Justiça manda rever privatização da Vale do Rio Doce
2006-01-23
Por decisão da 5ª Turma do TRF (Tribunal Regional Federal) de Brasília, uma das principais privatizações da era Fernando Hen- rique Cardoso será revista pela Justiça. A venda da Companhia Vale do Rio Doce, maior mineradora do mundo, vai ter de passar por uma perícia técnica.
O objetivo é elucidar a suspeita de que o patrimônio da empresa tenha sido subestimado no processo de avaliação que antecedeu o leilão de privatização. Comprovado o prejuízo, os agentes públicos responsáveis podem ser condenados a ressarcir o erário.
A Vale do Rio Doce foi ao martelo em maio de 1997. Arrematou-a o "Consórcio Brasil", liderado à época pela CSN (Companhia Siderúrgica Nacional). Comprou das mãos do governo 41,73% das ações da empresa. Pagou R$ 3,338 bilhões, em valores da época. Hoje, a União detém insignificantes 6,1% das ações da companhia.
O julgamento que determinou que o negócio seja periciado ocorreu no dia 26 de outubro do ano passado. Só agora vem a público, na mesma semana em que o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), assinou o ato de criação da CPI das Privatizações, cujo funcionamento só depende dos líderes partidários, a quem cabe indicar os membros da comissão.
A reportagem obteve cópia da decisão do TRF. Refere-se ao julgamento de uma das dezenas de ações populares impetradas contra a venda da Vale. Figuram como réus no processo a União, o BNDES e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em decisão de primeira instância, o juiz federal Francisco de Assis Gardês Castro Jr., de Belém (PA), extinguira o processo, sob a alegação de que a venda da empresa já produzira efeitos que, se desfeitos, resultariam um desastre.
O processo subiu ao TRF, segunda instância do Judiciário. Ali, foi relatado pela desembargadora federal Selene Maria de Almeida. Ela considerou que apenas os aspectos formais do processo de privatização -dúvidas em relação ao edital- foram prejudicados pelo decurso de prazo.
O mesmo não ocorre com os questionamentos relacionados ao valor de venda da empresa. Ela anulou a decisão do juiz do Pará, determinando a reabertura do processo.
Selene escreveu na sentença: "Há que ter presente que as ações populares têm por objetivo, dentre outros, a recomposição do patrimônio lesado. Nesse sentido, as alegações relativas aos critérios de avaliação do patrimônio da Vale ganham relevo, pois, se corretas, eventual subavaliação terá levado a um gigantesco prejuízo ao patrimônio público, dada a enormidade do patrimônio da empresa".
A posição da desembargadora foi referendada pela 5ª Turma do TRF. Integram-na, além de Selene, os juízes Vallisney de Souza Oliveira e Marcelo Albernaz. Com a decisão, o processo retornou à Justiça Federal do Pará, para a realização da perícia, único modo, na opinião do tribunal, de elucidar as dúvidas quanto à avaliação do patrimônio da Vale e à existência de eventuais irregularidades no processo de privatização da empresa.
Procurada pela reportagem, a Vale informou, por meio da assessoria, que não iria se manifestar sobre o assunto. Por ser feriado local no Rio de Janeiro, a Folha não conseguir falar com o BNDES, responsável pelo programa de privatização na época.
(Folha de S.Paulo, 21/01)