (como é chamado a mistura de 20% de biodiesel com 80% de diesel
mineral) nas bombas de Mississipi e foi um sucesso imediato", diz Dabdoub.
"Hoje em dia há uma consciência muita grande dos consumidores
norte-americanos em relação aos problemas ambientais provocados pelos
combustíveis convencionais", completa.
O combustível produzido pela Earth Biofuels é feito a partir da mistura de
óleo de soja (ou, em menor escala, de canola) e etanol (o álcool derivado do
petróleo). Por questões econômicas, Dabdoub não utilizará nas plantas
comerciais da empresa norte-americana o etanol (álcool) - matéria-prima 100%
limpa e renovável, adotado pelas fábricas de biodiesel do Brasil, as únicas
no mundo a produzir um biodiesel 100% "verde". Mesmo assim, o cientista
brasileiro garante que o produto da Earth Biofuels também traz ganhos
significativos ao meio ambiente. "Como no biodiesel o óleo vegetal é
responsável por 85% do produto final, o combustível feito à base de metanol
também proporciona redução na emissão de poluentes", explica.
No entanto, embora o apelo ambiental seja importante para o avanço do
mercado de biodiesel, na hora de abastecer o veículo, a primeira coisa que
vem à cabeça do consumidor ainda é o valor pago pelo litro do combustível.
Ou seja, o biodiesel pode apodrecer nas bombas caso seu preço esteja muito
acima do valor da gasolina ou do diesel de petróleo.
Segundo Dabdoub, o temor de que o biodiesel emperre nas bombas dos EUA por
conta de seu preço menos competitivo levou o governo norte-americano a
ampliar para o varejo o seu programa de subsídios ao combustível alternativo.
"Existe uma lei federal que determina a concessão de um subsídio de US$ 1
por galão (3,7 litros) para os postos que optarem pela comercialização do
biodiesel misturado ao diesel (em qualquer proporção)", diz.
Além da ajuda governamental e do apelo ecológico, a Earth Biofuels aposta na
força da marca escolhida para estampar as bombas dos postos de combustíveis
espalhados pelo Sul dos EUA - a "BioWillie", que pertencente ao sócio
ilustre Willie Nelson. Assim, logo de imediato, a empresa texana pretende
conquistar os amantes da música country da região, que geralmente escutam
seu gênero preferido enquanto dirigem picapes ou carretas movidas a diesel.
(GM, 26/01)