Superpopulação faz reserva virar favela
2006-01-24
Nos últimos 18 anos, a população da reserva indígena de Dourados, a 250 km de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, saltou de 4,5 mil para cerca de 11 mil pessoas, que vivem confinadas num espaço de 3,8 mil hectares - uma área de periferia urbana quase sem mata, caça ou reservas naturais para a sobrevivência material e cultural do grupo. "Estamos produzindo um favelão indígena", constatou o diretor clínico da Missão Guarani-Caiová, médico Franklin Amorim Sayão, que acompanha a variação demográfica indígena desde que chegou à área, em 1988. Em decorrência da explosão demográfica, agravaram-se os problemas de saúde, causados por desnutrição e pelo trabalho rude que os índios são forçados a aceitar para sobreviver. Um dos mais insalubres, conforme o médico, é o corte de cana, atividade que já rivaliza com a soja no MS. Em conseqüência, são comuns os casos de câncer de pele e problemas de coluna. "Quase todos os homens da reserva sofrem da coluna e, ainda jovens, muitos ficam inutilizados para o trabalho", disse.
É elevado também o índice de alcoolismo, sobretudo entre jovens, violência, prostituição e degradação social. Fortes, rústicos e normalmente pacatos, os guaranis-caiovás são muito requisitados pelas usinas e plantadores de cana. "Eles contentam-se com pouca comida e salário baixo e trabalham do nascer do dia ao pôr-do-sol sem descanso nem proteção", explicou Franklin.
O problema, a seu ver, decorre da combinação de escassez de terras com altas taxas de natalidade e de imigração crescente. "Os programas sociais começaram finalmente a surtir efeito e isso está atraindo índios de todas as partes, inclusive do Paraguai", disse o médico. Entre os recém-chegados estão familiares que residiam em outras aldeias e até índios de outras etnias, como terenas e caiapós.
Eles vêm em busca de programas públicos como o de moradia, que financia 2 mil casas de alvenaria para os moradores da reserva, o de cestas básicas e o Bolsa Família. Um dos beneficiários é o guarani Argemiro Amarilho, de 25 anos. Ele vive com a mulher, Márcia, e os filhos Zilane, de 6 anos, e Aldemir, de 2, na casa de quatro cômodos construída pelo governo no seu lote de 500 metros quadrados. "Comecei com 16 anos no corte de cana, mas sofro muito com a coluna. Acho que não vou agüentar muito mais tempo", lamentou.
Os índios são usados nas fazendas como mão-de-obra barata, em condições semelhantes à escravidão, enquanto lutam pela expansão da reserva. Laudos encomendados pela Funai constataram que a reserva deveria ser de no mínimo 27 mil hectares.
(O Estado de S. Paulo, 23/01)