Evo ataca liberalismo e acena com política energética comum
2006-01-25
Olhos marejados, punho em riste, contando com um recorde de 74% de aprovação popular, Evo Morales Ayma, 46, tomou posse em La Paz como presidente da Bolívia. Em seu discurso - diante do Congresso e de convidados estrangeiros, como os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Néstor Kirchner, Hugo Chávez e Ricardo Lagos - o novo presidente prometeu " recuperar os recursos naturais para as mãos do povo " . Pois é principalmente com Brasil, Argentina, Venezuela e Chile que ele terá de renegociar suas relações, tendo o gás natural como fio condutor.
Evo criticou a privatização dos serviços básicos, como o de águas, e do setor de energia. " Na Bolívia, o modelo neoliberal não pode perdurar. Pediram-me para acabar com o radicalismo sindical; temos de acabar é com o radicalismo neoliberal. " , disse.
Evo marcou posição ao agradecer especialmente ao presidente Lula por tê-lo orientado e ao presidente Hugo Chávez por sua ajuda. Pregou uma política energética comum. No sábado, Chávez anunciara que a PDVSA, estatal de petróleo venezuelana, instalará um escritório em La Paz, dando início a um processo de profunda colaboração com a YPFB, a ressuscitada estatal de petróleo da Bolívia.
Visto pela maioria dos deputados governistas como uma espécie de " tábua de salvação ", Chávez disse que a PDVSA dividirá com a YPFB todo o seu know-how e que participará da extração e do refino do gás no país. Além disso, prometeu dar US$ 30 milhões para programas sociais de saúde e educação e fornecer cerca de 150 mil barris de diesel ao mês em troca de produtos agrícolas. Entretanto, ele não deu detalhes de quando as promessas se concretizarão.
" Ele (Evo) trata Chávez como exemplo, como melhor amigo, como salvador " , critica um senador da oposição ligado a grupos empresariais de Santa Cruz. No Brasil, alguns analistas temem que uma eventual preponderância de Chávez obscureça a atuação da Petrobras, hoje a maior empresa da Bolívia. Por outro lado, um diplomata que acompanha as negociações entre a empresa brasileira e o novo governo boliviano ressalta que a PDVSA e a Petrobras têm negócios em comum na Venezuela e no Brasil. " Você acha que eles vão começar a dar caneladas na Petrobras? " , questiona.
Um técnico brasileiro que participa das negociações, porém, disse esperar profundas mudanças nas relações da Petrobras com o governo Morales. " Carlos Villegas (chefe da equipe de transição econômica boliviana) é um defensor da reestatização e vai influenciar muito a linha política do governo " , disse.
O gás natural deverá ajudar na aproximação da Bolívia com o Chile. Morales já dá sinais de que começará a vender o produto ao vizinho. Hoje, por motivos políticos, o gás é o único produto boliviano que não é exportado para o Chile.
Com os EUA, as relações do novo governo seguem cautelosas. Em seu discurso, Evo pediu solidariedade aos americanos e prometeu uma política de " narcotráfico zero " , e não uma ação contra os plantadores da folha de coca. O principal interesse dos EUA hoje é a erradicação das plantações de coca.
Todos esses temas devem agitar o Congresso e a Constituinte que Evo quer convocar para agosto. Até lá, os analistas não sabem bem o que esperar do governo.
(Valor, 23/01/06)