Especialista alerta para risco da monocultura de árvores no Rio Grande do Sul
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2006-01-23
O professor e pesquisador do Instituto de Biociências da UFRGS e integrante
da entidade ecológica IGRE, Ludwig Buckup, participou na quinta, dia 19, de
entrevista online no clicRBS. Buckup foi questionado pelos internautas e
jornalistas do clicRBS sobre os riscos ambientais do plantio de grandes
extensões de pínus e eucalipto na Metade Sul do Rio Grande do Sul.
Conforme o especialista, estudos recentes apontam para o alto consumo de água
das plantações de espécies exóticas no sistema de monocultura, causando a
extinção de variedades da flora e fauna, além da redução da quantidade de
água presente naturalmente na região do plantio. Confira a íntegra da
entrevista.
Ludwig Buckup: Oi, boa tarde. Estamos aqui para conversar sobre as
monoculturas.
clicRBS: A Aracruz e a Stora Enso anunciaram neste ano que passou grandes
investimentos no Rio Grande do Sul para a produção de celulose. O Estado é
adequado para este tipo de indústria? O clima e o solo gaúchos são adequados
para as plantações de árvores necessárias à produção de celulose?
Ludwig Buckup: Decididamente não. Motivos: a área escolhida, Metade Sul do
Estado, é um bioma de campo (Pampa), com solo, clima e vocação
sócio-ambiental impróprios para florestamento com espécies exóticas, como o
eucalipto e o pínus.
Internauta: Professor, quais serão os impactos ambientais no sul do RS após
as plantações das árvores exóticas?
Ludwig Buckup: A revista Science de 23/12/2005, página 1944, publicou
excelente artigo mostrando que as plantações de eucalipto no pampa argentino
reduziram o fluxo de água dos rios em 52%, secaram 13% dos rios, córregos e
arroios, aumentaram a salinidade e acidez do solo, em apenas um ano após o
plantio. O mesmo pode acontecer no pampa sul-brasileiro.
Internauta: Professor, que outras culturas são adequadas para a Metade Sul?
Ludwig Buckup: Aquelas que se ajustam à vocação sociocultural da região, ou
seja, uma integração equilibrada entre pecuária extensiva, plantios
diversificados em rotação de cultura e processos vários de fixação do homem
ao ambiente no qual nasceu e ao qual permanece vinculado por laços culturais.
Internauta: Como o senhor avalia a atuação da Fepam na liberação das licenças
para o plantio desse tipo de cultura?
Ludwig Buckup: A Fepam é órgão executivo do governo do Estado. Não tem espaço
nem poder de caráter deliberativo. Até aqui tem sido totalmente incapaz de
fiscalizar as plantações de exóticas já realizadas no Estado. No planalto o
pínus está sendo plantado até a margem dos rios, após destruição da mata
ciliar e até para dentro dos capões de pinheiros nativos remanescentes.
Qualquer licenciamento só poderia ser liberado após extensos investimentos em
zoneamento ecológico, avaliação das qualidades do solo e das reservas de água
no espaço natural.
clicRBS: E se a Fepam não fiscaliza as plantações e não sabe quais as
conseqüências do cultivo de árvores, como essa atividade vem sendo permitida?
Não caberia à Fepam decidir ser é possível ou não plantar determinadas
culturas?
Internauta: O que falta à Fepam é pessoal para fiscalizar ou vontade política
para realizar essa tarefa?
Ludwig Buckup: A Fepam deveria poder decidir, mas não o faz. À Fepam faltam
recursos humanos e materiais. Em termos de gerenciamento percebe-se que o
órgão perde um tempo enorme com as questões de balcão e apagando os incêndios
administrativos. E politicamente, a Fepam depende das decisões políticas das
esferas superiores e que pensam de forma completamente diferente.
clicRBS: O governo estimula esse tipo de cultura através do Plano Nacional de
Florestas (PNF), oferecendo recursos para o plantio de árvores para celulose.
Estes dados apresentados pela Science não são suficientemente fortes para que
o governo reverta esses financiamentos?
Ludwig Buckup: Os argumentos da Science são fortes sim, convincentes e
indiscutíveis. Só que os órgãos do governo não lêem o Science, mas sim lêem
propostas para aumentar a arrecadação de tributos, agradar aos investidores
estrangeiros e pensando nas próximas eleições.
clicRBS: O professor da UFRGS Carlos Nabinger defende novas técnicas de
pecuária que teriam baixo impacto ambiental e garantiriam mais renda para os
pecuaristas. Esta seria uma saída para a Região Sul do RS, ou a pecuária
também tem impactos na região?
Ludwig Buckup: O professor Nabinger, da Faculdade de Agronomia da UFRGS, fez
recentemente excelente palestra sobre a vocação dos campos sulinos.
Demonstrou que com um pouco de assistência técnica e aporte moderado de
recursos materiais e financeiros, é possível aumentar em 200% a produtividade
no referido ambiente.
clicRBS: A Metade Sul do Estado vem sofrendo com a falta de alternativas de
renda há décadas. Que alternativas os agricultores e pecuaristas que estão
partindo para o plantio de árvores teriam? Que alternativas o governo e a
sociedade civil poderiam oferecer a esta região? Como a Metade Sul poderia se
desenvolver, e não apenas gerar renda?
