Estudo que detectou rica biodiversidade no solo do deserto poderia abrir novas possibilidades no semi-árido brasileiro
2006-01-23
Um estudo divulgado na semana passada pelo Estadão On Line revelou que, debaixo do solo, a biodiversidade de microorganismos nos desertos e pradarias mostrou-se muito maior do que a da floresta tropical. Às vezes, até o dobro. (Leia notícia completa em Areia de deserto é mais rica que solo da Amazônia)
Na prática, regiões aparentemente inóspitas vem obtendo, por intermédio de tecnologias de irrigação, uma produtividade agropecuária invejável. A Jordânia, por exemplo, mesmo constituída de desertos em 80% do seu território, exporta alimentos aos países vizinhos.
Passando para a realidade local, há quase dez anos, cientistas e pesquisadores presentes à IV Reunião Especial da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC –, em Feira de Santana (BA), concluíram que o semi-árido brasileiro não é um ecossistema improdutivo e degradado. Ao contrário, com utilização de tecnologias adequadas e ambientalmente sustentáveis, pode tornar-se campo para geração de renda e empregos.
Como seria previsível, no evento foi levantado o exemplo de Israel, cuja agricultura – uma das mais produtivas do mundo – se dá à beira do deserto. Pelo menos metade das terras agrícolas são irrigadas.
Essas conclusões corroboradas pelo rigor científico poderiam, em tese, estimular o Governo Federal a investir mais nos potenciais do semi-árido, diminuindo a pressão dos cultivos na Amazônia legal. Porém, tal proposta não contempla os anseios da Confederação Nacional da Agricultura – CNA.
“O Governo tem que incentivar tudo, mas esse estudo é recebido com muita reserva, porque não temos a menor perspectiva de que sejam diminuídas as limitações administrativas sobre o uso da propriedade rural na Amazônia”, diz Tibério Guitton, assessor técnico do Departamento Econômico e da Comissão Nacional de Meio Ambiente da CNA.
O pesquisador da Embrapa Antônio Cabral Cavalcanti observou que o estudo trata de riqueza microbiológica no ambiente do solo e não das propriedades do solo em si - físicas, químicas e mineralógicas. “As atividades biológicas têm mais suporte em ambientes de clima temperado do que no tropical, ainda mais no rigor do entorno da linha do equador”, comenta ele, reafirmando que os solos da Amazônia são reconhecidamente de fertilidade natural muito baixa: ácidos, dessaturados de bases trocáveis, pobres em elementos disponíveis. “Nada que um manejo adequado com calagem e adubação não os tornem produtivos”, ressalva.
Explicação científica
O resultado do estudo que detectou maior micro-biodiversidade no solo do deserto do que na floresta tropical surpreendeu até a seus autores – ainda segundo a reportagem do Estadão. Mas não despertou igual reação no químico Antônio Germano Pinto, especialista em Recursos Naturais com ênfase em Geologia e articulista cujos trabalhos são freqüentemente publicados com exclusividade por AmbienteBrasil.
“Fico imaginando e tentando entender o porquê de tão grande estardalhaço com uma descoberta que grita ao bom senso e é de uma lógica cristalina”, diz ele, explicando cientificamente porque há maior biodiversidade de microorganismos, não só de bactérias, nas áreas desérticas do que no solo da floresta.
Primeiro, porque os ácidos orgânicos do húmus foram digeridos pelos próprios microorganismos, deixaram de existir, sendo o carbono em excesso expulso para atmosfera sob forma de gás carbônico ou gás natural. Segundo, porque os nutrientes (sais) existentes no ambiente húmico estão presentes alimentando a micro vida, não foram levados, dissolvidos pelas águas em excesso. E, como terceira razão, ele aponta que, na ausência dos ácidos orgânicos e na presença dos sais - entre eles, os fosfatos, nitratos e carbonatos -, o pH estará neutro ou em torno de sete, ideal a presença da vida.
Ao mesmo tempo – explica ele -, as florestas de certa forma inibem a micro-fauna e a micro-flora, não só as bactérias. Isto porque toda matéria orgânica (restos dos vegetais ou animais), ao se decompor, forma ácidos orgânicos, que empurram o pH para muito abaixo de sete, portanto, ácido. “A vida prefere o pH neutro (sete) ou em torno de sete. Por isso há uma seleção de espécies, reduzindo numericamente a variedade das mesmas, eliminando as não resistentes ao pH ácido”, coloca Antônio Germano. Paralelamente a isso, nas floresta, principalmente nas tropicais, há grande incidência de chuvas que aumentam a solubilidade dos ácidos orgânicos, agravando ainda mais o problema. “Quanto mais água, maior solubilidade dos ácidos, maior a acidez”.
Os resultados da pesquisa corroboram essa tese. Foram estudados solos com pH 3.5 (ácido) até 9.0 (alcalino). Os de maior biodiversidade foram os de pH neutro (próximo de 7), enquanto a menor ficou com os de pH muito ácido - justamente, os de floresta tropical.
(Ambiente Brasil, 21/01)