Ludwig Buckup: Sim, o ciclo da soja já mostrou que este modelo econômico
expulsou o homem do campo para a cidade. O plantio extensivo, fala-se em 28
milhões de pés de eucalipto, em nada ajudará ao homem do pampa a viver em seu
ambiente. Quem disse que o gaúcho do pampa quer ser empregado da Aracruz, da
Votorantin ou da Stora Enso? O que ele certamente busca é um lugar para viver
com sua família, poder alimentar os seus, criar seus animais e participar de
um uso sustentável dos recursos naturais oferecidos pelo meio em que vive. o
Eucalipto, tal como a soja, vai expulsar o homem para a cidade, engrossando o
cinturão de pobreza e exclusão social que hoje cercam as metrópoles.
Internauta: Professor, 28 milhões de árvores são apenas algo como 25 mil
hectares. Isto não significa nada em termos florestais. Há controvérsias
bastante sérias a respeito do consumo de água pelas florestas plantadas.
Estudos feitos pela USP indicam que elas não consomem valores
significativamente diferentes daqueles utilizados pela floresta natural.
Ludwig Buckup: Não estamos comparando plantação de eucalipto com florestas
naturais, estamos discutindo a inconveniência de plantar florestas em uma
paisagem cuja potencialidade bioecológica é o campo. Neste sentido vale
lembrar o absurdo de argumentar que uma plantação de soja também apresenta
uma elevada evapotranspiração. Só que soja é alimento e madeira de eucalipto
destina-se à exportação, o que configura um caso típico de privatização de
lucros e socialização dos custos ambientais.
Internauta: Professor, eu estou me referindo a consumo de água. Parece que
Pínus e Eucalipto são vilões e não são. São árvores que têm um potencial de
adaptação e crescimento para as condições brasileiras bastante importantes. O
fato de serem originárias de outras locais não as desmerece nem as transforma
em "bandidos".
Ludwig Buckup: Plante 700 eucaliptos por hectare, então você vai ver que dá
muito mais do que 25 mil hectares.
Internauta: O problema não está na Fepam. Está faltando discussão sobre o
assunto, há muita radicalização, com desconhecimento elevado. O senhor fala
em milhões de árvores como se fosse um absurdo. Quantos milhões ou bilhões ou
trilhões (não sei bem) de pés de soja são plantados por ano no RS, por ano?
Internauta: Quantas pessoas vivem hoje no campo da Metade Sul? A pecuária não
emprega tanta gente assim.
Ludwig Buckup: A densidade populacional é baixa, certamente, mas políticas
eficazes de apoio as atividades agropecuárias da região e uma política de
reforma agrária correta, estimularão a criação de novas rotas migratórias
para aquele espaço. Vejam o absurdo como disse o jornalista Oca,
adequadamente: Hoje estão destruindo as matas da Amazônia para criar
pastagens e aqui no sul estão plantando eucaliptos destruindo os campos de
pastagem.
clicRBS: Existem outros impactos do plantio de árvores no campo além do
problema da água?
Ludwig Buckup: Sim, além do problema da perda de recursos hídricos do solo
existe o problema da acidificação, da desertificação e da perda de nutrientes.
Internauta: E qual é o impacto para as espécies silvestres?
Ludwig Buckup: Para as espécies nativas, a monocultura de exóticas com o
pínus e o eucalipto representa o seguinte tipo de impacto: A perda (extinção)
de espécies nativas, a modificação das condições ambientais e principalmente
a biocontaminação dos ecossistemas adjacentes por espécies invasoras como o
Pínus elliottii. Na serra geral o pínus já invadiu a mata atlântica em todas
as áreas de contato.
Internauta: O senhor já visitou florestas plantadas bem manejadas? O senhor
já ouviu falar que no Paraná, em áreas de Pínus com quatro anos foram
encontrados dois filhotes de puma? O senhor, como ambientalista, deve saber
que puma é topo de cadeia e para que ela exista é necessário equilíbrio
ambiental.
Ludwig Buckup: O puma é um péssimo exemplo. É um mamífero predador com grande
deslocamento ocupando, em suas caçadas espaços de quatro a cinco mil hectares
ou mais. Ninguém disse que uma plantação de pínus é biologicamente estéril.
Mas como a diversidade biológica é baixa, havendo quase nenhuma humificação
das agulhas no solo e sem qualquer sub-bosque herbáceo ou arbustivo,
entende-se que pouquíssimas espécies animais fazem desta plantações um lugar
para viver e reproduzir-se de forma estável e permanente.
clicRBS: Professor, a localização do Aqüífero Guarani tem relação com a
escolha do sul da América do Sul para o plantio de árvores (considerando o
estudo da Science)?
Ludwig Buckup: O Aqüífero Guarani tem enorme importância no cenário da
conservação da água na América do Sul. A ameaça que existe vem da salinização
possível, como a revista Science demonstrou de forma cabal.
clicRBS: Diversos pesquisadores e ambientalistas têm chamado a atenção para
os riscos de se plantar árvores da Metade Sul. Isso é suficiente para
mobilizar o governo e a opinião pública para que sejam feitos mais estudos,
ou para que novas alternativas de desenvolvimento sejam pensadas?
Ludwig Buckup: Será importante que toda a comunidade gaúcha se mobilize para
que o governo reexamine a proposta, já em fase de implementação, não
autorizada, de cobrir o sul do Estado com um enorme deserto verde. Eu
participo de uma ONG denominada IGRE-Amigos da Água, que vem priorizando a
conservação dos recursos hídricos em todas as suas formas do Brasil
meridional. (clicrbs, 19/12)